quinta-feira, 3 de junho de 2010

Estado brasileiro anistia o cineasta baiano Glauber Rocha

26/05/2010 - vermelho.org.br

Estado brasileiro anistia o cineasta baiano Glauber Rocha

Perseguido e censurado nos anos da Ditadura Militar (1964-1985), o cineasta baiano Glauber Rocha, pai do Cinema Novo, autor de clássicos da Sétima Arte nacional, a exemplo de Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe, Barravento e O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro – este último, uma das suas nove obras censuradas -, foi oficialmente anistiado em cerimônia realizada nesta quarta-feira (26/5), no Teatro Vila Velha, em Salvador.
A 37ª Caravana da Anistia, organizada pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, Ministério da Cultura e Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, decretou o perdão político do Estado 29 anos após a morte do cineasta, em 1981. “Representa um reconhecimento e um amadurecimento político do país em poder anistiar as pessoas que lutaram pela liberdade, que não aceitaram a Ditadura”, comemorou Paloma Rocha, a filha de Glauber e responsável por dar entrada ao processo de anistia, em maio de 2006.

Na verdade, segundo a própria Paloma, a iniciativa partiu de sua filha, Sara, então com 23 anos. “Eu soube que havia essa possibilidade na Lei e vi nisso a chance de ressarcir minha família de todas as perdas materiais e, sobretudo, dos danos morais”, afirmou ela, ao lado da avó, Dona Lúcia Rocha, visivelmente emocionada. “Meu coração vive sempre acelerado e, hoje, é um dia em que ele está até calmo, porque é um dia feliz. Isso era tudo o que Glauber queria. Ele sempre afirmou que, na Bahia, há um pólo cinematográfico gerador da cultura brasileira”, garantiu Dona Lúcia.

Acusado de querer implantar o cinema político como forma de subversão, Glauber foi investigado, vigiado e perseguido pelo regime. “O filme político, através de técnicas minuciosamente estudadas, tem como fim precípuo influenciar a opinião pública, destruindo psicologicamente o espectador. Glauber Rocha e seus seguidores no Brasil querem implantar o cinema político, para com isso enganar o povo e levá-lo à agitação, à desordem política e à revolução”, dizia documento oficial do Ministério da Aeronáutica, datado de 1974.

Diante de um auditório lotado, a redenção do gênio que reinventou o modo de fazer cinema na Bahia e no Brasil levou a platéia ao choro e a efusivos aplausos, quando o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão, declarou a esperada – e mais que merecida – anistia a Glauber. “Esse ato representa um reencontro da Nação com a sua própria história. Agora, é o momento de nós conhecermos a verdade relativa às atrocidades da Ditadura Militar, potencializarmos o aprendizado que ela possa nos trazer e, acima de tudo, propiciar que a sociedade brasileira conheça a sua história”, destacou.

Além do reconhecimento da anistia, a vitória da família Rocha no julgamento compreende também o pagamento de indenização: o retroativo de R$ 234 mil, e mais R$ 2 mil de prestação mensal continuada. “Além de ser um ato de anistia, é também uma homenagem a este baiano criativo, ícone da cultura nacional”, declarou a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais na Bahia, e uma das três conselheiras responsáveis pelo julgamento do requerimento de anistia, Ana Guedes.

A cerimônia, bem ao estilo de Glauber, com dança, teatro e poesia, reuniu artistas, personalidades da cena cultural baiana, intelectuais, diretores cinematográficos, jornalistas e autoridades políticas, a exemplo do Ministro da Cultura, Juca Ferreira, que inclusive foi testemunha da família no julgamento; o governador Jaques Wagner (PT); o deputado federal Emiliano José (PT); o deputado estadual Javier Alfaya (PCdoB); e o secretário estadual de Cultura, Márcio Meirelles. “Considerar Glauber um anistiado é fazer justiça; é um reconhecimento de um momento onde houve falta de liberdade e que muitos, como Glauber, sofreram. Então, na medida em que se reconhece um, até pela sua notoriedade, é, ao mesmo tempo, o reconhecimento de muitos; e faz história”, atestou o governador.

Comissão já anistiou mais de 36 mil

A Comissão de Anistia julgou, até hoje, 55 mil requerimentos de anistia política, segundo dados do Ministério da Justiça. Em 14 mil casos, houve algum tipo de reparação econômica e, em 22,5 mil processos, houve apenas o pedido oficial de desculpas do Estado. O número de pedidos negados é de 18,5 mil e ainda existem 11 mil processos aguardando definição em primeira instância, e mais 3.5 mil com solicitação de recurso. No total, o Governo já concedeu R$ 2,4 bilhões em reparações econômicas.

Antes de Glauber, o Ministério da Justiça já havia concedido anistia a outras personalidades do meio artístico, a exemplo dos escritores e cartunistas Ziraldo e Jaguar, em 2008; e, em abril deste ano, ao dramaturgo José Celso Martinez Corrêa, contemplado com uma pensão vitalícia de R$5 mil e mais R$569 mil retroativos.

De acordo com a Lei, são anistiáveis, com reparação financeira, as pessoas que sofreram perseguição no período de 18 de setembro de 1946 a 05 de outubro de 1988. As reparações por causa de violações a direitos humanos podem ser requeridas a qualquer tempo.

De Salvador,
Camila Jasmin

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