sexta-feira, 18 de junho de 2010

Folha Online, pela primeira vez, publica uma matéria séria sobre a questão nuclear iraniana, citando um crítico norte-americano. MILAGRE

Folha Online

/06/2010-02h35

Obama trocou estratégia de diálogo por ganho de curto prazo no Irã, diz analista

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

Ao insistir na votação das sanções contra o Irã, o governo Obama sacrificou seu objetivo estratégico --o de impedir a emergência da bomba iraniana--, por uma vitória efêmera no Conselho de Segurança da ONU.
A avaliação é do David Speedie, do Conselho Carnegie para a Ética Internacional, de Nova York, onde dirige o programa sobre o "engajamento global dos EUA" e um projeto que analisa a "ascensão do resto", incluindo potências médias como Brasil e Turquia.
Em entrevista à Folha, Speedie, natural da Escócia, lamenta que a Casa Branca tenha desprezado o acordo mediado por esses dois países, segundo ele uma medida de construção de confiança que poderia facilitar negociações mais abrangentes com Teerã.
Ele avalia que, ao insistir em que o Irã suspenda o enriquecimento de urânio como precondição para o diálogo, Obama mantém a abordagem do antecessor, George W. Bush, que não deu resultado.
"Uma das críticas à política do governo Bush para o Irã era que ele também dizia querer negociar, mas exigia que a posição final dos iranianos estivesse dada antes de começar. Este governo chegou declarando que mudaria essa abordagem e que faria negociações genuínas, mas, infelizmente, isso não se sustentou."
Speedie acredita que as negociações podem ser retomadas e que a bomba iraniana não é inevitável. "A liderança religiosa do país e o próprio [presidente Mahmoud] Ahmadinejad podem ser criticados por muitas coisas, mas não são suicidas."
Speedie é um dos especialistas da chamada comunidade de política externa americana que, nos últimos dias, publicaram análises críticas à posição do governo no caso. Outros nomes incluem Gary Sick, militar reformado e professor da Universidade Columbia, e Flynt Leverett, diretor do projeto Irã da Fundação Nova América, de Washington.
Abaixo, os principais trechos de sua entrevista, feita por telefone.
*
Folha - Por que os EUA se apressaram a votar as sanções contra o Irã, sem considerar o acordo mediado por Brasil e Turquia em Teerã?
David Speedie - Lamento dizer que houve um certo grau de pirraça. Os EUA tinham tomado o caminho das sanções e, uma vez nele, seria difícil mudar. Negociar não é fácil, quando uma posição já foi tomada. E isso está ficando claro mesmo para um governo que se comprometeu a ouvir as posições dos outros, pelo menos em princípio.
Quando conseguiram obter o apoio da Rússia e da China, apesar de as sanções terem sido diluídas, viram como uma vitória diplomática. Mas temo que isso tenha acabado se tornando o triunfo de uma tática de curto prazo em detrimento de uma estratégia de longo prazo.
Em outras palavras: a vantagem de atrair russos e chineses para as sanções é uma coisa, enquanto a estratégia de longo prazo é garantir que o Irã não chegue à bomba.
Folha - O governo brasileiro alega que a carta enviada por Obama endossava a mediação feita por Brasil e Turquia. Como explicar isso?
Speedie - Em outubro do ano passado, os EUA estavam prontos a endossar um acordo muito semelhante em espírito, se não em todos os detalhes, ao alcançado por Brasil e Turquia. A carta de Obama a Lula fala em estar aberto a negociações, e isso, na minha opinião, encorajou o Brasil e outros. A carta não menciona a precondição da suspensão do enriquecimento [de urânio], que acabou se tornando o principal ponto de objeção ao acordo. Isso deve ter pego de surpresa o presidente Lula, porque não está na carta.
Só posso assumir que houve forças dentro do governo que estavam com o foco nas sanções.
O governo diz que a diferença entre agora e outubro é que o Irã continuou a enriquecer e o que seriam 70% dos estoques de urânio enriquecido agora são apenas 55%. Mas, como disseram a embaixadora brasileira na ONU e o antigo diretor-geral da AIEA, Mohamed El Baradei, se o objetivo final é garantir que o programa do Irã tenha fins pacíficos, o que temos que fazer é negociar e nos dedicarmos a medidas de construção de confiança.
O que foi proposto por Brasil e Turquia foi pelo menos uma medida de construção de confiança na qual algumas concessões foram feitas pelo Irã para ir para o próximo passo.
Folha - Até este episódio, não estava claro se o governo Obama insistiria na precondição da suspensão do enriquecimento de urânio pelo Irã. Como vê essa definição?
Speedie - Há duas coisas em jogo aqui. A primeira é que a política interna americana tem muita influência na externa. É o caso para Cuba e para o Irã. A segunda é que governos democratas têm pânico de ser vistos como "brandos" na política militar e de segurança, o que foi usado em eleições pelos republicanos.
Mas, quaisquer que sejam as razões, o fato é que uma das críticas à política do governo [George W.] Bush para o Irã era que ele também dizia querer negociar, mas exigia que a posição final dos iranianos estivesse dada antes de começar. Esse governo chegou declarando que mudaria essa abordagem e que faria negociações genuínas, mas, infelizmente, isso não se sustentou.
Houve o abandono, ainda mal explicado, de uma política de negociação em que haveria a disposição de fazer concessões.
Folha - Uma das críticas feitas ao governo brasileiro é que, ao mediar uma questão no Oriente Médio, vital para os EUA, ele foi além dos recursos de poder que tem. Como o senhor analisa essa crítica e como esse episódio pode afetar a imagem externa no Brasil?
Speedie - Não concordo com essa crítica. Em curto prazo, posso compreender que haja algum embaraço para a posição brasileira.
Não seria a primeira vez que um país ou um líder agiu de modo que considerava coerente com sinais de Washington e ficou desapontado. Mas não acho que esse sentimento de frustração possa ser duradouro, porque há um movimento inexorável para o protagonismo de novos atores no cenário internacional. O próprio presidente Obama reconheceu isso.
Embora não haja dúvidas de que os EUA continuam sendo a principal potência militar, econômica e política, há novos arranjos, incluindo propostas de negociação de questões difíceis, como o Irã, que podem não nos envolver. Então, em longo prazo, países como Brasil, Turquia, Índia, Indonésia e África do Sul terão um papel significativo a desempenhar.
Folha - Os editoriais dos principais jornais americanos, como "The New York Times" e "Washington Post", foram muito críticos a Brasil e Turquia. O senhor considera que essa condenação reflete o pensamento majoritário da chamada comunidade de política externa nos EUA?
Speedie - Para ser honesto, a maioria dos americanos, e suspeito que seja o mesmo em seu país, não segue a política externa. Os jornais do establishment, como os que você citou, têm se caracterizado pela disposição de dar bastante crédito ao novo presidente. Ele fez o discurso do Cairo [quando prometeu nova era na relação com países de maioria muçulmana] e no mês passado falou de diplomacia e negociações na Academia Militar de Westpoint. Dá grandes declarações nessa linha.
O problema é que, na implementação, não há uma correspondência. Mas acho que existe essa disposição de dar a ele o benefício da dúvida, e claramente o Irã é um assunto emocional para muitos americanos há 30 anos [em função da tomada de reféns na embaixada em Teerã, após a Revolução Islâmica de 1979].
No entanto, há muitos na comunidade acadêmica e de formuladores de políticas que tentam apresentar uma visão mais equilibrada . Nós, no Conselho [Carnegie], vemos o presidente como uma personalidade considerável, mas nos reservamos o direito de ser críticos.
Folha - Mesmo os que apoiaram as sanções admitem que elas não funcionarão, pelo menos em curto prazo. Alguns especialistas creem que seja inevitável que o Irã chegue à bomba. Outros dizem que a liderança religiosa do país não é racional nos seus cálculos sobre isso. Qual é a sua previsão?
Speedie - Primeiro, acho que a liderança religiosa do país e o próprio Ahmadinejad podem ser criticados por muitas coisas, mas não são suicidas, autodestrutivos. Segundo, não acho que seja inevitável que o Irã desenvolva a bomba. Acho que, desafortunadamente, podem haver acontecimentos que os empurrem na direção errada.
Os dois elementos-chave aqui são a verificação --podemos implementar medidas para verificar se o Irã está indo na direção da militarização do seu programa nuclear-- e medidas de construção de confiança para manter a negociação. São os dois fatores fundamentais que as sanções minam.
Folha - Mas, com as sanções, o senhor acha que eles vão endurecer seu comportamento?
Speedie - Em curto prazo, sim. Mas as sanções foram tão diluídas no sentido de não afetar as atividades petrolíferas iranianas que em longo prazo isso não deve se manter. A China, na minha opinião, jogou um jogo sofisticado, de ao mesmo tempo manter os EUA felizes e não minar seus negócios com o Irã. 

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