sábado, 10 de setembro de 2011

Do que, afinal, tem medo a imprensa brasileira?


REGULAÇÃO EM DEBATE
A distorção dos fatos
Por Luciano Martins Costa em 06/09/2011 na edição 658
Comentário para o programa radiofônico do OI, 6/9/2011

Há um falso debate na imprensa, alimentado pela Associação Nacional de Jornais e mantido na pauta dos diários por decisão vinda de cima para baixo, imposta aos editores pelas direções das empresas. Trata-se de uma suposta determinação do governo federal – ou de parte dele – de impor restrições ao funcionamento da mídia, nos moldes de um controle paraestatal que poderia ser confundido com a imposição de censura.

Não existe essa hipótese.

Os jornais transformam em política oficial uma moção apresentada durante o 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores, realizado no último fim de semana, em Brasília. A proposta original, de criação de um marco regulatório com objetivo de democratizar os meios de comunicação, foi apresentada como determinação a ser incluída no texto final do encontro, como parte das deliberações oficiais do partido, mas acabou rebaixada a simples moção.

“Pluralidade de conteúdos”
Por essa simples e transparente verdade, todas as pessoas que se deram o trabalho de ler os documentos referentes ao congresso do PT sabem que não há uma proposta oficial do partido indicando ao governo intenções de controlar ou censurar a imprensa.

O 4º Congresso do Partido dos Trabalhadores não concluiu pela defesa de um marco regulatório como diretriz política, como querem dar a entender os jornais – mas propôs “abrir o debate no Congresso Nacional sobre o marco regulador da comunicação social”.

Nesses congressos partidários o que não faltam são moções de todos os tipos. Se alguém se dedicasse a vasculhar a papelada que sobra nas mesas de debates, poderia encontrar até mesmo uma proposta de estatização de bancos estrangeiros.

A manifestação das diversas correntes de opinião que formam os partidos políticos mais autênticos é parte desse festival democrático que são os congressos. Daí a transformar uma proposta colocada em debate em deliberação partidária vai um grande esforço de má interpretação.

O que diz o texto final do congresso do PT é que o partido deve “repudiar, repelir e barrar qualquer tentativa de censura ou restrição à liberdade de imprensa”. O documento, disponível no site oficial, defende a abertura de debates no Congresso Nacional “sobre o marco regulador da comunicação social – ordenamento jurídico que amplie as possibilidades de livre expressão de pensamento e assegure o amplo acesso da população a todos os meios – sobretudo os mais modernos como a internet”.

Diz ainda, literalmente:

“As reformas institucionais não estarão completas se não forem acompanhadas da mais profunda democratização da comunicação. Além de tudo isso, as mudanças tecnológicas e a convergência de mídias precisam ser acompanhadas de medidas que ampliem o acesso, quebrem monopólios e garantam efetiva pluralidade de conteúdos.”

Do que, afinal, tem medo a imprensa brasileira?

A velha mídia é contra a democratização da comunicação e dos meios.


REGULAÇÃO EM DEBATE
A reação da mídia à posição do PT
Por Venício A. de Lima em 07/09/2011 na edição 658

A cobertura jornalística do 4º Congresso Extraordinário do Partido dos Trabalhadores, realizado em Brasília de 2 a 4 de setembro, e a reação homogênea da grande mídia em relação ao que foi dito e decidido sobre a regulação do setor de comunicações, mereceria um “estudo de caso” não fosse a eterna e enfadonha repetição do “mesmo de sempre”.

Um Congresso onde se discutiu uma enorme variedade de temas de interesse público foi praticamente reduzido a “propostas de controle da mídia” e a cobertura “jornalística” muitas vezes ignorou as falas e documentos concretos para “noticiar” seus próprios fantasmas, tendo ao final que criar um “recuo” inexistente do PT para dar conta da sua própria “cobertura antecipada” de algo que sequer estava proposto.

Nada, absolutamente nada, de novo no comportamento da grande mídia.

O que de fato foi dito e aprovado

No discurso de abertura do Congresso o presidente do PT, Rui Falcão afirmou:

“Para concluir, quero mencionar dois temas da agenda petista que reputo de importância capital: o da democratização dos meios de comunicação e uma campanha pública pela aprovação de leis cidadãs, com o concurso de iniciativas populares, proposições congressuais e do próprio Executivo.

“Entre as nossas convicções mais arraigadas, inscritas como princípios em nosso ideário, a livre expressão de pensamento, o direito de opinião, a liberdade de imprensa e o repúdio a todas as formas de censura são valores fundamentais. Mas o jornalismo marrom de certos veículos, que às vezes flerta com práticas ilegais, deve ser responsabilizado toda vez que falsear os fatos ou distorcer as informações para caluniar, injuriar ou difamar.

“A inexistência de uma Lei de Imprensa, a não regulamentação de artigos da Constituição que tratam da propriedade cruzada de meios, o domínio midiático por alguns poucos grupos econômicos tolhem a democracia e criam um clima de imposição de uma única versão para o Brasil. E a crescente partidarização, a parcialidade, a afronta aos fatos preocupam a todos os que lutam por meios de comunicação que sejam efetivamente democráticos. Por tudo isso, o PT luta para votar e aprovar, no Congresso Nacional, um marco regulatório capaz de democratizar a mídia no País.”

Na Resolução Política aprovada ao final do Congresso está escrito:

“Para o PT e para os movimentos sociais, a democratização dos meios de comunicação é tema relevante e um objetivo comum com os esforços de elaboração do governo Lula e os resultados da I Conferência Nacional de Comunicação, que evidenciou os grandes embates entre agentes políticos, econômicos e sociais de grande peso na sociedade brasileira. É urgente abrir o debate no Congresso Nacional sobre o marco regulador da comunicação social – ordenamento jurídico que amplie as possibilidades de livre expressão de pensamento e assegure o amplo acesso da população a todos os meios – sobretudo os mais modernos como a internet. Daí o nosso repúdio ao projeto de lei 84/99 que se originou e tramita no Senado Federal, o AI-5 digital, pois pretende reprimir a livre expressão na blogosfera.

“Para nós, é questão de princípio repudiar, repelir e barrar qualquer tentativa de censura ou restrição à liberdade de imprensa. Mas o jornalismo marrom de certos veículos, que às vezes chega a práticas ilegais, deve ser responsabilizado toda vez que falsear os fatos ou distorcer as informações para caluniar, injuriar ou difamar. A inexistência de uma Lei de Imprensa, a não regulamentação dos artigos da Constituição que tratam da propriedade cruzada de meios, o desrespeito aos direitos humanos presente na mídia, o domínio midiático por alguns poucos grupos econômicos tolhem a democracia, silenciam vozes, marginalizam multidões, enfim criam um clima de imposição de uma única versão para o Brasil. E a crescente partidarização, a parcialidade, a afronta aos fatos como sustentação do noticiário preocupam a todos os que lutam por meios de comunicação que sejam efetivamente democráticos. Por tudo isso, o PT luta por um marco regulatório capaz de democratizar a mídia no País.

“As reformas institucionais não estarão completas se não forem acompanhadas da mais profunda democratização da comunicação. Além de tudo isso, as mudanças tecnológicas e a convergência de mídias precisam ser acompanhadas de medidas que ampliem o acesso, quebrem monopólios e garantam efetiva pluralidade de conteúdos.

Além disso, o Congresso aprovou também, como “moção”, um documento específico sobre as comunicações com o título “PT: compromisso com uma agenda estratégica para as comunicações no Brasil”. Esse documento não sofreu qualquer modificação e a versão aprovada é ipsis literis a versão original que circulou no primeiro dia do Congresso. Na sua parte final o documento afirma:

“O Partido dos Trabalhadores entende que deve contribuir na elaboração e na implantação de políticas de universalização do acesso aos diferentes serviços de comunicação – em especial à internet em banda larga, que deve ser entendida como um serviço essencial, ao qual todo cidadão tem direito, independentemente das disparidades sociais e regionais. Para tanto, é necessário:

“** Fortalecer o papel regulador do Estado no setor de telecomunicações, de modo a promover e proteger a diversidade cultural brasileira, ampliar o intercâmbio cultural com todos os povos do planeta, possibilitar maior competição entre agentes de mercado, redução do preço ao usuário, aumento da qualidade e multiplicação dos investimentos privados na infraestrutura que dará suporte às demandas de um Brasil efetivamente conectado.

“** Aprofundar políticas públicas que garantam o acesso das populações de baixo poder aquisitivo ou de regiões distantes das grandes cidades aos serviços de comunicações. Para tanto, o Estado deverá garantir recursos para equipamentos públicos de acesso, provimento do serviço e terminais.

“** Ampliar o investimento em grandes redes radiodifusão pública e de telecomunicações, a exemplo da EBC e da Telebrás, que fujam da lógica imediatista de mercado, podendo assim voltar a sua atuação a regiões e públicos de menor potencial econômico; atender aos órgãos da administração pública, o que, além de gerar impactos econômicos positivos, potencializa os resultados dos mais diferentes serviços básicos, da educação à segurança e à saúde, e tornarem-se alternativas às redes privadas, gerando competição e pluralidade.

“** Garantir que o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, em parte desenvolvido em nossos laboratórios e já adotado por diversos países, realize todo o seu potencial inovador por meio do middleware Ginga – ou seja, que ele de fato utilize recursos interativos que demandem produção local e induzam à inclusão digital.

“** Afirmar a radiodifusão como um serviço público, de caráter universal, aberto e de alta relevância social.

“** Criar um ambiente normativo para o mundo digital que, por um lado, garanta os direitos individuais do cidadão, bem como possibilite o acesso isonômico aos conteúdos e aplicações.

“** Mobilizar o PT no debate e na aprovação do Marco Civil da Internet que se encontra no Congresso Nacional e na elaboração de um novo projeto para tipificar crimes e delitos cometidos no ciberespaço.

“** Defender a revisão da legislação referente ao Direito Autoral e Propriedade intelectual, considerando a cultura como bem comum e o nosso compromisso com a democratização da produção, fruição e acesso aos bens e serviços culturais.

“** Consolidar um sistema público de rádio e televisão, apoiar e descriminalizar a radiodifusão comunitária e dotar os processos de outorga de radiodifusão de mecanismos de transparência e de critérios objetivos.

“** Vedar a concessão e permissão de outorgas de radiodifusão a políticos e ocupantes de cargos públicos em exercício da função bem como formas de concentração empresarial, a exemplo da propriedade cruzada, que levem ao abuso de poder econômico.

“** Democratizar a distribuição das verbas públicas de publicidade visando o estímulo à pluralidade de fontes de informação nas diferentes esferas da federação.

“** Participar do diálogo da sociedade com os governos na elaboração das políticas de comunicações por meio da criação de conselhos de comunicação em todos os estados da federação e no Distrito Federal, fortalecimento do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional e dos processos participativos nacionais que envolvam todos os entes federados realizando a II Conferência Nacional de Comunicação.

“** Afirmar um novo paradigma de políticas públicas de estímulo ao desenvolvimento cultural, que alie o fortalecimento das empresas brasileiras ao desenvolvimento regional, que encontre espaço para a produção destinada ao mercado de massas, sobretudo internacional, aos processos criativos que operam segundo os princípios da Economia Solidária e fortalecem os laços de pertencimento comunitário.

“As grandes mudanças necessárias para a implantação de uma agenda estratégica para as comunicações no Brasil, contudo, ainda são barradas pelo anacronismo de nosso atual marco regulatório. No que se refere ao rádio e à televisão, nossa legislação atual data dos anos 1960 e não foi atualizada a ponto de regulamentar os artigos da Constituição Federal que tratam, por exemplo, da produção regional e independente e da vedação ao monopólio e aos oligopólios. No que se refere a telecomunicações, a legislação foi construída a partir de um modelo gestado antes da revolução digital, que aboliu as fronteiras entre os diferentes serviços e as diferentes redes.

“Nesse sentido, é necessário criar um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil que venha a substituir as atuais normas sobre telecomunicações e sobre radiodifusão. Este novo marco deverá ter entre seus princípios:

a) A liberdade de expressão e de imprensa e a vedação à censura;

b) A garantia dos direitos do cidadão, da infância e da adolescência;

c) A pluralidade de fontes de informação;

d) O fortalecimento da cultura brasileira;

e) O fortalecimento da indústria nacional criativa, especialmente a produção audiovisual independente.

f) O direito de acesso às redes de comunicação;

g) O apoio às redes públicas e comunitárias de comunicações;

h) A participação social na elaboração de políticas de comunicação, por meio de instâncias democráticas e representativas do conjunto da sociedade; e

i) O desenvolvimento econômico regional e a desconcentração de oportunidades de negócio.

“A comunicação que temos hoje está longe da que precisamos para enfrentar os novos desafios. É urgente provocar a ampliação do debate sobre esse Marco Regulatório. Isso foi iniciado com a I Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, mas precisa continuar envolvendo o Partido, os Movimentos Sociais, o Congresso Nacional e o Poder Executivo.

“Precisamos do debate público para sedimentar consensos na área das comunicações.

“Precisamos de um novo marco legal para acordar as regras da transição que está em curso.

“Precisamos da democracia para regionalizar a cultura e garantir a diversidade e a pluralidade.

“Precisamos dos cidadãos e das organizações sociais para injetar nas instituições brasileiras, seja na mídia, na sociedade ou nos governos, a idéia de que compartilhar é preciso.

“Por fim, precisamos retomar a mobilização histórica do PT em torno da pauta da comunicação para que os meios não se tornem fins em si mesmos, mas pontes que ligarão a informação ao conhecimento, a democracia à diversidade, a cidadania à cultura. Mais do que a mera convergência tecnológica, é preciso forjar as bases de uma verdadeira convergência de anseios sociais por um Brasil soberano e socialmente justo.”

O que o PT faz, basicamente, é explicitar seu compromisso: (1) com as liberdades e direitos fundamentais relacionados à comunicação; (2) com a regulação de normas e princípios que estão na Constituição Federal desde 1988, estendidos agora à mídia digital; e (3) com a necessidade de um debate público sobre o tema “para sedimentar consensos”.

Os “fantasmas” de sempre

Sem mencionar a reação quase histérica de dois ou três articulistas conhecidos, a tônica na “cobertura” da grande mídia foi de que o PT quer “controlar a mídia” (ver, neste Observatório, “Muito barulho por nada” e “A distorção dos fatos”)

Vou dar o exemplo da minha própria aldeia: o Distrito Federal.

O Correio Braziliense deu chamada de capa no domingo (4/9) com o título: “PT vai tentar recriar CPMF e controlar a mídia”. Na página 4, o título de página inteira dizia: “Carta inclui controle da mídia”.

[Curiosamente a mesma matéria, assinada pelos mesmos jornalistas, foi também publicada, no mesmo dia no Estado de Minas, da cadeia de jornais dos Diários Associados, da qual faz parte o Correio, e o título era “PT quer regular a mídia”.]

Na segunda-feira (5/9), a manchete do Correio Braziliense era “PT abre alianças e recua sobre o controle da mídia”; seguida de um pequeno lead onde se lia: “Resolução sobre a atuação da imprensa foi trocada por moção de apoio à criação de ‘agência (sic) estratégica’”. Na página 4, o título era “Controle da mídia é repensado”.

Imploro aos eventuais leitores que tirem eles próprios as suas conclusões.

O que fazer?

A saída parece ser colocar imediatamente para o debate público um projeto de marco regulatório. Onde está aquele que teria sido elaborado ao final do governo Lula?

Diante de uma proposta concreta de regulação democrática – a exemplo do que acontece nos países civilizados – seus eternos opositores terão que mostrar objetivamente onde de fato está a defesa da censura e onde se postula o controle autoritário da mídia. Não há alternativa.

***

[Venício A. de Lima é professor titular da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Regulação das Comunicações – História, poder e direitos, Editora Paulus, 2011]