sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"O Brasil do início do século 21 tem pressa e não mais admite cometer velhos erros, já ocorridos e que deixaram como herança o subdesenvolvimento"

25/11/2010 - vermelho.org.br 

Marcio Pochmann: As vias do desenvolvimento 

Em discurso proferido durante a abertura da 1ª Conferência do Desenvolvimento (Code), em 24 de novembro de 2010 no Distrito Federal, o presidente do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, valeu-se de uma citação do grande cineasta Charles Chaplin para assinalar que “não devemos ter medo dos confrontos, pois até os planetas se chocam e do caos nascem as estrelas...”.

Por Marcio Pochmann* 

O Brasil não mais aceita ser liderado. Pretende contribuir para o novo projeto de desenvolvimento mundial, multipolar e compatível com a repartição justa da riqueza e a sustentação do planeta para as novas gerações. Mas aqui vale repetir que não há caminhos para quem não tem direção a seguir. Tampouco pode prevalecer a máxima do último imperador no Brasil, que afirmava que quando não sabia o que fazer, melhor seria sempre esperar, geralmente para ser conduzido por alguém que dizia saber o que fazer.

O Brasil do início do século 21 tem pressa e não mais admite cometer velhos erros, já ocorridos e que deixaram como herança o subdesenvolvimento, deixaram a cada grupo de dez brasileiros, um analfabeto, contingente em sua maior parte constituído por pessoas de 50 anos e mais de idade e de cor não-branca. Sem tocar ainda na complexidade do atual analfabetismo funcional, que faz ceifar o acesso às oportunidades de maior ascensão social possibilitado pelo crescimento da economia nacional.

É hora do exercício da grande arte da política pública que deve fazer garantir a universalidade da igualdade do acesso às oportunidades, pois como dizia Charles Chaplin, “... a persistência é o caminho do êxito. Não devemos ter medo dos confrontos, pois até os planetas se
chocam e do caos nascem as estrelas...”.

O engrandecimento do Brasil, percebido pelo seu recente reposicionamento entre as economias mais ricas do planeta, bem como de sua participação efetiva nos principais fóruns globais, é fruto da decisão governamental do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de abandonar as tecnicalidades da cultura do bonsai e do exercício focado no plantar em vasos, como se observou nas políticas neoliberais hegemonizadas na passagem para o século 21.

Antes não se poderia elevar o valor do salário mínimo porque geraria informalidade e desemprego; não se deveria aumentar o gasto social porque desorganizaria as finanças públicas; não se poderia apoiar
investimentos nas empresas públicas porque haveria mais ineficiência; assim como se deveria manter banco público aprisionado para não fazer subir ainda mais a taxa de juros. Os pobres, de vítimas deste sistema econômico e social regressivo, eram os próprios responsáveis por suas trajetórias de infortúnio, sendo somente os ricos portadores de recompensa e admiração.

Ora, o Brasil nasceu para ser grande. Somente a ruptura com todo esse engenho satânico permitiu ao País retomar o caminho do desenvolvimento, indicando o quanto aguardava a força da cultura da plantação em larga escala, por meio da volta do semear de abacateiros, jacas e mangas que permitissem fazer com que a combinação da expansão econômica com a mobilização social corresse pela primeira vez nos últimos cinquenta anos.

Somente o passar do tempo permitirá avaliar completa e profundamente a trajetória econômica, política e social brasileira nos últimos oito anos do governo Lula. Antecipar, todavia, alguns dos principais aspectos estruturadores do passado recente parece ser necessário, especialmente quando se está diante das expectativas de ação para os próximos quatro anos do governo Dilma Rousseff. Dos vários méritos alcançados pelo governo Lula nos oito últimos anos, dois principais devem – pelo menos – ser destacados.

Um primeiro vinculado ao contexto mundial menos desfavorável ao reposicionamento brasileiro na Divisão Internacional do Trabalho. O avanço obtido no comércio externo permitiu reduzir consideravelmente as históricas fragilidades nacionais no Balanço de Pagamentos, com a prevalência de importantes saldos comerciais, do acesso ampliado aos investimentos diretos externos, da resolução dos problemas com a dívida externa e do considerável aumento das reservas internacionais, tornando o País credor do Fundo Monetário Internacional, algo jamais antes visto. Ademais, o protagonismo brasileiro no âmbito das relações internacionais tornou-se evidente e incontestável nos diversos fóruns mundiais e, em alguma medida, com papel de liderança nos temas ambientais e sociais.

Um segundo mérito observado nos últimos oito anos encontra-se relacionado aos importantes desempenhos obtidos nos campos (i) econômico, com a expansão – duas vezes maior que na
década de 1990 – dos investimentos e da produção, bem como da queda – à quase metade – na taxa de desemprego comparada a dos anos 1990; (ii) social, com redução sensível nas taxas de pobreza e
de desigualdade da renda; e (iii) ambiental, com a desaceleração nas queimadas e no grau de emissão do dióxido de carbono. Essa construção relativamente harmônica nas diversas esferas do desenvolvimento nacional possibilitou ao País um novo reposicionamento na relação com o conjunto das nações, ademais de chamar a atenção para a possibilidade de construção de um novo
padrão de desenvolvimento com justiça social e sustentabilidade ambiental.

A etapa de resolução dos problemas do passado não se encerrou ainda e já há novas questões do presente que se vinculam com o futuro, não mais passíveis de postergação, precisando urgentemente ser consideradas à luz da reorganização do Brasil que se deseja e que não tem medo de ser feliz.

Para os próximos anos, contudo, a sequência de enfrentamento dos problemas que estruturam o passado tende a contar com fatos novos, fundamentais de serem considerados e, sobretudo, enfrentados. De um lado, pelo movimento global de reestruturação do capital, responsável por expressar sinais crescentes de decadência relativa dos Estados Unidos, simultaneamente ao deslocamento do antigo centro dinâmico capitalista unipolar para a multipolarização geoeconômica mundial (Estados Unidos, União Europeia, Rússia, Índia, China e Brasil). O poder privado, quase monopólio das grandes corporações transnacionais, precisa ser recompensado pela renovação do poder público a garantir a democracia e a capacidade do exercício do direito de oportunidades a todos.

De outro lado, o desafio da construção de uma sociedade superior. Pela eleição democrática da presidente Dilma, o Brasil consolida a formação de uma nova maioria política capaz de assegurar a continuidade do caminho do desenvolvimento brasileiro. Mas isso não significa, necessariamente, a sequência de mais do mesmo, mas a possibilidade da radicalização das alternativas de construção de uma sociedade superior. Ou seja, a transição mais intensa da condição do trabalho enquanto meio de financiamento da sobrevivência para o estabelecimento de um novo patamar do desenvolvimento humano integral.

Historicamente, a combinação do avanço das forças produtivas com a atuação progressista das lutas sociais e políticas permitiram elevar o padrão de vida da população. Atualmente, quando o curso da revolução tecnológica faz crescer ainda mais o potencial material de produzir, o Brasil encontra-se diante de oportunidade inédita de libertação crescente de sua dependência do trabalho para a mera sobrevivência. Noutras palavras, o estabelecimento de um novo código do trabalho fundamentado na educação para toda a vida, na postergação do ingresso no mercado de trabalho para após a conclusão do ensino superior e na contenção do tempo de trabalho.

Na sociedade do conhecimento, não somente transformam-se as fontes da geração de riqueza como se requer um Estado refundado e apto a potencializar as oportunidades de universalização de um padrão de vida superior, com expectativa de vida próxima dos 100 anos de idade, estudo durante toda a vida e solidariedade fraterna.

É neste contexto, de estar na luta com determinação, envolvido na bandeira da vida, de vencer com ousadia que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com o apoio plural de meia centena de rganizações governamentais e da sociedade civil, tornou possível a construção da primeira Conferência Nacional do Desenvolvimento (Code/Ipea) nesta última semana de novembro de 2010.

Em pleno coração do Brasil e no centro da Esplanada dos Ministérios, a multidisciplinariedade temática do desenvolvimento está sendo tratada de forma inédita, não mais como um assunto somente de especialistas em salas VIP, que em seus gabinetes fechados e protocolares pretendiam definir os rumos da nação. A singular experiência da realização de conferências temáticas no Brasil recente aponta não apenas para a riqueza especial da democracia brasileira, mas também para a nova forma de construção e monitoramento das políticas públicas.

A Code segue esta mesma orientação, embora não detenha estrutura equivalente de delegados, debates e locais prévios. O triunfo das decisões a respeito dos rumos do desenvolvimento nacional pertence ao atrevimento de todas as gerações de brasileiros que não se afastam dos esforços de desafiarem continuamente as impossibilidades. Elas se recordam que as principais proezas da História foram frutos do que inicialmente parecia impossível.

Por meio de oito grandes painéis e quase uma centena de oficinas, documentários, filmes, lançamentos de livros, minicursos e apresentações culturais, este espaço de 10 mil metros quadrados pretende abrigar o fervilhar de ideias renovadoras e amplamente fecundas a respeito da necessária reorganização para um Brasil desenvolvido. Ele já está ao alcance de esforços coletivos e no horizonte das possibilidades concretas das transformações de uma realidade de agonia e amargura daqueles que temem o avanço humano.

Sem fronteiras ao desenvolvimento soberano brasileiro, forjado na democracia e na vontade de homens e mulheres, de doutores e operários, de estudantes e professores, de empresários e trabalhadores sem emprego, de donas de casa e líderes sindicais, de gestores públicos e de políticos, enfim, de todas as mais diversas expressões da sociedade que aceitaram o convite de assumir seu papel na História e não deixar mais para amanhã a esperança de acordar o gigante que por muito tempo permaneceu adormecido.

Conhecer o povo brasileiro e desvendar todo o potencial de uma grande nação pacífica e produtiva como o Brasil por meio da formação de novas convergências políticas construídas em torno dos rumos do desenvolvimento brasileiro constitui-se a base de todo o sucesso. Por um Brasil desenvolvido. Viva a Code. Viva o povo brasileiro.

*Professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do
Trabalho da Universidade Estadual de Campinas. Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente e ajude a construir um conteúdo mais rico e de mais qualidade.