quarta-feira, 31 de março de 2010

Mídia clama pelo golpe militar no Brasil

Do blog do Miro
São Paulo, São Paulo, Brazil
Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB - Partido Comunista do Brasil, autor do livro “Sindicalismo, resistência e alternativas” (Editora Anita Garibaldi) quarta-feira, 31 de março de 2010

Mídia clama pelo golpe militar no Brasil

Quinta-feira, 1º de abril, marca os 46 anos do fatídico golpe civil-militar de 1964. Na época, o imperialismo estadunidense, os latifundiários e parte da burguesia nativa derrubaram o governo democraticamente eleito de João Goulart. Naquela época, a imprensa teve papel destacado nos preparativos do golpe. Na sequência, muitos jornalões continuaram apoiando a ditadura, as suas torturas e assassinatos. Outros engoliram o seu próprio veneno, sofrendo censura e perseguições.

Nesta triste data da história brasileira, vale à pena recordar os editoriais dos jornais burgueses – que clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas. No passado, os militares foram acionados para defender os saqueadores da nação. Hoje, esse papel é desempenhado pela mídia privada, que continua orquestrando golpes contra a democracia. Daí a importância de relembrar sempre os seus editorais da época:

O golpismo do jornal O Globo

“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”. O Globo, 2 de abril de 1964.

“Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada..., atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... As Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal. O Globo, 2 de abril de 1964.

“Ressurge a democracia! Vive a nação dias gloriosos... Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada”. O Globo, 4 de abril de 1964.

“A revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. O Globo, 5 de abril de 1964.

Conluio dos jornais golpistas

“Minas desta vez está conosco... Dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições”. O Estado de S.Paulo, 1º de abril de 1964.

“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu”. Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 1964.

“Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.

“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.

“Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la”. Jornal do Brasil, 6 de abril de 1964.

“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade”. O Estado de Minas, 2 de abril de 1964.

“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”. O Dia, 2 de abril de 1964.

“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”. O Povo, 3 de abril de 1964.

“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. Correio Braziliense, 16 de abril de 1964.

Apoio à ditadura sanguinária

“Um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social – realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama”. Folha de S.Paulo, 22 de setembro de 1971.

“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o país, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”. Jornal do Brasil, 31 de março de 1973.

“Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Editorial de Roberto Marinho, O Globo, 7 de outubro de 1984.

8 Governadores deixam o cargo para se candidatarem

8 Governadores deixam o cargo para se candidatarem

Amazonas (Eduardo Braga - PMDB)
Mato Grosso (Blairo Maggi - PR)
Minas Gerais (Aécio Neves - PSDB)
Paraná (Roberto Requião - PMDB)
Rio Grande do Norte (Wilma de Faria - PSB)
Rondônia (Ivo Cassol - PP)
Santa Catarina (Luiz Henrique da Silveira - PMDB)
São Paulo (José Serra - PSDB)
Do blog Amigos do Presidente

A difícil transição paulista

Pochmann: A difícil transição paulista

(30/03/2010 – 10:14)
Marcio Pochmann, emTendências/Debates da Folha

QUANDO SE completa a primeira década do século 21, o Estado de São Paulo demonstra viver um de seus maiores desafios históricos, qual seja, o de continuar sendo a locomotiva econômica que dirige o país. Na perspectiva recente, isso parece estar comprometido diante de importantes sintomas de decadência antecipada.

Entre 1990 e 2005, por exemplo, o Estado paulista registrou o segundo pior desempenho em termos de dinamismo econômico nacional, somente superando o Rio de Janeiro, último colocado entre os desempenhos das 27 unidades da Federação.
Atualmente, o Estado paulista responde por menos de um terço da ocupação industrial nacional -na década de 1980, era responsável por mais de dois quintos dos postos de trabalho em manufatura.
Simultaneamente, concentra significativo contingente de desempregados, com abrigo de um quarto de toda mão de obra excedente do país -há três décadas registrava somente um quinto dos brasileiros sem trabalho.
Em consequência, percebe-se a perda de importância relativa no total da ocupação nacional, que decaiu de um quinto para um quarto na virada do século passado para o presente.
Se projetada no tempo, essa situação pode se tornar ainda mais grave, com São Paulo chegando a responder por menos de 20% da ocupação nacional, por um terço de todos os desempregados e apenas por um quinto do emprego industrial brasileiro no início da terceira década do século 21.
Essa trajetória pode ser perfeitamente revertida, uma vez que não há obstáculo econômico sem superação.
A resposta paulista, contudo, precisaria vir da montagem de uma estratégia inovadora e de longo prazo que não seja a mera repetição do passado.
Na visão da antiga oligarquia paulista, governar seria fundamentalmente abrir estradas, o que permitiria ocupar o novo espaço com o natural progresso econômico. Por muito tempo, o Estado pôde se privilegiar dos largos investimentos governamentais em infraestrutura, o que permitiu transitar das grandes fazendas produtoras e exportadoras de café no século 19 para o imenso e diversificado complexo industrial do século 20.
Em apenas duas décadas, o Estado paulista rebaixou a concentração de quase dois terços de sua mão de obra no setor primário para menos de um terço, dando lugar ao rápido crescimento do seu proletariado industrial.
Com isso, a ocupação em manufatura convergiu para São Paulo, passando a representar 40% de todos os empregos industriais do país na década de 1960, contra um quarto em 1940.
Em virtude disso, o protagonismo paulista reverberou nacionalmente por meio do ideário de que seria a locomotiva a liderar economicamente o Brasil grande. Tanto que não era incomum à época que as lideranças de outros Estados sonhassem com a possibilidade de repetir o caminho paulista. O principal exemplo se deu com a implantação de uma “mini-São Paulo” no meio da Floresta Amazônica, por intermédio da exitosa implantação da Zona Franca de Manaus.
Para as décadas vindouras, o futuro tende a exigir a ampliação predominante do trabalho imaterial, cujo principal ativo é o conhecimento.
Não significa dizer que as bases do trabalho material (agropecuária e indústria) deixem de ser importantes, pois é estratégico o fortalecimento das novas fontes a protagonizar o dinamismo econômico do século 21.
Se houver força política nesse sentido, o Estado de São Paulo poderá transitar para a continuidade da condição de liderança econômica da nação, passando a responder por 40% do total do trabalho imaterial do país.
Os esforços de transformação são inegáveis, pois, além da necessária oxigenação de suas instituições, os próximos governos precisariam inverter suas prioridades, com a adoção, por exemplo, de um gigantesco e revolucionário sistema educacional que assegure as condições necessárias do acesso de todos ao ensino, do básico ao superior, ademais da educação para a vida toda e com qualidade.
Na sociedade do conhecimento em construção, a liderança econômica não surgirá da reprodução de sistemas de ensino comprometidos com o passado, tampouco de relações governamentais com profissionais da educação compatíveis com o século 19.
Ainda há tempo para mudanças contemporâneas, sobretudo quando a política pública é capaz de romper com o governo das ideias ultrapassadas. Sem isso, o fantasma da decadência reaparece, fazendo relembrar as fases de liderança econômica de Pernambuco durante a colônia e do Rio de Janeiro no império.

MARCIO POCHMANN, 47, economista, é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy).

A blindagem de Serra


Do blog de Guilherme Scalzilli
Historiador e escritor, colabora regularmente com a revista Caros Amigos, o Le Monde Diplomatique, o Observatório da Imprensa e outros veículos.

Biografia e obra completa:
www.guilherme.scalzilli.nom.br

feira, 29 de março de 2010

A blindagem de Serra

Publicado no especial "Eleições 2010" do Amálgama.

O PSDB está prestes a conquistar o quinto quadriênio sucessivo na administração estadual em São Paulo. Não terá dificuldades, a julgar pelas pesquisas. Seus possíveis adversários desconfiam das próprias chances e articulam as candidaturas como quem se submete a um nobre sacrifício.

O predomínio conservador no Estado remete aos arranjos oligárquicos da República Velha. Podemos arriscar uma genealogia de projetos de poder que parte do Partido Republicano Paulista, passa pelo Partido Social Progressista de Adhemar de Barros e pelo PMDB de Orestes Quércia (associado à herança do adhemarismo) e desemboca na cisão que originou o PSDB.

Os tucanos, dissidentes peemedebistas, mantiveram afinidades eleitorais com os antigos correligionários. Quércia foi vice-governador na gestão Franco Montoro e Aloysio Nunes Ferreira (atual chefe da Casa Civil de José Serra), de Luiz Antônio Fleury Filho. Tanto Fleury quanto Alda Marco Antônio, vice-prefeita da capital, são apadrinhados de Quércia, que costurou com Serra as alianças da gestão Gilberto Kassab (DEM). Portanto, considerando tratar-se da mesma linhagem política, são quase três décadas de continuidade ininterrupta, apenas na fase posterior à redemocratização.

Essa constatação causa duplo constrangimento. Primeiro, porque São Paulo acumula condições propícias para o desenvolvimento de uma esquerda competitiva. Os centros urbanos abrigam sindicatos de relevância nacional, inclusive os que serviram como base para o nascimento do PT. Imensos contingentes amargam um cotidiano de pobreza, subemprego e informalidade. Há militância estudantil atuante, diversas universidades, efervescência intelectual.

O segundo motivo de espanto nasce nas atribulações cotidianas. Pedágios de preços abusivos se espalham por todo o Estado, cercando os acessos às principais cidades. As polícias acumulam casos de banditismo e violências contra inocentes. O sistema carcerário mantém verdadeiros campos de concentração, inclusive nas instituições para menores infratores. O sucateamento histórico do ensino público foi agravado pela aprovação automática de alunos despreparados. As concessionárias de energia elétrica protagonizam apagões constantes. As bilionárias obras contra enchentes fracassaram de forma vexatória. Escândalos de corrupção adquirem relevância internacional. Crateras engolem pedestres, viadutos desabam.

Como é possível manter semelhante hegemonia em condições tão adversas, e ainda por cima durante o fenômeno da popularidade do presidente Lula?

Há alguns motivos de fácil percepção. As empresas jornalísticas paulistas possuem vínculos mais que ideológicos com o projeto conservador. Nos últimos anos, uma conveniente sucessão de episódios inviabilizou todos os quadros petistas capazes de ameaçá-lo. Deputados, prefeitos e demais lideranças oposicionistas são reféns das benesses do governo e de seus fornecedores – os quais, após décadas de usufruto dessa gigantesca máquina pública, controlam um estupendo rolo compressor eleitoral.

Mas o próprio Lula conseguiu superar, em âmbito nacional, o mesmo contexto desfavorável. Por trás do aparente paradoxo, sobressai uma calculada resignação da liderança petista diante daqueles obstáculos. Durante muito tempo a passividade refletiu os limites das aspirações da esquerda local. Já em tempos recentes pode ter servido para preservar um antagonista conveniente na disputa plebiscitária que interessa ao Planalto. O sucesso da estratégia determinará se o sacrifício dos paulistas teve alguma utilidade.

Também no especial "Eleições 2010": "Os silêncios de Serra"

O poder da mídia tradicional

revistaforum.com.br

O poder da mídia tradicional

Por Venício A. de Lima [Terça-Feira, 30 de Março de 2010 às 13:12hs]
Tenho recorrido com freqüência neste Observatório ao conceito grego de hybris (ou hubris) para me referir a uma constante do comportamento de jornalistas que revelam "confiança excessiva, orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência".

 Escrevi ainda em fevereiro de 2007 que "a imprensa (mídia) não gosta e, muitas vezes, não admite, ser criticada. Embora a crítica seja a sua tarefa preferida, ela não suporta delegar ou reconhecer que outros possam ter o mesmo direito, sobretudo se a crítica se refere à sua própria atuação. Em geral, a imprensa e os jornalistas padecem do mal que os gregos clássicos consideravam o mal maior, a hybris, isto é, a soberba, a arrogância. Não reconhecem suas limitações e se colocam acima do bem e do mal" (ver "Tempo de avançar o debate sobre a mídia").

 Constato tardiamente que ao lado da hybris – ou seria apenas um de seus componentes? – jornalistas famosos, em situações nas quais são chamados a prestar depoimentos sobre sua experiência profissional, recorrem à falsa modéstia que logo revela sua verdadeira natureza, bastando para isso que alguém questione mitos nos quais sua postura se apóia.

 O momento de intensas mudanças pelo qual passam a mídia e a prática profissional do jornalismo é extremamente propício a esse tipo de comportamento.

 Jornalismo online vs. jornalismo impresso
 A crise universal da mídia impressa nos autorizaria a afirmar que ela já acabou, é coisa do passado? A expansão avassaladora da internet significa que não se deve mais dar importância ao que a mídia impressa publica? O número de acessos individuais a sites e/ou blogs é comparável, sem mais, à tiragem e à circulação de jornais? A mídia tradicional – jornais, revistas, rádio e televisão – "não faz a cabeça de ninguém" e hoje o que de fato interessa são os jornais eletrônicos, blogs, sites de notícia, sites de relacionamento e as redes sociais?

 As assessorias de comunicação social devem canalizar todos os seus recursos orçamentários para as "novas mídias" (incluindo a criação de redes de relacionamento), ignorar a velha mídia e se escorar exclusivamente na chamada "mídia espontânea"?

 Jornalistas que, por uma razão ou outra, migraram precocemente para os blogs – temáticos e/ou genéricos – e optaram por abandonar a mídia tradicional, logo se surpreenderam com o elevado número de acessos individuais a seus blogs e à oportunidade que a interatividade da internet permite de correção ou acréscimo de informações depois que a notícia já está "no ar". Logo concluíram, sem mais, que a sobrevivência da mídia tradicional é apenas uma questão de tempo: ela já acabou e ainda não se deu conta disso.

 "Pioneiros" da blogosfera afirmam que fizeram a mudança por intuir que o jornalismo tradicional havia chegado ao fim. Apesar de não serem acadêmicos e de serem apenas e tão somente intuitivos – desconhecedores, inclusive, de muitos dos recursos que a tecnologia lhes oferece – se aperceberam da nova realidade, faz tempo. Segundo eles, não partilhar essa visão revelaria a incapacidade de enxergar o que de fato está acontecendo diante de seus olhos.

 Recurso à "ciência"
 Se perguntados, todavia, sobre o papel dessa mídia tradicional, por exemplo, em relação ao assassinato de reputações – pessoais e/ou institucionais; à formação da opinião pública – por omissão ou manipulação –; à construção da agenda pública de debates e ao processo eleitoral, a coisa muda de figura. A falsa modéstia da intuição desinformada cede lugar a uma enxurrada de números e percentagens "científicos", oriundos de pesquisas sempre realizadas por instituições credenciadas em outros países, os Estados Unidos, de preferência.

 Os até então intuitivos não acadêmicos recorrem a referências "científicas" que atestariam, há mais de 70 anos, o fato de a mídia tradicional "nunca ter feito a cabeça de ninguém". Ao contrário, ela apenas reforça as opiniões e os comportamentos preexistentes. Vale dizer, a mídia tradicional nunca teve a importância que se atribui a ela, especialmente, aqueles – os acadêmicos desinformados – que estão distantes da prática profissional.

 O novo e o velho

 Além de revelador de uma falsa modéstia oportunista, o comportamento descrito acima faz evocar o que também já tive a oportunidade de afirmar por diversas vezes neste OI. Embora, por óbvio, as circunstâncias fossem outras e seja necessária uma pequena adaptação no texto, penso que se aplica ao momento de transição que a mídia vive no Brasil a idéia gramsciana de que "o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece".

 (A frase original correta é: "A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece"; ver "O novo nasce, o velho ainda resiste".)

 Um dos riscos que se corre, enquanto não se completam as intensas mudanças pelas quais passa a prática profissional do jornalismo, é esquecer que o velho resiste e sobrevive e está mais ativo do que nunca em defesa de seus antigos privilégios.

 Não reconhecer essa realidade pode fazer bem ao ego insaciável de uns poucos blogueiros pioneiros, mas está longe de contemplar a verdade do que ainda ocorre no Brasil de nossos dias. A mídia tradicional continua exercendo um poder importante demais para ser simplesmente ignorado.

Venício A. de Lima

Reforma da Saúde: o sentido político da vitória de Obama

Carta Capital - Matéria da Editoria:
Internacional

31/03/2010

Reforma da Saúde: o sentido político da vitória de Obama
Barack Obama apostou todas as fichas e conseguiu uma vitória na reforma do sistema de saúde, algo que Bill Clinton não havia conseguido e que o coloca, na tradição democrata, ao lado de Franklin Delano Roosevelt e Lyndon Johnson. Segundo David Leonhardt, colunista do The New York Times, para além das dúvidas sobre a reforma há uma coisa clara: “A lei aprovada por Obama é o maior ataque do governo federal contra a desigualdade econômica desde que a desigualdade começou a crescer há mais de três décadas”. A reforma da saúde, segundo o mesmo colunista, pode significar, em um sentido mais amplo, o começo do fim da era Reagan. O artigo é de Martín Granovsky, do Página 12.
Data: 29/03/2010
Os Estados Unidos são o único país desenvolvido sem cobertura universal de saúde. Até a reforma que acaba de ser aprovada no Congresso, cerca de 15% da população, mais ou menos 46 milhões de pessoas, não tinham cobertura alguma. A cifra inclui os 10 milhões sem cidadania. Antes da crise das hipotecas-lixo, a economia familiar costumava desmoronar em caso de necessidade de um grande gasto de saúde. Idosos, pessoas incapacitadas para o trabalho e uma parte dos mais pobres já estavam cobertos pelas reformas do presidente Lyndon Johnson, em 1965. Havia lacunas na cobertura para a classe média e para os trabalhadores que supostamente foram preenchidas agora. Nos EUA, o gasto em saúde representa 16,2% do produto bruto do país, um valor superior ao de Reino Unido e Japão, mas a lógica do lucro que rege o sistema pode fazer com que uma diabete seja mortal por falta de dinheiro para o tratamento.

Com a lei de saúde aprovada no Congresso, 95% dos habitantes ficará coberto. A lei obriga a contratação de uma cobertura de saúde e prevê subsídios para quem não puder fazê-lo. Por pressão de um grupo de dez deputados democratas anti-aborto, com base no meio oeste do país, a cobertura só abrangerá os casos de abordo em casos de incesto ou violação. A reforma custará cerca de 940 bilhões de dólares ao ano. A cifra é menor do que a estimada inicialmente, o que serviu para conseguir votos em um Congresso em fase de transição desde que a cadeira do falecido Ted Kennedy, democrata por Massachusetts, foi ganha pelo republicano Scott Brown. Essa derrota deixou os democratas do Senado obrigados a construir consensos para obter a maioria necessária à aprovação de projetos.

O sábado de Obama
Obama jogou toda sua reputação e prestígio na reta final da campanha para aprovar a lei. Conversou com a maioria dos legisladores democratas no sábado, 20 de março, e fez um discurso quase plebiscitário. Lembrou que assumiu a presidência, no dia 20 de janeiro de 2009, em meio à pior recessão desde a Grande Depressão dos anos 30, com 800 mil novos desempregados, as finanças colapsando e os sistemas de cobertura caindo. Disse ainda que, mesmo antes da última recessão, já havia aqueles que viviam sua própria crise, às vezes causada pelo fato de ter um filho que precisou usar a cobertura de saúde, com a desvantagem de que esta não levava em conta as suas condições preexistentes até aquele momento. Mencionou o problema de uma pessoa com problemas de saúde obrigada a se aposentar as 50. Ficaria sem trabalho e sem cobertura suficiente. Obama fez os deputados democratas sorrirem quando ironizou a súbita preocupação dos líderes republicanos acerca do horrível futuro que aguardaria o governo caso a lei fosse aprovada.

Segundo o próprio Obama - que criticou o tipo de cobertura europeu, diferente do pensamento político médio nos EUA –, a essência da nova legislação é que “garantiremos que o sistema privado de seguro de saúde funcione para as famílias comuns”. A primeira pessoa do plural remete ao Estado, mas Estado, ou governo, não são boas palavras na tradição estadunidense. Aqueles que acessarem o sistema formarão grandes conglomerados e se beneficiarão da redução de preços ou de uma melhor qualidade de serviço. E haverá uma redução de preços impositiva para trabalhadores, pequenos e médios empresários. Tudo isso, segundo Obama, não só sem aumentar o déficit mas, ao contrário, reduzindo-o. “Falei individualmente com muitos de vocês e sei que é um voto difícil, mas não votem a lei por mim, tampouco pelo Partido Democrata, mas sim por seus eleitores, pelo povo norte-americano”, pediu Obama. E acrescentou: “Estamos orgulhosos de nosso sentido individual e de nossa liberdade, mas também de nossa preocupação com a vizinhança, com aqueles que precisam de ajuda e de nosso sentido comunitário”. Obama terminou dizendo que havia chegada um desses instantes em que um político diz: “Para isso comecei (na política), isso é o que queria”. E arrematou quase no final com uma frase: “Debatemos durante décadas sobre a reforma da saúde. Agora é o momento de votar a lei, e eu confio que vocês o farão”. E fizeram.

Pedras e ameaças
Muitos deputados democratas receberam oferta de proteção. Em vários pontos dos EUA, de Wichita a Cincinnati, vidros de sedes democratas foram atingidos e vários legisladores receberam ameaças de morte.

Quando os números estão parelhos, cada voto conta. Dennis Kucinich e representante democrata por Ohio e ex-prefeito de Cleveland. Antes do voto, Obama o convidou para subir no Air Force One para conversar. Aos 63 anos, político experimentado, como vice-presidente da Comissão de Assuntos Domésticos analisou em detalhe o projeto da reforma da saúde e sempre esteve a favor de uma cobertura ampla. Kucinich disse que esta reforma não é a melhor, mas decidiu votar por ela para que Obama não sofresse um impacto negativo, porque seus eleitores são favoráveis à extensão da cobertura e porque, assim, terá legitimidade para seguir lutando. “Com a lei derrotada, diríamos adeus a novas oportunidades”, disse Kucinich em conversa com Peter Scheer, de www.truthdig.com. E recordou que já houve uma polêmica no Congresso há 16 anos, quando Bill Clintou propôs a reforma da saúde e fracassou. “Se eu votasse contra, quem iria me escutar depois?”, afirmou o deputado que é um crítico de posturas como a decisão de Obama de aumentar a escalada da guerra no Afeganistão e luta há 14 anos por um sistema de saúde com critério social. “Alguma coisa é melhor do que nada”, resumiu (ao falar do texto final aprovado).

Kucinich acredita que, com a lei aprovada, poderá seguir defendendo critérios ainda mais inclusivos na saúde, que não estejam baseados no lucro, pelo direito de os Estados terem seus sistemas de saúde e também discutir temas como dieta, nutrição e medicinas alternativas. “Com a lei aprovada, confio que poderemos avançar também em outros temas como a política econômica, para que a presidência de Obama restabeleça o trabalho de muita gente”, disse o deputado.

A lei de saúde foi aprovada com um recorde histórico: é a primeira lei importante que não tem sequer um voto republicano na Câmara baixa. Isso não acontece normalmente no Congresso norte-americano, onde os interesses dos Estados às vezes convertem deputados republicanos em governistas (num governo democrata) e vice-versa. E o vice-versa ocorreu mais uma vez. A reforma foi aprovada por 219 votos contra 212. Destes 219, nenhum foi republicano. Dos 212, 178 foram republicanos e 34 democratas.

O fim da era Reagan
Segundo David Leonhardt, colunista do The New York Times, para além das dúvidas sobre a reforma há uma coisa clara: “A lei aprovada por Obama é o maior ataque do governo federal contra a desigualdade econômica desde que a desigualdade começou a crescer há mais de três décadas”. Para Leonhardt, esses 30 anos começaram no final dos anos 70, quando os impostos sobre os ricos baixaram mais que as taxas pagas pela classe média e pelos pobres. Em janeiro de 1981, começou sua primeira gestão o ultraconservador Ronald Reagan, seguindo um caminho que havia sido iniciado na Inglaterra por Margareth Thatcher.

Naquele momento, eles receberam o nome de neoconservadores, uma denominação que, na América Latina, mudou para neoliberais, sendo utilizada, porém, com o mesmo sentido: maior desigualdade e desregulação. Segundo Leonhardt, a reforma da saúde poderia significar, em sentido amplo, o começo do fim da era Reagan. Em parte, o novo sistema implica uma mudança impositiva. Na redistribuição do orçamento que bancará o seguro médico participarão obrigatoriamente com seus aportes as famílias com renda superior a 250 mil dólares anuais. Está calculado pelo Tax Policy Center, de Washington, que, em 2013, as famílias com rendimentos superiores a 1 milhão de dólares/ano pagarão 46 mil dólares a mais do que hoje. Também sofrerão recortes os subsídios aos atuais seguros de saúde de executivos e acionistas de grandes empresas de seguros. Os pobres que até agora não recebiam ajuda passarão a recebê-la e as famílias com renda anual de 88.200 dólares, abaixo da qual encontra-se a linha da pobreza, serão beneficiadas. Mas em questões de saúde, a desigualdade tem cara e corpo e as debilidades dos vulneráveis serão menores. O índice de 95% de cobertura, calculado pelos legisladores, está previsto para ser alcançado em 2019.

“Plano qüinqüenal”. Esse foi o título da coluna de 22 de março, publicada por Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, em seu blog. Ao final ele esclareceu que era uma piada, para não ser acusado de simpatias soviéticas. Essa coluna – breve e precisa – é o festejo orgulhoso de um militante. Aqui vai, traduzida na íntegra: “Há cinco anos que comecei a cruzada pela reforma na saúde. Naquele momento todos falavam de privatizar a Seguridade Social, e muitos pensaram que isso realmente ocorreria. Escrevi então que uma reforma séria do sistema de cobertura de saúde não estava na mesa e no clima política de então não poderia estar. A crise do sistema de cobertura de saúde é ideologicamente inconveniente. E aqui estamos: aí estão de pé a Seguridade Social, a reforma da saúde – imperfeita, negociada, mas real. Ela ocorreu”.

A vitória terá custos?
David Sanger é um analista respeitado nos Estados Unidos. Seu último livro, “A herança”, publicado no início de 2009, não trata só de saúde, mas sim do mundo que Obama enfrentaria: Irã, Afeganistão, Paquistão, Coréia do Norte e China. Para Sanger, Obama conseguiu um triunfo vital. Ganhou uma grande batalha, enquanto Bill Clinton foi derrotado no mesmo tema e George Bush foi derrotado em seu segundo mandato quando quis liquidar a Seguridade Social. Estimulados pelos ultradireitistas do movimento Tea Party, liderado pela ex-candidata a presidente Sarah Palin, os republicanos ficaram como “o partido do Não”. Sanger registra o voto do partido e recorda que mesmo a proposta de cobertura medida de Johnson foi apoiada por alguns votos republicanos, apesar de também ter sido criticada por seu suposto espírito comunista e marxista.

Desta vez, os republicanos estavam confiantes. Acreditaram que bastava criticar o suposto estatismo de Obama para derrubar o projeto e debilitar mortalmente a um presidente com pouco mais de um ano na Casa Branca. Sanger considera a aposta de Obama sob uma perspectiva mais ampla e descobre alguns interessantes ciclos na questão social. Nos anos 30, Franklin Delano Roosevelt enfrentou a crise com um papel ativo do Estado na proteção dos desempregados e dos mais pobres. Trinta anos depois, nos anos 60, foi a vez de Johnson implantar o Medicare para 20 milhões de cidadãos e medidas legais contra a discriminação dos afroamericanos. E agora Obama. Os três presidentes democratas foram taxados de comunistas. Aos três disseram que o país entraria em bancarrota e seus sistemas não funcionariam. Segundo Sanger, Obama confia em aumentar seu consenso com resultados práticos. Por exemplo, quando uma criança não for rechaçada, como ocorria até agora, por sofrer de uma enfermidade anterior ao momento em que contrata o plano de saúde. Em termos políticos, se o processo seguir bem, Obama terá provado que “é capaz de arriscar tudo para converter suas convicções em legislação”.

Obama se beneficiará eleitoralmente com a reforma este ano? Não é seguro dizer que sim ou que não. Leonhardt, por exemplo, se abstém de qualquer prognóstico para a eleição legislativa deste ano. Prefere citar uma frase de David Frum, membro da equipe que escrevia os discursos do ex-presidente George Bush: “As maiorias legislativas vêm e vão, mas a lei de saúde é para sempre”. Anne Applebaum, colunista do The Washington Post, tampouco se arriscou a fazer prognósticos, mas trouxe ao debate público o fantasma dos conservadores ingleses, fora do poder desde 1997 por serem considerados “arrogantes e irritantes”, além de avessos à modernidade. Sobre os republicanos que agora acusam Obama de ser “comunista”, Applebaum disse que, na política, “quando se perde o centro perde-se a próxima eleição”.

O American Enterprise Institute (AEI) foi e é um dos centros dos neoconservadores. No domingo, um de seus pesquisadores escreveu em sua página na internet que republicanos e conservadores tinham grande parte da culpa pela nova lei que, segundo ele, já estava praticamente aprovada. “Nada de negociar, nada de compromisso. Iríamos com tudo e causaríamos o Waterloo de Obama. E perdemos tudo”, escreveu.

Dias depois, o AEI decidiu rescindir o contrato, enquanto o diário de negócios The Wall Street Journal o atacava como a encarnação do mal. O pesquisador citado é o mesmo Frum citado por Leonhardt em sua coluna. O mesmo que, como redator dos discursos de Bush, foi o autor de uma famosa expressão que seria utilizada pelo presidente republicano para se referir ao Iraque, Irã e Coréia do Norte: “Eixo do Mal”.

Tradução: Katarina Peixoto

Infiltração e repressão: Serra repete práticas de Yeda

Infiltração e repressão: Serra repete práticas de Yeda
A prática de infiltrar policiais em manifestações e atos políticos, aplicada várias vezes contra sem terras, professores e servidores públicos no Rio Grande do Sul, é repetida agora em São Paulo pelo governo José Serra. Do mesmo modo se repetem as acusações de que os professores em greve seriam “baderneiros” e responsáveis pelos conflitos com a polícia. A decisão do PSDB de São Paulo de entrar na Justiça contra o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo também segue a mesma cartilha utilizada pelo governo Yeda no RS, onde ativistas, jornalistas e dirigentes sindicais são alvo de vários processos.
O governo José Serra (PSDB) adotou as mesmas táticas policiais utilizadas pela também tucana Yeda Crusius no Rio Grande do Sul. Integram essas táticas, entre outras, duas medidas básicas: reprimir violentamente protestos e manifestações de ruas e infiltrar policiais a paisana nestes protestos e manifestações. O episódio da foto onde um homem carrega uma PM ferida nos protestos de 26 de março expôs, involuntariamente, esse tipo de prática.

Inicialmente, um texto do jornalista Leandro Fortes reproduziu a versão difundida pela Agência Estado dando conta de que o homem era um manifestante que participava do ato dos professores. Diante da repercussão causada pela foto, dois dias depois, o comando da PM de São Paulo divulgou uma nota garantindo que se tratava de um policial à paisana “que estava passando por ali por acaso”. A PM negou tratar-se de um “infiltrado”, mas negou-se a divulgar o nome do mesmo o que só reforça a tese de que se tratava de um homem do chamado “serviço de inteligência” da polícia.

Uma das regras básicas do trabalho desse “serviço de inteligência” é não ser identificado publicamente. Vale tudo para assegurar o anonimato, desde disfarçar-se de manifestante ou mesmo de jornalista. No dia 30 de abril de 2009, um homem, apontado por manifestantes como sendo agente da PM2, o serviço secreto da Brigada Militar (a PM gaúcha), usou indevidamente o nome da Carta Maior ao infiltrar-se em uma manifestação de servidores públicos contra o governo Yeda Crusius, em Porto Alegre, e fazer fotos dos manifestantes. (Ver: Homem usa crachá falso da Carta Maior para espionar manifestação)

Não foi a primeira vez que servidores de órgãos de segurança disfarçaram-se de fotógrafos no Rio Grande do Sul, identificando-se como profissionais de imprensa para espionar manifestações de sindicatos e movimentos sociais. Em geral, essa prática conta com a cumplicidade (pelo silêncio) da imprensa local, que tem conhecimento da mesma, mas não fala no assunto.

O papel dos infiltrados é duplo: recolher informações e fazer fotos de manifestantes, por um lado; e, eventualmente, dar início a provocações que levem a distúrbios e conflitos que, posteriormente, serão atribuídos aos manifestantes. Essa prática, aplicada várias vezes contra sem terras, professores e servidores públicos no Rio Grande do Sul, é repetida agora em São Paulo com as acusações de que os professores em greve seriam “baderneiros” e responsáveis pelos conflitos com a polícia.

A decisão do PSDB de São Paulo de entrar na Justiça contra o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo também segue a mesma cartilha utilizada pelo governo Yeda no RS. Segundo a representação encaminhada em conjunto pelo PSDB e pelo DEM, “o movimento se organiza em torno de palavras de ordem e outras manifestações que tendem a interferir no âmbito eleitoral, partidarizando o movimento”.

No Rio Grande do Sul, dirigentes sindicais, jornalistas e lideranças de movimentos sociais já perderam a conta do número de processos, no âmbito civil e criminal, movidos pela governadora Yeda Crusius. O Ministério Público do Rio Grande do Sul chegou a determinar, em 2009, a retirada de cartazes e outdoors que faziam parte de uma campanha de sindicatos de servidores públicos e movimentos sociais denunciando casos de corrupção envolvendo o governo Yeda. A atual presidente do Centro de Professores do Estado do RS (CPERS/Sindicato), Rejane Rodrigues, está sofrendo vários processos, um deles por ter participado de uma manifestação em frente à casa da governadora.

O fato é que os governos tucanos apresentam uma uniformidade no trato com manifestações sociais: o que domina é a lógica da repressão, a ausência do diálogo e a aversão ao contraditório. O uso de policiais infiltrados nas manifestações é típico de tempos autoritários, onde a “interlocução” de governos com a oposição é feita nos subterrâneos, com práticas nada transparentes. Não é por acaso, portanto, que cenas e práticas similares vêm sendo vistas nas ruas de São Paulo e do Rio Grande do Sul.

terça-feira, 30 de março de 2010

A necessidade de auditar as pesquisas

Publicado no portal do Nassif

30/03/2010 - 07:20

A necessidade de auditar as pesquisas

Por mauro

Já sugeri em várias oportunidades, mas esse debate não teve pouco destaque nesse blog.
Defendo, por exemplo, que os partidos dos candidatos possam fiscalizar de perto a execução da pesquisa. Podem ser criados mecanismos que diminuam e muito a possibilidade de manipulações. Por exemplo, um controle maior das regiões onde atuam os entrevistadores e também no número total de entrevistas realmente feitos.
Uma fraude óbvia mas que é difícil de ser percebida pelos próprios entrevistadores é entrevistar uma quantidade de pessoas um pouco superior à quantidade prevista (aumentando-se o número de entrevistadores) e depois a direção do instituto seleciona uma sub-amostra conveniente com o tamanho inicialmente previsto. Esse tipo de fraude poderia ser muito dificultado se os fiscais dos partidos pudessem autenticar de alguma forma os formulários a serem aplicados pelos entrevistadores.
Existem muitos outros mecanismos que poderiam ser implementados e seria muito bom que o Nassif abrisse essa discussão. Quem sabe não nasceriam idéias muito boas, simples e consistentes que aumentassem a transparência das pesquisas eleitorais.
Autor: luisnassif - Categoria(s): Sem categoria Tags:

Infiltração da polícia secreta da PM na manifestação dos professores

Publicado no Viomundo, do jornalista Luis Carlos Azenha

29 de março de 2010 às 22:52

“PM embarcou em Osasco no ônibus dos professores; é um P2



por Conceição Lemes
Isabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicato  dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) recebeu nesta segunda-feira, logo cedo, uma ligação de um colega da subsede de Osasco: “Aquele rapaz que socorreu a policial é um professor daqui da cidade. Nós vamos encontrá-lo, para esclarecer tudo isso”.
Diretores de subsede da Apeoesp de Osasco passaram a manhã e a tarde investigando. Lembravam-se de tê-lo visto em Osasco em meio aos professores. Conferiram listas dos que vieram para a assembleia da sexta-feira, 26 de março, no Palácio dos Bandeirantes. Conversaram com muitos colegas.
No começo desta noite descobriram que o suposto professor é um policial militar do serviço reservado (ou secreto) da Polícia Militar paulista. É um P2, como são chamados.
A caráter para não levantar suspeitas (garotão barbado, jeans, mochila nas costas), o jovem policial infiltrado embarcou no ônibus dos professores de Osasco, como se fosse um deles. Daí o pessoal da subsede de Osasco ter achado inicialmente ele que era um colega.
A descoberta da Apeoesp derruba três versões oficiais da PM paulista.
A primeira, no sábado, a Terra Magazine, de que o PM não-identificado “era um dos policiais da região, que estavam empenhados na operação” .
As outras duas são de hoje.  Ao Viomundo, disse  que o policial militar à paisana “estava no local”.  A Terra Magazine, informou que ele estava “passando” pela manifestação.
Aos poucos a verdade sobre a foto famosa da manifestação dos professores vai se revelando. Mas ainda há muitas perguntas sem respostas. Por exemplo, qual era a missão dele na assembleia dos professores? Levantar informações sobre o andamento do movimento? Fazer provocação? Ou o quê? A mando de quem? Qual a intenção? Criminalizar a Apeoesp?
“A partir dessa noite uma das hipóteses que passamos a considerar é a de armação para sensibilizar a sociedade e jogá-la contra os professores”, lamenta a presidente da Apeoesp. “A figura da policial feminina, frágil, indefesa atacada por nós, professores, uns bárbaros. Curiosamente o capacete dela está direitinho. A roupa alinhada, como se tivesse saído da lavanderia. Para quem levou uma paulada, como disse a PM,  é estranho. Os dois muito arrumadinhos, ajeitadinhos…Esquisito demais. ”
“O fato é que seremos mais rigorosos na fiscalização de quem entra nos nossos ônibus ”, cogita Isabel Noronha. “Talvez passemos a exigir o holerit, para ter certeza de que aquela pessoa é professora mesmo e essa história não se repita

As dúvidas sobre o Datafolha

Publicado no portal do Nassif

28/03/2010 - 13:38

As dúvidas sobre o Datafolha

Por Alexandre Leite

Ontem o Paulino escreveu que:
“Tanto a recuperação de Serra quanto a estabilização de Dilma ainda terão de ser confirmadas como tendências por novos levantamentos.” Mauro Paulino
O fato é que essa pesquisa trouxe um dados específico na região Sul difícil de ser explicado. A diferença subiu de 14 para 28% (de 38 a 24 para 48 a 20). Isso representou 2,5% dos 5% que diferença entre os candidatos cresceu.
Eu não gosto de questionar instituto de pesquisa pelo ponto de vista ético. Não gosto quando tucanos pedem auditorias de pesquisas, não farei o mesmo.
Mas claramente esses dados fogem de qualquer razoabilidade, pois não houve fato no nenhum que pudesse mudar a opinião de uma região dessa forma e só nela..
E nesse artigo ele afirma que 14% dos brasileiros estão altamente propensos a votar na candidata de Lula, mas não sabe quem é. Resolveria esse enigma se refizesse a pesquisa logo após informar o pesquisado.
Outro ponto a ser comentado é a diferença entre o Datafolha e os outros institutos quanto ao voto espontâneo em Lula. No Datafolha na casa dos 8% nos outros, na casa dos 20%.
Sem os dados completos no site do instituto, não podemos fazer uma análise mais específica.
Acompanhe pelo Twitter https://twitter.com/luisnassif

Da Folha de S.Paulo

CLÓVIS ROSSI
Mistério
SÃO PAULO – Durante a campanha eleitoral de 1989, Leonel Brizola almoçou nesta Folha e, a horas tantas, comentou que uma eventual vitória de Fernando Collor de Mello seria “anti-histórica”. Concordei com ele, em silêncio.
Como todo mundo sabe, Collor ganhou. Decidi, também em silêncio, que não entendia absolutamente nada de como o eleitor brasileiro forma sua intenção de voto e que era mais prudente, daí em diante, dar palpites apenas quando o Datafolha iluminasse o caminho.
Não é que, agora, nem o Datafolha ilumina algo? O resultado da pesquisa mais recente, ontem publicada, é um denso mistério, ao menos para mim. Não consigo encontrar uma explicação forte para o fato de José Serra ter subido quatro pontos em um mês. Atenção, hidrófobos do tucanato, não estou lamentando a subida, apenas tentando entendê-la.
Que Dilma Rousseff parasse nos 28% ou 27% é compreensível. Deve ter havido uma pausa (ou interrupção definitiva, sabe-se lá) no empurrão que o prestígio do presidente Lula dá à sua candidata.
Mas o que houve para que Serra subisse? Não vi nada no noticiário, a menos que tenha perdido algo por viajar frequentemente para o exterior, o que às vezes faz com que leia apenas superficialmente os jornais brasileiros.
Diminuíram as chuvas, é a hipótese levantada pelo meu guru do Datafolha, Mauro Paulino. Pode ser, mas, pela lógica, seria motivo para que Serra estacionasse, não para que subisse, certo?
Enfim, o resultado só me faz retornar à sensação de 20 anos atrás e decidir deixar que o Datafolha me surpreenda a cada tanto.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2803201003.htm

segunda-feira, 29 de março de 2010

Maluf (o procurado pela Interpol): meus túneis não inundaram, ao criticar Serra

Do blog do Paulo Henrque Amorim

Maluf, procurado pela Justiça (americana), descreve Serra: “meus túneis não inundaram”

28/março/2010 11:10

Posted by Picasa
Se sair do Brasil, pode ir em cana. Em SP é um ídolo do PiG
Como se sabe, Maluf é a cara de São Paulo.
Sem ele, o Farol de Alexandria não teria conseguido a re-eleição – veja esse vídeo que descreve o caráter dos tucanos.
Maluf é o deputado federal mais votado de São Paulo (739 mil votos), “com pelo menos um voto em cada uma das 77 mil urnas do estado”, revela numa entrevista de página inteira que concedeu ao Estadão da província de São Paulo, na edição de hoje, na página J8.
Uma página inteira para dar abrigo a um procurado pela Justiça (americana).
Um homem que não pode sair do Brasil, porque corre o risco de ir em cana.
Sensacional !
Uma página !
Maluf promete se candidatar à re-eleição.
E provavelmente vai ser o mais votado de novo.
Os paulistas adoram ele.
Num trecho da entrevista, Maluf descreve em poucas palavras a notável incompetência do Zé Alagão, imbatível no Data-da-Folha.
Diz o Maluf:
“ … meus túneis não inundaram, meus piscinões funcionaram (falta o Serra construir 90 piscinões – PHA), minhas estrada não esburacaram, e não tive nenhuma estação do metrô que desmoronou”.
Eles se merecem.
Paulo Henrique Amorim
Em tempo: se o Estadão da província de São Paulo dá uma página, quantos cadernos a Folha (*) (Força Presidente Serra) dedicará a Maluf, para defendê-lo ? Como se sabe, são “orgânicas” as relações de Maluf com o “seu Frias”, aquele a quem o Serra deu nome a uma ponte de São Paulo.
Clique aqui para ler sobre as últimas informações de Mauricio Dias sobre “pesquisas” em “O Data-da-Folha vem aí, o Mauricio também”.
E “Emir Sader e a FSP, a Folha do Força Presidente Serra”.
(*) Folha é um jornal que não se deve deixar a avó ler, porque publica palavrões. Além disso, Folha é aquele jornal que entrevista Daniel Dantas DEPOIS de condenado e pergunta o que ele achou da investigação; da “ditabranda”; da ficha falsa da Dilma; que veste FHC com o manto de “bom caráter”, porque, depois de 18 anos, reconheceu um filho; que avacalha o Presidente Lula por causa de um comercial de TV; que publica artigo sórdido de ex-militante do PT; e que é o que é, porque o dono é o que é ; nos anos militares, a Folha emprestava carros de reportagem aos torturadores.


A vitória da beleza

No CartaCapital, de Mino Carta
A vitória da beleza
26/03/2010 12:10:49
Nascido há cem anos, Akira Kurosawa usou plasticidade e escrita para expressar intenso humanismo

Um filme bastaria para apontar em Akira Kurosawa um cineasta raro. Nascido há cem anos em Tóquio, o diretor apresentou Juventude sem Arrependimento em 1946, depois, portanto, da derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial. A obra exemplificava seu modo de observar a sociedade. Ele evitava descrever uma circunstância sociopolítica, mas mostrava, com intensidade, a maneira como o ser humano a vivia. E assim analisava a existência daquela circunstância.

Juventude sem Arrependimento é um filme tão belo quanto o ar de liberdade que os japoneses começavam a respirar no pós-guerra, mas essa obra, integrante de estupenda filmografia, raramente se vê citada nos livros. Fora feita entre duas greves de funcionários da companhia cinematográfica Toho. Kurosawa, obrigado a filmá-la a partir de um roteiro reescrito, dizia não se orgulhar do resultado.

Contudo, em que pese a avaliação sincera de seu criador, expressa no livro Relato Autobiográfico (Estação Liberdade, 1990), o filme representou muito para o cinema. Kurosawa jurava não compreender a arte, conforme dissera a Steven Spielberg e George Lucas durante a cerimônia que lhe concedeu o Oscar honorário de 1990, oito anos antes de sua morte. A modéstia seria obrigatória àquele que os japoneses chamaram de “Imperador”. E, talvez, ele estivesse sendo sincero ao confessar uma surpreendente ignorância. Mas quantos teriam sabido, como Kurosawa, colocar a câmera no lugar certo?

Em Juventude sem Arrependimento, pela primeira vez, era possível vê-la correr com tanta alegria ao lado de um personagem que o espectador talvez pudesse sentir o próprio coração bater em concordância veloz. A sequência ocorre no início do filme, durante o qual o cameraman persegue, pela floresta primaveril, a menina do curso secundário vivida por Setsuko Hara. Ela é livre para brincar com seus pretendentes. Um pouco do que é o amor, mais sobre a paixão e seu florescer, e a sequência tecnicamente perfeita não parou de ser reproduzida a partir de então.

O segredo de Kurosawa mais bem guardado esteve em seu humanismo, na capacidade de procurar a dor, a esperança, o humor, a ética de uma situação, em personagens tão imensos quanto palpáveis, levados à cena com a intensidade de um romance e a beleza de um quadro antigo. Kurosawa amou o Ocidente retratado nos livros de William Shakespeare, nos filmes de John Ford e de Jean Renoir. E, ao olhar para o passado, ele o refez. Rashomon, de 1950, vencedor do Leão de Ouro em Veneza e tributário do cinema mudo, nasceu daquele belo Juventude sem Arrependimento, mas ganhou em explosão. Pela primeira vez, a câmera encarava diretamente o sol, e sob tal luz caminhava a força natural do ator-símbolo de Kurosawa, Toshiro Mifune.

De invenção em invenção caminhou o cineasta, antes de tudo um pintor, salvo pela arte durante o período escolar. Aos 7 anos, ele era separado dos colegas de classe e seu professor, de vez em quando, anotava: “Akira provavelmente não vai entender isso” . Ele se sentia humilhado por não ter a inteligência requerida para a idade. Um professor de artes despertou-a ao elogiar a tela na qual ele usara saliva para espalhar a cor. Kurosawa distraía-se com o próprio sentimento, chorava muito. Era arrastado à vida pelo pai que o queria nadador e jamais deixara de levá-lo aos filmes, ainda que representassem arte “menor”. O irmão quatro anos mais velho, morto prematuramente, dera-lhe as primeiras lições do que significava ser um homem e resistir.

Em Juventude sem Arrependimento, a corrida sensual da jovem pelo campo florido segue-se ao barulho de tiros que os estudantes ouvem no alto da colina. A juventude de Kurosawa não se arrepende, mas se cala. O diretor conta em sua autobiografia que o japonês da época rejeitava o jovem como uma criatura sensível. A protagonista cresce enquanto seu pai, um professor liberal, é demitido do trabalho. A menina toca Mussorgsky ao piano, desligada do que a vida lhe trará. Parece-se com aquele menino Kurosawa ou com o próprio país onde nascera. “Naquele tempo”, disse o diretor, “eu acreditava que o único modo de o Japão recomeçar seria iniciando por respeitar o ‘ser’, e esta ainda é minha crença. Quis mostrar uma mulher que fez exatamente isso.” E não será somente o amor a preocupá-la.

Baseado em fatos ocorridos na década anterior, o filme não se fixa, como seria de esperar, na história do professor alijado ou na trajetória de um de seus discípulos, que a menina persegue pela vida. Acusado de pertencer à esquerda, ele será morto. Esposa, ela viajará para dar as cinzas à sogra. E, no caminho, descobrirá a vocação campesina, que a ligará às raízes japonesas. Por narrar o filme a partir do personagem frágil, Kurosawa já teria feito uma descoberta. Mas na obra há outras revelações, como observa o crítico Donald Richie no livro Os Filmes de Akira Kurosawa (Brasiliense, 1984).

“Os muitos críticos que não viram Kurosawa entender as mulheres se esqueceram deste retrato soberbo, tão bom que tivemos de esperar por Jeanne Moreau em Jules e Jim (François Truffaut, 1962) e Anna Karina em Viver a Vida (Jean-Luc Godard, 1962) para encontrar algo ao menos comparável”, escreve Richie. “Também os que viram em Kurosawa um homem de esquerda nunca atentaram para o tratamento que ele dá ao proletariado nesse filme.” Para o crítico, o diretor japonês tem a força, ou será a ousadia, de dizer que os pobres não são necessariamente os melhores, que a vida de pobreza não é de forma alguma mais “real” que a vida de riqueza. E, por isso, ele se verá acusado de alienação política.

Os intensos mercenários que se movimentavam pelas várias câmeras de Os Sete Samurais, transformado em Sete Homens e Um Destino por John Sturges, em 1960, ou mesmo Rashomon, mais uma vez relido como western por um americano, Martin Ritt (Quatro Confissões, 1964), e Yojimbo, que Sergio Leone transformou em Por Um Punhado de Dólares (1964), percorrem a lama em que se deita o outsider social. Talvez Kurosawa jamais tenha se desligado desta visão a partir do submundo, universalmente compreendida. Mas, acima de tudo, ele julgava pactuar com outro lado encoberto. “Venho de uma linhagem familiar emotiva em excesso e deficiente em razão”, escreveu em Relato Autobiográfico.

Todo o sangue que corre em filmes como Kagemusha ou Ran, este uma obra-prima feita quando Kurosawa contava 75 anos (era sua versão para Rei Lear, de Shakespeare), revive um episódio de sua infância. Ele vira seu cachorro branco ser cortado ao meio nos trilhos de um trem. Nunca mais, por isso, suportara sushis de carne vermelha. Nunca, também por esta razão, aceitara os cachorros brancos que por toda a vida o presentearam, em substituição àquele que estimara. “Por que não me deram um cachorro preto, então?” A arte reproduziria a sensibilidade que lhe era familiar.

Certa vez, em 1975, a companhia cinematográfica Toho pediu que o cineasta listasse conselhos à juventude que desejava aprender a arte de filmar. Como prezava a escrita e sobre ela trabalhava intensamente nos filmes, ele afirmou: “Para escrever roteiros, deve-se antes estudar os grandes romances e as grandes peças teatrais que o mundo produziu. Deve-se procurar saber por que são grandes. De onde vem a emoção que se sente ao ler? O cineasta se realiza na escrita”.

A plasticidade era a outra verdade dos filmes. “Há algo que deve ser denominado beleza cinematográfica”, afirmou. “Ela precisa estar presente em um filme para que ele leve esse nome. Essa qualidade motiva a ida das pessoas ao cinema. A esperança de obter tal resultado é o que inspira o realizador a fazer a obra. A essência do cinema repousa na beleza cinematográfica.” 

Tabloides de assalto

Tabloides de assalto
26/03/2010 16:05:13
Por Mino Carta, no site da Revista Carta Capital
A transparente satisfação com que a mídia nativa celebrou os últimos movimentos do governador José Serra, tomados como prova de uma candidatura de fato já encaminhada, mostra, redondamente, o lado escolhido pelos barões midiáticos. Como sempre, o lado contrário a Lula. No caso, em oposição à candidata do presidente.

Não é novidade. A mídia nativa não engole um ex-operário que se torna inquilino do Palácio do Planalto, cenário quem sabe talhado em definitivo para bacharéis engravatados, quando não generais de quatro estrelas. Ódio de classe? Misturado com a inextinguível suspeita de que Lula acabe por cair em tentação e reedite ideias e ideais do PT de 1980.

Rota traçada desde 1989, quando foi inventado o “caçador de marajás” para impedir a ascensão do Sapo Barbudo. Nem se fale da euforia provocada pela descoberta de um Fernando Henrique rei dos economistas, além de príncipe dos sociólogos, prontamente apresentado como criador da estabilidade. E esta foi também a bandeira da campanha do segundo mandato, embora arreada 12 dias depois da posse.

Surpresa em 2002: Lula derrotou com ótima margem o ex-ministro José Serra, a despeito de sua badaladíssima gestão na pasta da Saúde, quando o mundo mais uma vez curvou-se diante do Brasil. Não bastou insistir na ideia de que Serra era “preparado”, a significar que o outro era irremediavelmente despreparado.

A mídia não percebeu então que seu poder de fogo diminuíra bastante e perseverou na linha contrária ao governo, crivado por críticas ferozes, ataques sem conta, acusações retumbantes, até o chamado “mensalão”, que não foi provado nos termos apontados pelo jornalismo pátrio. Mais significativa e consistente do que a anterior, a vitória de Lula em 2006. Nem por isso, a mídia aproveitou a lição.

Repito o que foi dito em outras oportunidades neste espaço: a eleição de Lula é um divisor de águas na história brasileira. Pela primeira vez, a maioria dos brasileiros apreciou votar naquele com quem se identificava, um igual, em lugar de um senhor enfatiotado, recomendado por seus pares. E, pelo caminho, a maioria convenceu-se que valeu a pena.

Quem não se convenceu foi a mídia. A imprensa, de que muito poucos a leem. A eletrônica, que só vale quando transmite novela, big brothers e faustões. Nesta aposta em si própria, não saiu da velha rota. Diariamente, basta passar os olhos pelas páginas dos jornais que alguns teimam em chamar de “grande imprensa”, para tropeçar em editoriais, artigos, colunas e reportagens destinados a demonizar Lula e condenar seu governo.

Quarta-feira 24, ao falar em Brasília no quadro do programa Territórios da Cidadania, o presidente da República disse: “Fico imaginando daqui a 30 anos, quando alguém quiser fazer uma pesquisa sobre a história do Brasil e sobre o governo Lula e tiver de ficar lendo determinados tabloides. Ou seja, este estudante vai estudar uma grande mentira”.

Haverá quem queira discutir a qualidade do texto, a forma. O conteúdo, no entanto, é claríssimo e não admite dúvidas. Se o pesquisador-estudante se contentar com a leitura dos “tabloides”, ou seja, dos órgãos da nossa imprensa, aprenderá uma história desfigurada por erros e omissões. E mentiras.

Quanto à CartaCapital, nos esforçamos para praticar o jornalismo honesto, na contramão da hipocrisia de quem afirma isenção, equidistância, independência, imparcialidade, enquanto se entrega a formas diversas, porém afinadas, de propaganda partidária. Em busca da verdade factual, criticamos Lula e seu governo ora de maneira positiva, ora negativa. Há duas semanas, entendemos como passo em falso as declarações do presidente a respeito dos presos políticos cubanos. Na semana passada, renovamos nossa reprovação a quaisquer interferências governistas para limitar a liberdade de expressão.

CartaCapital orgulha-se de remar na contracorrente, mesmo quando entende que o governo em seus dois mandatos poderia ter feito muito mais no plano social, ou reputa deslize gravíssimo, a provar prepotência e ignorância, o comportamento em relação ao Caso Battisti. No mais, a entrada de Serra na liça vale para iluminar a ribalta.

Não se trata de valorizar a demanda de muitos tucanos, favoráveis a uma definição rápida, mesmo porque compreendemos a estratégia do pré-candidato, baseada na tentativa de escapar ao embate plebiscitário à procura do confronto direto com a candidatura Dilma. Deste ângulo, tem de ser encarado o nítido empenho tucano em manter Fernando Henrique longe da campanha. Mas não será fácil sair do círculo traçado por Lula em torno do pleito.

Denúncia de vítima de abuso sexual complica situação do papa

28/03/2010 - vermelho.org.br


Nova denúncia de vítima de abuso sexual complica situação do papa

Fica a cada dia mais difícil mascarar a cumplicidade do papa Bento XVI com sacerdotes que praticaram a pedofilia e agrava a crise do pontificado. Mas o alemão Ratzinger, um anticomunista que defende posições políticas reacionárias e um falso puritanismo que contrasta com a condescendência diante dos abusos sexuais de menores por parte dos seus subordinados, afirmou que não pretende renunciar e se esquiva das denúncias classificando-as de “fofocas”.

Para uma das vítimas de um padre alemão, cujo histórico de abusos sexuais veio à tona recentemente, o papa Bento XVI, que ocupava o cargo de arcebispo de Munique na época dos crimes, sabia sobre os acontecimentos. "Ratzinger escondeu o caso. Ele sabia", afirmou Wilfried Fesselmann em entrevista publicada neste domingo pelo jornal El País.

Fesselmann disse que, aos 38 anos, a dificuldade para dormir o fez procurar ajuda psicológica. Alertado pelo médico que seus problemas vinham de um trauma sofrido na infância, ele resgatou da memória o abuso sexual sofrido aos 11 anos. O autor do crime, segundo ele, é o padre Peter Hullermann, afastado da diocese de Essen na época dos abusos e enviado a Munique.

Cumplicidade

Fesselmann está entre as quatro pessoas que já denunciaram o antigo sacerdote por abusos no fim da década de 1970. Na época, após as denúncias, o sacerdote foi encaminhado para tratamento psicológico. Joseph Ratzibger, arcebispo de Munique na época, aceitou a transferência de Hullermann, mas pouco depois ele voltou ao trabalho em outra paróquia.

O psiquiatra Werner Huth, responsável pelo tratamento do padre, afirmou ao jornal ter advertido na época que o sacerdote não tinha condições de voltar a se aproximar de crianças. Em 1985, Hullermann voltou a ser acusado de abuso e chegou a ser preso e suspenso de suas funções na Igreja. Voltando a trabalhar no ano seguinte.

Em 2006, Fesselmann disse que procurou o padre pela internet e lhe mandou um e-mail perguntando se lembrava-se dele e se não tinha problemas de consciência pelo que havia feito, mas não obteve resposta. Dois anos depois, voltou a procurar o padre e dessa vez obteve o retorno de uma pessoa que se disse encarregada pelas denúncias de abuso na Igreja. Em 2008, a vítima foi procurada pela polícia e soube de outros três casos semelhantes.

O período dos abusos corresponde à época em que Ratzinger era cardeal arcebispo de Munique (1977-1982). A coincidência envolveu pela primeira vez o Papa de forma direta nos escândalos de pedofilia recentes. Após as constantes denúncias da imprensa europeia, Hullermann foi suspenso de suas funções há duas semanas.

Denúncia

Em meio às crescentes acusações de abuso sexual por padres na Europa e à pressão para que os bispos, em sua maioria na Irlanda, renunciem por não denunciar os casos às autoridades civis, o jornal americano The New York Times publicou uma reportagem sobre o reverendo Lawrence Murphy, acusado de abusar sexualmente de até 200 garotos surdos nos Estados Unidos entre os anos 1950 e 1970.

Entre os 25 documentos internos da Igreja que o jornal divulgou em seu site estava uma carta de 1996 sobre Murphy ao cardeal Joseph Ratzinger, então a principal autoridade doutrinária do Vaticano e agora Papa, mostrando que ele havia sido informado sobre o caso. Segundo o New York Times, ele teria se recusado a punir o padre Murphy. O Vaticano justificou, explicando que Joseph Ratzinger não havia sido informado senão 20 anos depois, quando o padre em questão estava velho e doente.

Fofoca?

Em outra edição, o jornal americano acusou Bento XVI, então arcebispo de Munique, de ter deixado um sacerdote pedófilo alemão retomar suas atividades numa paróquia, ignorando o risco de novos abusos. Hoje (28) o papa, que tem 82 anos, liderou a celebração do domingo de ramos, que abre a semana santa, na praça de São Bento. No sermão, sem mencionar diretamente os escândalos em que está envolvido, Bento XVI afirmou aos fiéis que a fé em deus lhe dá “coragem de não permitir ser intimidado pela fofoca sem importância da opinião dominante”.

É possível que os mais crédulos se deixam enganar pela mais alta autoridade da Igreja Católica Romana, mas as múltiplas e reiteradas denúncias de pedofilia que envolvem Joseph Ratzinger não são meras fofocas. Quem possui senso crítico não terá dificuldade em notar que o papa e o Vaticano estão atolados até o pescoço nos escândalos de pedofilia.

Da redação, com agências