Tema de debate no Brasil, benefícios sociais foram fundamentais para desenvolvimento da Suécia
Kenneth Nelson não esquece sua viagem ao Brasil em novembro do ano passado. Sociólogo sueco especialista em políticas de proteção social, ele foi convidado para um seminário em Belo Horizonte onde falou sobre o modelo nórdico de redução da pobreza e desigualdade. Saiu de lá espantado com a desconfiança de que as ideias que apresentou pudessem ser aplicadas à realidade brasileira.
”Foi estranho ouvir coisas como: 'Mas isso é a Europa, é bem diferente do Brasil' ou 'nunca vai funcionar aqui'. Acho que algumas pessoas têm uma visão errada da realidade europeia. A Suécia era um país muito pobre 100 anos atrás, com a maior parte da população vivendo na área rural. Mas conseguiu mudar esta situação em apenas 30 anos, graças a uma série de políticas públicas”, explicou Nelson ao OperaMundi.
O pesquisador da Universidade de Estocolmo voltou para casa tentando entender a razão da incredulidade brasileira. A explicação que encontrou foi uma possível incerteza em relação a algo novo, que ainda não faz parte do dia a dia da sociedade. Ele lembra que um dos grandes desafios da implantação do Estado de Bem-Estar Social sueco, que deu origem ao chamado ”modelo nórdico” sobre o qual falou em Belo Horizonte, foi justamente provar que políticas sociais eram uma forma de investimento em desenvolvimento, não um custo aos cofres públicos.
Mais de meio século depois, mesmo os críticos mais ferrenhos à forte participação do Estado admitem os avanços ocorridos no país. Em setembro, quando o tradicional Partido Social-democrata perdeu a segunda eleição seguida e alcançou seu pior resultado em quase um século, ninguém temeu pelo fim dos benefícios. A vitoriosa Aliança de centro-direita havia compreendido que para voltar ao poder não poderia criticar as conquistas do passado, e sim falar em aperfeiçoá-las.
Graças à licença-paternidade, o professor de História Ruben Egerot cuida da filha enquanto a esposa trabalha
Instituições suecas permanecem intocadas. É o caso do barnbidrag, espécie de ”Bolsa Filho”, e da licença maternidade-paternidade sem diferenciação de tempo para pais e mães. Ruben Egerot é professor de História e tem 32 anos. No momento, ele está de licença-paternidade tomando conta da pequena Doris, de 14 meses, desde que a mulher, Lova, voltou ao trabalho. O Estado é responsável pelo pagamento da licença, equivalente a 80% do salário de Ruben. Além disso, ele recebe 1.050 coroas suecas (cerca de R$ 270) pelo barnbidrag. O benefício é pago mensalmente aos pais de toda criança que vive na Suécia até que ela complete 16 anos, independentemente de ter ou não cidadania local. Além disso, é um benefício não-atrelado à renda familiar.
”O fato de ser algo a que todos têm direito, independentemente do salário ou da contribuição, faz com que as pessoas tenham uma maior aceitação em relação aos benefícios. Assim as classes mais altas também se sentem atendidas pelo sistema”, afirmou Ruben.
Bidrag é uma palavra sueca que ao português traduz-se como contribuição, benefício ou subsídio. Um morador da Suécia terá direito a uma série de bidrag ao longo da vida. No caso de Ruben, aos 32 anos, além do barnbidrag que seus pais receberam quando ele era criança e que agora é pago por causa de Doris, ele também já recebeu o studiebidrag, pelo tempo em que esteve na escola entre os 16 e 20 anos, e posteriormente o chamado studiemedel, espécie de bolsa-universitária cuja quantia varia como um empréstimo. Quando mais você utiliza acima do valor mínimo, mais terá de pagar de volta no futuro.
Um dos orgulhos do Estado de Bem-Estar Social sueco, a licença maternidade-paternidade também é paga para famílias desempregadas. O tempo total do benefício é de 16 meses, cabendo aos pais decidirem a forma como irão dividi-los. As mulheres ainda tiram três vezes mais dias de licença do que os dos homens, mas a proporção vem diminuíndo a cada ano.
”Quando eu nasci, ainda estranhavam o fato de o meu pai tirar licença. Hoje em dia é o contrário. As pessoas vão achar estranho se você não tirar, como se você pensasse que tomar conta do filho é função da mulher. Vai pegar muito mal”, contou Ruben.
Acomodação
Existem dois tipos de bidrag que um morador da Suécia espera jamais ter que solicitar. O bostadsbidrag (auxílio-moradia) e o socialbidrag (auxílio-social) são os benefícios a pessoas ou famílias vivendo em dificuldade e sem condições de se sustentar. São também os que mais têm sido alvo de críticas e mudanças em tempos recentes.
”Mesmo na Suécia existem os que acreditam que os benefícios podem tornar as pessoas dependentes e menos interessadas em buscar seus próprios meios de sustento. Imigrantes e estudantes são em geral os alvos dessas críticas, por serem vistos de forma generalizada como grupos que contribuem menos para a economia. No entanto, ninguém contesta o fato de que deve haver uma contribuição que garanta um mínimo de sustento para pessoas vivendo em pobreza extrema”, explicou Nelson.
Ruben não faz parte do grupo dos que associam benefícios com acomodação. Para ele, a maioria dos que recebem auxílio-social provavelmente escolheriam não precisar dele.
”É estranho imaginar alguém que seja contra a ajuda a pessoas em dificuldade extrema. Pode até ser que exista uma pessoa que não se importe em viver por conta do socialbidrag, mas não acho que ninguém se orgulhe disso e nem que seja motivo para que deixem de recebê-lo. O retorno para a sociedade é a diminuição da desigualdade”.
Pegando o exemplo do barnbidrag citado por Ruben, Kenneth Nelson afirma que para vencer a desconfiança de certas camadas da população em relação aos benefícios é preciso universalizar alguns deles. Funcionou na Suécia, na maior parte da Europa e ele garante que pode funcionar também no Brasil. ”A chave é fazer com que a classe média sinta-se incluída, com que ele veja que também recebe algo em retorno, e que não apenas aqueles em maior dificuldade estão sendo atendidos. É a melhor maneira de conseguir que os que ganham mais aceitem a ideia de contribuir mais. Não é fácil, mas é possível”, afirmou o sociólogo
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