quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Quem perdeu as eleições: a mídia, os seus partidos e os seus tribunais.

Do Cafezinho por Miguel do Rosário

Primeiras análises pós-eleitorais
31/10/2012

Judith degolando Holofernes, de Caravaggio

É com alegria que o Cafezinho se depara com uma enorme quantidade de boas notícias e números para analisar. A esquerda brasileira experimentou um vigoroso crescimento nessas eleições, o qual foi confirmado e consolidado no segundo turno. A direita, como sempre amparada pela mídia, tentou dar o golpe do mensalão. Às vésperas de um pleito que movimentaria 140 milhões de eleitores, os jornalões, impressos e TV, continuavam focando o noticiário no julgamento do STF, o qual se prestou a este triste papel. Pois bem, o povo demonstrou, mais uma vez, que não se deixa mais manipular por sensacionalismo barato. A mídia e a oposição pagaram um preço, pelo jeito, alto demais pelo mensalão, que não se revelou um produto tão eficiente como pensaram. Agora, têm uma batata quente nas mãos. Terão que sustentar, ad infinitum, um julgamento de exceção, realizado sem base nos autos, que violou princípios fundamentais do direito constitucional, e transformou o STF numa tribuna partidária e política, ferindo a Constituição. O STF agrediu politicamente, com muita virulência, um partido político, e ele não tem o direito de fazer isso. Um partido político, um governo, são instituições democráticas, e que, diferentemente, do STF, são chanceladas pelo sufrágio popular. Tem de ser respeitadas! Um partido político, sobretudo um partido de massa, como o PT, não é apenas um partido político, mas também o receptáculo sagrado dos anseios do povo, que vota em representantes da referida legenda. Não entender isso é fechar os olhos para a democracia.

Abaixo, seguem uma série de análises sobre diversas notícias, opiniões de colunistas, estatísticas, gráficos eleitorais.

Na segunda-feira, a Folha trouxe excelentes infográficos sobre a evolução dos partidos nessas eleições. Nos dias seguintes, ela tratou de inventar formas mirabolantes para apontar algumas “vitórias” da oposição. Mas as urnas são implacáveis. PSDB, DEM e PPS perderam em todos os níveis: em número de eleitores, em quantidade de cidades, em vereadores, perderam São Paulo. E o PT, na via contrária, assistiu a um notável crescimento, em todas as frentes.

É importante lembrarmos que o crescimento no número de vereadores implica, segundo uma fórmula da ciência política até hoje insuperável, em aumento no número de deputados estaduais e federais no pleito seguinte. Confiram os gráficos abaixo:


















Mensalão e PT: Minha teoria de que o mensalão acabou ajudando eleitoralmente o PT, que me parecia meio maluca, mas com alguns pontos consistentes, agora ganha, com os resultados das urnas, contornos mais sólidos. Ela se baseia na seguinte premissa: o pobre (ou seja, maioria do eleitorado) não faz essa ligação partidária e emocional entre os réus do mensalão e os candidatos do PT que disputavam eleições. Para ele, o Supremo, liderado por um negão implacável, está condenando poderosos pela primeira vez, e o responsável por mais essa “conquista” democrática é novamente Lula. A era lulista foi coroada com um STF vingador, bem a gosto do vulgo, o que serviu para fortalecer mais ainda o campo lulista. Quem nomeou Joaquim Barbosa? Enfim, o povo, como diria Pascal, tem opiniões sempre muito saudáveis…

Quem é o analfabeto?: Segunda-feira, Ancelmo Gois publicou a seguinte nota em sua coluna:


Na verdade, o analfabeto político aqui, com todo respeito, é Ancelmo Gois. O pedreiro demonstrou sabedoria, porque ele intuiu que seria melhor votar pensando em propostas do que influenciado pelo sensacionalismo da mídia em torno do mensalão. Ele entende que política é luta e os adversários de Haddad, nos partidos e na mídia, ainda são piores que os “mensaleiros”. Mas ele não votou em Haddad pensando que o prefeito irá roubar, e sim que a história do mensalão não tinha nada a ver com o pleito municipal. Assim como o eleitor de Serra não deixou de votar nele porque o presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, é réu no processo do mensalão tucano, assim o pedreiro não deixou de votar em Haddad por causa de julgamento do mensalão petista.

Merval e o sonho de Aécio: É impressionante a falta de moderação de Merval Pereira quando ventila a nova utopia dos tucanos da mídia. Uma aliança entre Eduardo Campos e Aécio Neves. Hoje, em sua coluna, Merval volta a sugeri-la:

Uma aliança entre o PSB e o PSDB de Aécio Neves formaria chapa com força nas principais regiões, mas difícil será um dos dois abrir mão da cabeça de chapa.

Uma aliança hipotética no segundo turno é previsível caso Campos decida investir mesmo na carreira solo em 2014. O senador Aécio Neves pretende concorrer mesmo que a presidente Dilma continue com sua popularidade alta como hoje, sem grande abalos econômicos a enfrentar. Estaria semeando uma colheita para quatro anos depois.

Resta saber se o governador Eduardo Campos se resignará a disputar espaço com o PT e o PMDB por mais quatro anos, na esperança vã de vir a ser o candidato da coligação em 2018.

Evidentemente, Campos, que não é bobo, vai cozinhar essa história o máximo possível, porque ela lhe rende louvaminhas na mídia. Provavelmente se deixará fotografar ao lado de Aécio, bebendo cerveja e rindo, e assim cultivará sua imagem junto à esta enorme e influente classe média que lê os grandes jornais.

Nem direi que a aliança entre Campos e Aécio é algo impossível. Eu diria improvável, sobretudo porque seria uma estupidez inominável de Campos deixar um campo político vitorioso e ascendente para aliar-se a outro, derrotado e em declínio. Sem contar que o PSB, mesmo tentando se afirmar como uma esquerda não-petista, mais sofisticada, com uma estética mais classe média, sendo um partido de quadros e, portanto, mais autoritário, coeso e controlável, mesmo assim, o PSB está anos luz do PSDB, com seu programa privatista e conservador, com suas alianças preferenciais com DEM e PPS. Campos vai cozinhar a história, que lhe rende elogios, e lhe dá algum cacife para negociar melhor posicionamento do partido no governo de coalizão, mas seria incompetente se se aliasse a Aécio em 2014. Se o fizesse, aconteceria o seguinte: afundaria junto com os tucanos, porque mesmo que Aécio se aliasse a cinco Eduardo Campos, Dilma continuaria imbatível.

CPI do Cachoeira: os governistas estão dispostos a prorrogar os trabalhos por mais 45 dias, e a quebrar mais sigilos. A oposição quer prorrogar por mais 180 dias e quebrar mais 500 sigilos. Parece-me que a oposição quer fogos de artifício, e dispersar o foco, que é investigar o núcleo do esquema, e daí deixar o trabalho para a Polícia Federal e o Ministério Público. A Folha tenta pintar o quadro, como faz desde o início da CPI, como se fossem os governistas que quisessem “melar” a CPI, ou impor uma “pizza”. Ora, não foram os governistas que criaram a CPI? Nunca a manipulação da notícia foi tão doida como no caso da CPI. Uma ora, lemos que se trata de uma CPI governista, outra hora que os governistas querem “enterrá-la”. Na verdade, é uma CPI autêntica, realmente explosiva, que pode chamuscar todas as forças políticas, mas que para ser efetiva, tem de ser focada no núcleo do esquema, e não ser convertida numa outra espécie de CPI do fim do mundo.

O Lula maquiavélico e os rumos das eleições em São Paulo (análise de jun12).

Do Cafezinho por Miguel do Rosário

O maquiavelismo de Lula

22/06/2012

(Ilustração na capa de Basquiat e Andy Warhol).

Ontem eu disse que faria as últimas considerações sobre o caso Erundina, mas foi uma promessa tola, então me dêem licença para voltar ao assunto. De qualquer forma, não abordarei o assunto segundo perspectivas ideológicas ou subjetivas. Já que a decisão do PT foi eminentemente pragmática e mesmo maquiavélica (na acepção mais brutal do termo), então façamos também uma análise friamente objetiva.

Abaixo, vocês vêem a relação dos vereadores da cidade de São Paulo, extraída do site da Câmara. Observe que o PT é o partido mais forte, com 11 vereadores. O PSDB perdeu um bocado para o PSD, que agora tem 10 vereadores. Voltamos após o gráfico.


Esse quadro nos sugere algumas observações:

A aliança do PSDB com o PSD foi fundamental para a candidatura Serra. Lula tinha razão (do ponto-de-vista do cálculo maquiavélico-eleitoral) para tentar acordo com Kassab e PSD.

Serra está conseguindo fechar acordo com quase todos os partidos com boa presença na câmara: PSD, PR, PV, PPS, DEM.

Se os tucanos conseguissem fechar com PP e PTB, formariam um bloco com muita força eleitoral. O PTB ainda está em disputa.

Deve-se sempre ressaltar a grande vitória de Serra ao fechar acordo com o PR, legenda que tem cinco vereadores em São Paulo e conta com o campeão brasileiro de votos Tiririca.

Vamos ver outros números. Abaixo a votação para prefeito em 2008:


A tabela acima merece ser examinada com atenção. De fato, não dá para desprezar Maluf. Ele ficou em quarto lugar no ranking dos mais votados. Para o PT, o quadro oferece uma série de problemas:

Dos seis candidatos mais votados em 2008, cinco eram nomes de oposição ao PT, sendo quatro de direita e um de esquerda (PSOL).

Trazendo Maluf para junto de Haddad, o PT diminui a pontuação inimiga nas eleições deste ano.

Agora vamos analisar dados mais recentes da força eleitoral de Maluf, refletida na sua votação para deputado federal em 2010. Para efeito de comparação, trazemos abaixo também os números de Erundina. Comentamos em seguida.



Maluf obteve 275 mil votos válidos para deputado federal na cidade de São Paulo, e 497 mil votos em todo o estado. São falsas, portanto, as afirmações de que Maluf estaria “morto” politicamente. Ele ainda tem voto pra cacilda, e provavelmente a maioria vem de pessoas simples, porque eu não quero acreditar que pessoas bem informadas (ou uma grande quantidade de pessoas bem informadas) votem nesse crápula.

Erundina teve 178 mil votos na cidade e 214 mil votos no estado.

Os eleitores de Erundina tendem a votar no Haddad, porque o seu partido PSB vai apoiar Haddad. Este vai usar imagens de Erundina em sua campanha, e ela deverá pedir votos para o petista na TV. Então estes são votos já garantidos.

Os eleitores de Maluf devem se dividir. Os mais ideológicos tendem a votar em Serra. O eleitor mais humilde, que vota no Maluf por algum tipo de misteriosa afinidade, tenderá a votar em Haddad, porque o PP apoiará o petista; além disso, temos Lula, uma lenda viva entre os mais pobres.

Analisando friamente as estratégias eleitorais dos dois principais adversários, Serra e Haddad, vemos que ambos não estão medindo esforços para ampliar seus respectivos exércitos. Serra continua favorito, pois é muito conhecido, conseguiu apoio de um bom leque de partidos e tem a grande mídia como sua grande aliada.

Do ponto-de-vista eleitoral, portanto, Lula e o PT agiram de maneira rigorosamente correta ao se esforçarem para obter apoio do PP de Maluf.

O timing da foto foi desastrado, embora se possa alegar que a confusão gerou um factóide político de enorme impacto midiático, ajudando a romper o anonimato de Haddad. Vários colunistas estão começando a engolir essa ficha. Eliane Cantanhedeadmitiu hoje que este é um argumento a favor de Lula:

A novidade no “affair” Lula-Maluf é a versão de que tudo foi ótimo para a candidatura de Fernando Haddad, que ganha visibilidade inédita e gratuita, aparecendo em todas as TVs, rádios, páginas de jornais e bombando na internet. Mais ou menos na linha do “falem mal, mas falem de mim”.

Trata-se da velha tática de Lula de transformar o negativo em positivo, a desvantagem em vantagem.

A eleição em São Paulo oferece a Serra a oportunidade de disputar um terceiro turno contra o PT. E Lula parece entender o pleito paulistano como uma chance de preparar o terreno para ganhar o governo do estado em 2014.

Uma defesa que se poderia fazer acerca do frio e até meio sujo pragmatismo da campanha petista em São Paulo, é que a realpolitik, a bem da verdade, nunca foi um jogo para inocentes. O idealismo juvenil, que é a maior vítima da foto idílica de Lula, Haddad e Maluf, só costuma fazer diferença em eleições quando tem apoio da mídia, e quando isto acontece temos frequentemente a manipulação da ingenuidade. Ou seja, o idealismo juvenil perde novamente.

Entretanto, uma das características mais marcantes do lulismo foi justamente aniquilar o idealismo onírico juvenil, substituindo-o pelo idealismo de resultados. Os lulistas não fizeram campanha pela reeleição de Lula e depois por Dilma brandindo símbolos de uma revolução socialista. Ao contrário, tiveram que lutar contra acusações pesadíssimas de seus adversários e lidar com as imagens de Lula abraçando Collor e defendendo Sarney e Renan Calheiros. Fizeram a luta política com galhardia, e suas armas mais eficazes foram estatísticas que mostravam o notável desenvolvimento econômico e social do país. Um idealismo de resultados, repito. Esta é explicação para a foto de Lula, Maluf e Haddad. Lula quer ganhar as eleições, quer que o PT faça um bom governo, que agregue mais estatísticas e mais resultados positivos para dar substância às futuras campanhas de seu partido. Os militantes “decepcionados” não deixarão de votar no PT, e os resultados sociais concretos de uma administração popular despertarão as massas adormecidas de São Paulo, que enfim poderão se libertar do jugo conservador-midiático que as fazem votar contra seus próprios interesses.

Além do mais, quem bancou Lula nunca foi a “militância”, que, ao contrário, mostrou-se sempre instável e reticente em seu apoio – tanto ao ex-presidente como à Dilma. Quem jamais traiu Lula, mesmo em seus momentos mais difíceis, e nas circunstâncias mais polêmicas e complexas, foi o povão. O povão não tem frescura ideológica. Ele quer resultados, ponto final. No que tange à ética, o povo quer ver rico indo em cana, e foi Lula, e só ele, quem botou Maluf na cadeia, dentre centenas de ricaços e poderosos que, pela primeira vez na história do Brasil, tiveram a experiência inesquecível de contemplar o nascer quadrado do sol.

Não podemos esquecer que o principal partido conservador no Brasil é a mídia paulista, que é bancada financeiramente pelo governo de São Paulo. Se Lula conseguir apear o PSDB de São Paulo, com Maluf ou sem Maluf, será um golpe brutal contra o poder da mídia corporativa, que ataca candidatos populares e movimentos sociais em todo país. O julgamento da história, e só ele, sabe exatamente por quem os sinos tocam na política brasileira.

Os pitacos do Brickmann na cobertura jornalística recente.

Do Observatório da Imprensa 

ARTE DA REPORTAGEM

Onde a notícia está
Por Carlos Brickmann em 29/10/2012 na edição 718

Sabe os índios guaranis-caiuás que vivem na aldeia de Puelito Kue, e que iam se suicidar coletivamente para protestar contra a maldade do homem branco?

Pois é, não é bem assim. Os guaranis-caiuás estão insatisfeitos com a decisão da Justiça, que determinou sua saída das terras que ocupam. Se tentarem desalojá-los à força, diz o chefe da aldeia, pretendem defender-se até a morte. Os fatos são esses; a história do suicídio coletivo, que provocou tamanha onda de solidariedade, simplesmente não existe.

Como é que sabemos disso? Pela maneira mais simples: em vez de pegar o telefone e ouvir ativistas de ONGs internacionais, em vez de entrar no Facebook para acompanhar a reação dos internautas, em vez de ouvir professores e especialistas, o repórter Fernando Gabeira foi à aldeia ouvir os próprios índios. E eles lhe contaram a história – como contariam a outro repórter que fosse procurá-los para obter informações em primeira mão, em vez de ouvir apenas os ongueiros. Dá trabalho: Gabeira teve de percorrer 250 km em estrada de terra, atravessar a nado o rio Iowi (a empresa que disputava a propriedade com os índios, e ganhou na Justiça, bloqueou todas as pontes), dar um jeito de não molhar a câmera; depois, nadar de volta sem molhar a câmera e enfrentar 250 km de estrada de terra até Dourados, a cidade mais próxima. O pessoal que ouviu só os ongueiros nem saiu do ar condicionado das redações. Muito mais confortável, embora tenha rendido informações erradas a quem pagou caro por elas, julgando-as confiáveis.

Lembra quando reportagem envolvia ir ao local, ver com os próprios olhos, ouvir os vários lados, pesquisar o assunto? Pois é – e isso é o que está faltando. Sem isso, uma declaração de um líder dos índios a respeito de sua disposição de resistir a eventuais ataques passa a ser interpretada como decisão de suicídio coletivo.

Mas quem está preocupado com o consumidor de informação?

O bom jogo
Na verdade, há quem esteja preocupado com o consumidor de informação. O repórter Fernando Gabeira, por exemplo; e Fernando Mitre, diretor de Jornalismo da Rede Bandeirantes, que garante a Gabeira condições para trabalhar.

Menos um
Ethevaldo Siqueira, o excelente jornalista que inaugurou a cobertura de informática e telecomunicações no país, acaba de deixar O Estado de S. Paulo, depois de 45 anos de trabalho. Não, não se aposenta, nem poderia: continua sendo uma fonte essencial para que nós, leigos, saibamos o que está acontecendo no mundo da inovação eletrônica. Ethevaldo está em seu blog, está em todos os lugares onde estava, menos no Estadão. Fará falta.

Colírio

Jornalista sempre protestou contra a impunidade de ricos e poderosos. A frase segundo a qual só são presos os pobres, pretos e prostitutas aparece pelo menos uma vez por dia nos meios de comunicação. Pois bem: o Supremo Tribunal Federal condenou algumas pessoas poderosas, incluindo uma banqueira, líderes partidários, ex-ministros, e aí cai o mundo, acusando os juízes nomeados pelo próprio governo de conspirar contra este mesmo governo.

Estão os ministros certos ou errados? Este colunista não tem a menor ideia: não entende de Direito, não leu as 50 mil páginas do processo. E não viu nenhum órgão de imprensa investir pesadamente nisso, com juristas de peso analisando o processo e capacitando os repórteres a traduzir ao público o que estava acontecendo, de maneira a que o consumidor de informação tivesse condições de analisar o caso. Do jeito que foi feita a cobertura, só restou a torcida: os adeptos de um lado estavam dispostos a absolver todos os acusados de todas as acusações, os adeptos de outro não apenas queriam condenar a todos, por tudo, como impor-lhes sentenças fantasticamente altas, muito maiores que as de crimes como homicídio, e vê-los marchar algemados para trás das grades, se possível com uniforme de presidiários e cabeça raspada.

Uma cobertura assim seria muito cara. Mas daria a quem a fizesse um gigantesco diferencial sobre os concorrentes.

Cronometristas
O mais curioso é que boa parte dos que protestavam contra a impunidade dos poderosos reclama agora do tempo que a TV dá ao julgamento do mensalão, que julgam excessivo. Gente, um julgamento do Supremo que envolve ex-ministros, uma banqueira, um ex-presidente de partido, dois presidentes de partido, um ex-tesoureiro de partido, ao mesmo tempo em que ocorrem importantes disputas municipais, e que ainda por cima tem brigas constantes entre os meritíssimos, que é que queriam? Trinta segundos, como um comercial, sem prorrogação?

A cadeia como ela é
Fala-se em mandar os condenados do mensalão para a prisão, cumprindo penas em regime fechado. Este colunista é contra (acha que cadeia, por uma série de fatores, inclusive econômicos, deveria ser reservada a criminosos violentos), mas lei é lei. Entretanto, mais uma vez, falta reportagem. Não é simples, não é isento de riscos, mas é preciso contar como é uma prisão por dentro – o que inclui o domínio absoluto dos estabelecimentos penais por facções criminosas organizadas, digam o que quiserem as autoridades.

Pessoas confiáveis que conhecem prisões informam que a violência sexual, a “carne nova”, as “mulherzinhas”, isso já é coisa inocente. A brutalidade é muito maior; e é usada para fazer com que a família dos presos seja obrigada a obedecer às ordens dos chefes do crime. Isso vale desde a comida que é levada para os presídios pelos visitantes até produtos proibidos; e explica como é que os celulares funcionam nas celas sem necessidade de recarregar baterias.

Verdade ou lenda? Tudo leva este colunista a crer que seja verdade. Mas é uma dúvida que só poderá ser esclarecida quando a imprensa investir no assunto. Ouvir autoridades é perder tempo – pois não foram as autoridades da época que desmentiram formalmente as informações de que o crime se organizava nos presídios?

Sabendo-se direitinho como é um presídio por dentro, a opinião pública terá condições muito melhores de definir se a lei deve continuar como está – ou seja, mantendo a pena de prisão como a principal punição dos criminosos condenados – ou deve mudar.

Posição correta
Não confunda preso político com político preso.

A primeira batalha
A Associação Nacional dos Jornais (ANJ), que reúne, entre outros, os maiores jornais do país, rompeu com o Google News: não permite mais que suas manchetes e as linhas iniciais de seus textos sejam ali publicadas sem pagamento.

O Google News alega que não é justo pagar pelo uso das manchetes, já que com isso leva mais público aos jornais – em sua linguagem, “envia a seus sites um grande número de usuários”. Para a ANJ, o Google News não tem grande impacto no número de leitores dos sites – ao contrário, pode fazer com que muitos internautas se satisfaçam com as manchetes e as primeiras linhas dos textos e desistam de procurar a fonte.

É uma iniciativa pioneira: os jornais brasileiros estão entre os primeiros do mundo a se afastar do Google News. Para o público, é ruim: reduz a facilidade de buscar informação. Pode ser o início de uma nova fase da internet, de colaboração entre produtores e buscadores de conteúdo. E pode também marcar uma nova fase da batalha para tornar a internet grátis uma coisa do passado.

Brincadeira celular
Toda a imprensa divulgou: quem ligasse para um certo número, conforme a operadora de seu telefone celular, e pedisse por SMS para não receber mais mensagens de propaganda da operadora, teria de ser obrigatoriamente atendido.

Ninguém na imprensa divulgou: as operadoras receberam o pedido e continuaram a mandar aquela propaganda que o cliente não quer receber. Este colunista, por exemplo, mandou o torpedo para o número previsto e mesmo assim recebeu da TIM um anúncio a respeito de um tal plano Liberty, seja lá o que for. E, seja lá o que for, não interessa.

Alô, Anatel! Vai ficar por isso mesmo? Vai ficar que nem essas empresas como Walmart, Groupon, Daffiti e outras que recebem dezenas de pedidos para suspender suas ofertas de produtos indesejados e continuam a mandá-las para quem expressamente declarou que não se interessa por elas?

Coisas da web
Este colunista pensou que já tinha visto o pior de tudo quando, após a notícia do falecimento da mãe de um amigo, alguém teclou no Facebook a tecla “curtir”. Mas pode haver coisas piores. Num grande portal noticioso, há a seguinte notícia: “Rod Stewart fez uso de cocaína pelo ânus. Veja isso na seção entretenimento&variedades”.

O conceito de entretenimento parece ter-se tornado bem mais elástico.

Inculta e bela
Não é tão difícil: mesmo que seja preciso fazer uma análise da frase, não é nada complicado. E, se alguém lê um bom livro de vez em quando, passa a escrever automaticamente de maneira correta. Pode não se lembrar das regras de regência, mas sabe quando a frase está certa ou errada.

Quem não sabe é quem não lê um bom livro de vez em quando. E quem não lê um bom livro de vez em quando não deveria ser jornalista. Não combina. Onde é que vai buscar um pouco de cultura, para ancorar as informações dispersas que recebe sem parar?

Uma frase: “A decisão ainda cabe recurso no Superior Tribunal de Justiça”. Não tem sentido: a gente até interpreta, mas já não é leitura fluente, é preciso decifrar o que se lê. Algo como “baixou hospital”, ou “fez exame de corpo delito”, ou “vou lhe encontrar para o agradecer”.

Outra frase do mesmo tipo:
** “(...) deixa de responder jornalista por desconhecer veículo”.

Quem responde, neste tipo de frase, responde a alguém.

Depois os jornais falam mal do livro do “os menino pega os peixe”.

Notícias estranhas
** “ACM Neto faz minicomício em Pau de Lima, em Salvador”.

E é muita maldade falar em minicomício quando o astro é ACM Neto.

Outra:

** “Despedaçado, catamarã high-tech de US$ 8 volta à base”

Se custa só US$ 8, este colunista também quer. Mesmo quebrado deve render mais do que isso.

Como...

De um grande portal noticioso da internet:
No título: “Sobe para 14 o nº de mortos em acidente com ônibus no RJ”

No texto: “Empresa havia informado anteriormente que eram 15 mortos”.

Como diriam os economistas do governo, trata-se de crescimento negativo.

...é...

De um grande jornal impresso:
** “Segundo o último levantamento do Ibope, (...) tem 60% dos votos válidos, ante 40% de 40% de (...)”.

...mesmo?

Num grande portal da internet, há uma foto do ator Marcelo Novaes, com o seguinte título:

** “Descanço merecido”.

Tudo bem, tudo bem. Depois do suceço estrondoso na novela, o ator mereçe ficar socegado e descançar.

E eu com isso?
O julgamento do mensalão é importante, mas é difícil encontrar coisa mais chata e mais longa. A leitura do noticiário do mensalão seria ótima se não se dedicasse a ensinar aos ministros como votar e publicasse menos fofocas da Corte.

Fofoca por fofoca, truco! Vamos direto às fofocas divertidas.
** “Penélope Cruz brinca com o filho em aeroporto”

** “Sabrina Sato escurece os cabelos”

** “Jennifer Lopez passeia com o namorado em Londres”

** “Gêmeas do nado caminham na orla da Barra da Tijuca”

** “Victoria Beckham é fotografada passeando com a filha caçula”

** “Débora Falabella e Benício são flagrados em restaurante de SP”

** “Pai de Justin Bieber aparece nu em fotos”

** “Eduardo Costa se diz um bom churrasqueiro”

** “Taylor Lautner janta em restaurante no Rio”

** “Preta Gil, Mariana Ximenes e Cleo Pires se encontram em evento”

** “Separado, Maradona viaja à Índia”

O grande título
Há exemplares bem interessantes. Podemos começar com um título daqueles que, como não cabiam no espaço, entraram depois de muita pancada:

** “Kanye West propôs a Kim Kardashian e já deu anel de diamantes de dez quilates à noiva”

E que é que ele propôs a Kim Kardashian? Pode ter sido casamento. Mas, do jeito que andam as coisas, talvez não seja: aquele japonês, por exemplo, prometeu um presente considerável à moça, mas não tinha nada de casamento, não.

Há também aquele título que errado não está, mas exige leitura atenta para ser decifrado:

** “Ministro de Dilma nega ser estranho subir no palanque de ex-rival de CPI”

Há um título com uma comparação que, no mínimo, merece ser explicada:

** “Mulher de Slash diz que Axl mostrou afinidade com hambúrguer”

E temos um título fantástico, sobre um projeto de mapeamento da Via Láctea:

** “Meta é fazer censo das bilhares de estrelas no espaço”

Bilhares. Será algo novo, referente a bilhões de milhares?

***

[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Barbara Gancia se diz assustada com o “sangue nos olhos” dos que pregam punição exemplar aos réus da Ação Penal 470

Barbara Gancia chuta o pau da barraca



Colunista da Folha diz que Lula venceu as eleições, que Veja distorce a realidade ao vender Joaquim Barbosa como novo herói nacional, que José Genoino não merece o que está vivendo e condena a análise maniqueísta dos que analisam o julgamento do mensalão com sangue nos olhos

12 de Outubro de 2012 às 09:45

247 – Colunista da Folha, Barbara Gancia se diz assustada com o “sangue nos olhos” dos que pregam punição exemplar aos réus da Ação Penal 470 e afirma que Lula foi o grande vencedor das eleições municipais de 2012. Leia:

Bem x Mal

Barbara Gancia

Seria uma lição de democracia se do julgamento do STF constassem não só PT, mas Democratas, PSDB etc.

Está tudo muito bom, está tudo muito bem. E o "New York Times", o "Financial Times" e o "Times" de Londres po­dem estar certos de que o julga­mento do mensalão representa um avanço brutal para a democracia tapuia, como bem notou o nosso monumental Clóvis Rossi em sua coluna de ontem, mas esta "bastian contraria" (a expressão é piemon­tesa) que vos fala veio posar na sua sopa para discordar.

É claro que quem tem culpa que pague o que deve. E eu também, co­mo todo o resto do Ocidente (excluindo talvez o Suriname, Cuba e a Cristina Kirchner -que deve sentir coisas por ele), não vou com os cornos do Zé Dirceu. O homem escondeu a pró­pria identidade da mulher, vive de amassos com os Castro, não é exatamente exemplo de democrata e blá-blá-blá-blá-blá.

Acontece que não consigo disso­ciar a imagem de Joaquim Barbosa de Torquemada e o julgamento do mensalão da Inquisição. Estamos assistindo a um massacre e há mui­to ainda a considerar.

Diziam que o julgamento seria parcial porque Lula havia escolhi­do os juízes. Não aconteceu. Aliás, essa desconfiança preconceituosa me faz lembrar o terceiro mandato de Lula, que não houve.

Enunciavam também que o men­salão ia dar a vitória a Russomanno em primeiro turno. Não aconteceu. Por sinal, a economia nem vai tão bem e Haddad lidera as pesquisas.

E Lula, ora, Lula foi o grande ven­cedor do primeiro turno (tadinha da Martoca) e vai levar São Paulo de enxurrada, né não? Fica claro tam­bém que a classe média alta que se diz informada, mas que raramente acaba obtendo colocação profissio­nal fora do âmbito familiar, quer ver o PT ser varrido do mapa. Essa é a turma que torce como nunca no Fla-Flu do julgamento do STF.

Nos últimos tempos, até a Dilma eles têm tratado com um desdém que antes não havia ali. Já para o zé povinho, tanto faz. Para a perifa, obviamente não só despida de pre­conceito contra o Lula como iden­tificada com ele até a alma e beneficiada pelas mudanças sociais, escândalo de compra de votos da reeleição, anões do Con­gresso, Sivam, Zé Dirceu, Collor... é tudo a mesma lasanha.

Eu até concordo que a gente quei­ra ver canalhas ricos o bastante pa­ra contratar advogados top na ca­deia. Mas, vem cá: o Genoino, gen­te? Todo mundo conhece o Genoi­no, sabe que ele não vive no luxo. E não merece o que está acontecen­do.

Nesta semana vi gente com san­gue nos olhos dizendo que queria vê-lo atrás das grades. Isso não po­de ser sede de justiça. É outra coisa. É preconceito puro. E olha que o Muro de Berlim já caiu há mais de 20 anos!

É uma deturpação das mais dano­sas ao país colocar na capa da maior revista semanal tapuia uma crian­ça negra e pobre que subiu na vida pelo próprio esforço como se ela fosse o novo Pelé.

É como se a classe dominante dissesse: "Os nossos pretos pobres são melhores do que os deles". Os negros pobres do Lula precisam do Bolsa Família e de cotas para chegar lá. Joaquim Barbosa (que, note, se declara eleitor do PT) venceu sozinho, não precisou de "política assistencialista", não é mesmo? Pessoal ainda não enten­deu que não é muleta, mas repara­ção por séculos de apartheid social.

Seria lição de democracia se do julgamento do STF constassem não só PT, mas PSDB, DEM etc. Julgar ignorando garantias, sem direito a recurso e partindo da cer­teza de que quanto menos provas, maior o poder do réu e, portanto, hipoteticamente, maior sua culpa, é inver­ter a lógica. Isso não pode ser coisa boa, viu, "Times" de Londres?

Assim como o STF, Generais também já se acharam melhores que os políticos.

Marcos Coimbra: STF invade atribuições dos demais Poderes

publicado em 11 de outubro de 2012 às 22:24

A Democracia em Risco

Por Marcos Coimbra, na CartaCapital

Enquanto a democracia brasileira dá mais uma mostra de saúde, com as belas eleições do domingo 7, uma tempestade se arma contra ela. É bom estarmos prevenidos, pois seus efeitos podem ser graves.

Faz tempo que uma doença atinge nossas instituições. Os especialistas a chama de judicialização.

A palavra não existia até há pouco. Mas teve de ser criada, pois um fenômeno novo e relevante surgiu e precisava ser batizado.

Designa a hipertrofia do judiciário e sua invasão das atribuições dos demais Poderes. A judicialização acontece quando esse poder submete, ou quer submeter, o Legislativo e o Executivo.

No mundo de hoje, é mais comum que o Executivo seja a ameaça. As queixas são generalizadas contra a perda de funções do Legislativo, subtraídas por seu crescimento desmesurado. Administrações cada vez mais complexas e burocratizadas, que atuam como se estivessem em campo oposto aos parlamentos, são regra e não exceção.

O que estamos presenciando é outro fenômeno. A “judicialização” nada tem a ver com as tensões tradicionais e necessárias que existem entre os Poderes.

Na democracia, a fonte da legitimidade do Executivo e do Legislativo é a mesma: o voto popular. O primeiro reflete a maioria, o segundo, a diversidade, pois nele todas as minorias relevantes podem se expressar.

O Judiciário é diferente, por ser o único poder cujos integrantes são profissionais de carreira e não representam ninguém. E é especialmente grave o risco de que invada a esfera dos outros. De que queira subordiná-los ao que seus titulares eventuais, na ausência de um mandato popular autêntico, supõem ser o interesse coletivo.

O julgamento do “mensalão” tem sido o mais agudo exemplo da judicialização que acomete nossas instituições.

Já tínhamos tido outros, um de consequências nefastas nas questões de fundo suscitadas pelo episódio do mensalão. A ploriferação artificial de partidos, encorajada por uma legislação que há muito precisa ser revista, foi limitada por lei emanada do

Congresso Nacional, que a Presidência da República sancionou. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) a restaurou.

Em nome de um “democratismo”, manteve normas que complicam o voto para o eleitor e dificultam a formação de maiorias parlamentares menos voláteis, problema que todos os presidentes enfrentaram e enfrentam.

Isso é, porém, café pequeno perante o que estamos vendo desde o início do julgamento.

Sem que tenha recebido da sociedade mandato legítimo, o STF resolveu fazer, à sua maneira, o que entende ser o “saneamento” da política brasileira. Ao julgar o mensalão, pretende fixar o que o sistema político pode fazer e como.

Imbuído da missão autoatribuída, faz o que quer com as leis. Umas ignora, em outras inova. Alarga-lhes ou encurta o alcance conforme a situação. Parece achar que os fins a que se propõe são tão nobres que qualquer meio é válido.

O problema desse projeto é o de todos que não obedecem ao princípio da representação. É o que esses ministros querem.

São 11 cidadãos (agora dez) com certeza capazes em sua área de atuação. Mas isso não os qualifica a desempenhar o papel que assumem.

Pelo que revelam em seus votos e entrevistas, conhecem mal a matéria. Falta-lhes informação histórica e têm pouca familiaridade com ela. Pensam a política com as noções de senso comum, com preconceitos e generalizações indevidas.

Acreditam que a democracia deve ser tutelada, pois o povo precisaria da “proteção”de uma elite de “homens de bem”.

Acham-se a expressão mais alta da moralidade, que vão “limpar” a política e dela expulsar os “sujos”. Estão errados.

Mas não é isso o que mais preocupa. Ainda que fossem dez ministros com notável conhecimento, ótimas idéias e nenhuma pretensão, que delegação teriam?

Na democracia, quem quer falar pelo povo tem um caminho: apresentar-se, defender o que pensa e obter um mandato.

Fora disso, não há regras. Generais já se acharam melhores que os políticos, mais “puros”. Como os juízes de hoje, os generais estavam preparados e eram patriotas. Desconfiavam dos políticos. Viam-se como expressão da sociedade. Liam na grande mídia que “precisavam responder aos anseios do País” e moralizar a política. Tinham um deles para pôr no poder.

O final daquele filme é conhecido. E o de agora?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Genoino: "Não me envergonho de nada"

José Genoíno: Carta aberta ao Brasil


Dizem, no Brasil, que as decisões do Supremo Tribunal Federal não se discutem, apenas são cumpridas. Devem ser assumidas, portanto, como verdades irrefutáveis. Discordo. Reservo-me o direito de discutir, aberta e democraticamente com todos os cidadãos do meu país, a sentença que me foi imposta e que serei obrigado a cumprir.

José Genoíno Neto, via Vermelho

Estou indignado. Uma injustiça monumental foi cometida!

A Corte errou. A Corte foi, sobretudo, injusta. Condenou um inocente. Condenou-me sem provas. Com efeito, baseada na teoria do domínio funcional do fato, que, nessas paragens de teorias mal digeridas, se transformou na tirania da hipótese preestabelecida, construiu-se uma acusação escabrosa que pôde prescindir de evidências, testemunhas e provas.

Sem provas para me condenar, basearam-se na circunstância de eu ter sido presidente do PT. Isso é o suficiente? É o suficiente para fazerem tabula rasa de todo uma vida dedicada, com grande sacrifício pessoal, à causa da democracia e a um projeto político que vem libertando o Brasil da desigualdade e da injustiça.

Pouco importa se não houve compra de votos. A tirania da hipótese preestabelecida se encarrega de “provar” o que não houve. Pouco importa se eu não cuidava das questões financeiras do partido. A tirania da hipótese preestabelecida se encarrega de afirmar o contrário. Pouco importa se, após mais de 40 anos de política, o meu patrimônio pessoal continua o de um modesto cidadão de classe média. Esta tirania afirma, contra todas as evidências, que não posso ser probo.

Nesse julgamento, transformaram ficção em realidade. Quanto maior a posição do sujeito na estrutura do poder, maior sua culpa. Se o indivíduo tinha uma posição de destaque, ele tinha de ter conhecimento do suposto crime e condições de encobrir evidências e provas. Portanto, quanto menos provas e evidências contra ele, maior é a determinação de condená-lo. Trata-se de uma brutal inversão dos valores básicos da Justiça e de uma criminalização da política.

Esse julgamento ocorre em meio a uma diuturna e sistemática campanha de ódio contra o meu partido e contra um projeto político exitoso, que incomoda setores reacionários incrustados em parcelas dos meios de comunicação, do sistema de justiça e das forças políticas que nunca aceitaram a nossa vitória. Nessas condições, como ter um julgamento justo e isento? Como esperar um julgamento sereno, no momento em que juízes são pautados por comentaristas políticos?

Além de fazer coincidir matematicamente o julgamento com as eleições.

Mas não se enganem. Na realidade, a minha condenação é a tentativa de condenar todo um partido, todo um projeto político que vem mudando, para melhor, o Brasil. Sobretudo para os que mais precisam.

Mas eles fracassarão. O julgamento da população sempre nos favorecerá, pois ela sabe reconhecer quem trabalha por seus justos interesses. Ela também sabe reconhecer a hipocrisia dos moralistas de ocasião.

Retiro-me do governo com a consciência dos inocentes. Não me envergonho de nada. Continuarei a lutar com todas as minhas forças por um Brasil melhor, mais justo e soberano, como sempre fiz.

Essa é a história dos apaixonados pelo Brasil que decidiram, em plena ditadura, fundar um partido que se propôs a mudar o país, vencendo o medo. E conseguiram. E, para desgosto de alguns, conseguirão. Sempre.

São Paulo, 10 de outubro de 2012

José Genoíno Neto

O escândalo do escândalo é a falta de provas.

Sem domínio, sem fatos

20:55, 10/10/2012 Paulo Moreira Leite

Talvez seja a idade, quem sabe as lembranças ainda vivas de quem atravessou a adolescência e o início da idade adulta em plena ditadura. Mas não consigo conviver com a ideia de que cidadãos como José Genoíno e José Dirceu possam ser condenados por corrupção ativa sem que sejam oferecidas provas consistentes e claras. A Justiça é um direito de todos. Mas não estamos falando de personagens banais.

Sei que os mandantes de atos considerados criminosos não assinam papéis, não falam ao telefone nem deixam impressão digital. Isso não me leva a acreditar que toda pessoa que não assina papel, não fala ao telefone nem deixa impressão digital seja chefe de uma quadrilha.

Sei que existe a teoria do domínio do fato. Mas ela não é assim, um absoluto. Tanto que, recentemente, o célebre Taradão, apontado, por essa visão, como mandante do assassinato de irmá Dorothy, conseguiu sentença para sair da prisão. Contra Taradão havia confissões, testemunhas variadas, uma soma impressionante de indícios que não vi no mensalão. Mesmo assim, ele foi solto.

Não estamos no universo do crime comum. Estamos no mundo cinzento da política brasileira, como disse o professor José Arthur Gianotti, pensador do país e, para efeitos de raciocínio, tucano dos tempos em que a geração dele e de Fernando Henrique lia O Capital.

O país político funciona neste universo cinzento para todos os partidos. Eu e acho, de saída, que é inacreditável que dois esquemas tão parecidos, que movimentaram quantias igualmente espantosas, tenham recebido tratamentos diferentes – no mesmo tempo e lugar.

O centro desse universo é uma grande falsidade. O mensalão dos petistas, que condenou Dirceu e Genoíno, foi julgado pelo Supremo em clima de maior escândalo da história, definição que, por si só, já pedia, proporcionalmente, a maior condenação da história.

Já o mensalão do PSDB-MG escapou pela porta dos fundos. Ninguém sabe quando será julgado, ninguém saberá quando algum nome mais importante for absolvido em instancias inferiores, ninguém terá ideia do destino de todos. Bobagem ficar de plantão a espera do resultado final. Esse barco não vai chegar.

O caminho foi diferente, a defesa terá mais chances e oportunidades. Não dá para corrigir.

O PSDB-MG passará, no mínimo, por duas instâncias. Quem sabe, algum condenado ainda poderá bater às portas do STF – daqui a alguns anos. Bons advogados conseguem tanta coisa, nós sabemos…

Não há reparação possível. São rios que seguiram cursos diferentes, para nunca mais se encontrar.

Partindo desse julgamento desigual, eu fico espantado que Dirceu tenha sido condenado quando os dois principais casos concretos – ou provas – contra ele se mostraram muito fracas.

Ponto alto da denúncia de Roberto Jefferson contra Dirceu, a acusação de que Marcos Valério fez uma viagem a Portugal para arrumar dinheiro para o PTB e o PT se mostrou uma história errada. Lobista de múltiplas atividades, Valério viajou a serviço de outro cliente, aquele banqueiro da privatização tucana que ficou de fora do julgamento. Ricardo Lewandoswski explicou isso e não foi contestado.

Outra grande acusação, destinada a sustentar que Dirceu operava o esquema como se fosse o dono de uma rede de fantoches, revelou-se muito mais complicada do que parecia. Estou falando da denúncia de que, num jantar em Belo Horizonte, Dirceu teria se aliado a Katia Rebelo, a dona do Banco Rural, para lhe dar a “vantagem indevida” pelos serviços prestados no mensalão.

A tese é que Dirceu entrou em ação para ajudar a banqueira a ganhar uma bolada – no início falava-se em bilhões – com o levantamento da intervenção do Banco Central no Banco Mercantil de Pernambuco. O primeiro problema é que nenhuma testemunha presente ao encontro diz que eles sequer tocaram no assunto.

Mas é claro que você não precisa acreditar nisso. Pode achar que eles combinaram tudo para mentir junto. Por que não?

Mas a sequencia da história não ajuda. Valério foi 17 vezes ao BC e ouviu 17 recusas. A intervenção no Banco Mercantil só foi levantada dez anos depois, quando todos estavam longe do governo. Rendeu uma ninharia em comparação com o que foi anunciado.

De duas uma: ou a denuncia de que Dirceu trabalhava para ajudar o Banco Rural a recuperar o Mercantil era falsa. Ou a denuncia é verdadeira e ele não tinha o controle total sobre as coisas.

Ou não havia domínio. Ou não havia fato.

Aonde estão os super poderes de Dirceu?

Estão na “conversa”, dizem. Estão no “eu sabia”, no “só pode ser”, no “não é crível” e assim por diante. Dirceu conversava e encontrava todo mundo, asseguram os juízes. Mas como seria possível coordenar um governo sem falar nem conversar? Sem sentar-se com cada um daqueles personagens, articular, sugerir, dirigir. Conversar seria prova de alguma coisa?

Posso até imaginar coisas. Posso “ter certeza.” Posso até rir de quem sustenta o contrário e achar que está zombando da minha inteligência.

Mas para condenar, diz a professora Margarida Lacombe, na GloboNews, é preciso de provas robustas, consistentes. Ainda vivemos no tempo em que a acusação deve apresentar provas de culpa.

Estamos privando a liberdade das pessoas, o seu direito de andar na rua, ver os amigos, e, acima de tudo, dizer o que pensa e lutar pelas próprias ideias.

Estamos sob um regime democrático, onde a liberdade – convém não esquecer – é um valor supremo. Podemos dispor dela, assim, a partir do razoável?

Genoíno também foi condenado pelo que não é crível, pelo não pode ser, pelo nós não somos bobos. Ainda ouviu uma espécie de sermão. Disseram que foi um grande cara na luta contra a ditadura mas agora teve um problema no meio da estrada, um desvio, logo isso passa.

Julgaram a pessoa, seu comportamento. E ouviu a sentença de que seu caráter apresentou falhas.

Na falta de provas, as garantias individuais, a presunção da inocência, foram diminuídas, em favor da teoria que permite condenar com base no que é “plausível”, no que é “crível” e outras palavras carregadas de subjetividade, de visão

Não custa lembrar – só para não fazer o papel de bobo — que se deixou de lado o empresário das privatizações tucanas que foi um dos primeiros a contribuir para o esquema, um dos últimos a aparecer e, mais uma vez, um dos primeiros a sair.

Já perdemos a conta de casos arquivados no Supremo por falta de provas, ou por violação de direitos individuais, ou lá o que for, numa sequência de impunidades que – involuntariamente — ajudou a formar o clima do “vai ou racha” que levou muitos cidadãos honestos e indignados a aprovar o que se passou no julgamento, de olhos fechados.

Juizes do STF tiveram uma postura muito estranha quando emparedaram o governo Lula, ainda no exercício do cargo, em função de uma denuncia – absurdamente falsa – de que um de seus ministros fora grampeado, em conversa com o notável senador Demóstenes Torres, aquele campeão da moralidade que tinha o celular do bicheiro, presentes do bicheiro, avião do bicheiro…o mesmo bicheiro que ajudou a fazer várias denuncias contra o governo Lula, inclusive o vídeo dos Correios que é visto como o começo do mensalão.

A condenação contra José Genoíno e José Dirceu sustenta-se, na verdade, pelo julgamento de caráter dos envolvidos. Achamos que eles erraram. Não há fatos, não há provas. Mas cometeram “desvios”.

Aí, nesse terreno de alta subjetividade, é que a condenação passa a fazer sentido. Os poucos fatos se juntam a uma concepção anterior e formam uma culpa.

A base deste raciocínio é a visão criminalizada de determinada política e determinados políticos.

(Sim. De uma vez por todas: não são todos os políticos. O mensalão PSDB-MG lembra, mais uma vez, que se fez uma distinção entre uns e outros.)

Os ministros se convenceram de que “sabem” que o governo “comprava apoio” no Congresso. Não contestam sequer a visão do procurador geral, que chega a falar em sistema de “suborno”, palavra tão forte, tão crua, que se evita empregar por revelar o absurdo de toda teoria.

Suborno, mesmo, sabemos de poucos e não envolvem o mensalão. Foram cometidos em 1998, na compra de votos para a reeleição. Mas pode ter havido, sim, casos de suborno.

Mas é preciso demonstrar, mesmo que não seja preciso uma conversa grampeada, como Fernando Rodrigues revelou em 1998.

Nesta visão, confunde-se compensações naturais da política universal com atitudes criminosas, como crimes comuns. Quer-se mostrar aos políticos como fazer politica – adequadamente.

Chega-se ao absurdo. Deputados do PT, que nada fariam para prejudicar um governo que só conseguiu chegar ao Planalto na quarta tentativa, são acusados de terem vendido seu apoio em troca de dinheiro. Não há debate, não há convencimento, não há avaliação de conjuntura. Não há política. Não há democracia – onde as pessoas fazem alianças, mudam de ideia, modificam prioridades. Como certas decisões de governo, como a reforma da Previdência, não pudessem ser modificadas, por motivos corretos ou errados, em nome do esforço para atravessar aquele ano terrível de 2003, sem crescimento, desemprego alto, pressão de todo lado.

A formula é tudo por dinheiro é nome de programa de TV, não de partido político.

Imagino se, por hipótese, a Carta ao Povo Brasileiro, que contrariou todos os programas que o PT já possuiu desde o encontro de fundação, no Colégio Sion, tivesse de ser aprovada pelo Congresso.

Tenho outra dúvida. Se este é um esquema criminoso, sem relação com a política, alguém poderia nos apresentar – entre os deputados, senadores, assessores incriminados – um caso de enriquecimento. Pelo menos um, por favor. Porque a diferença, elementar, para mim, é essa.

Dinheiro da política vai para a eleição, para a campanha, para pagar dívidas. Coisas, aliás, que a denuncia de Antônio Fernando de Souza, o primeiro procurador do caso, reconhece.

Decepção. Não há este caso. Nenhum político ficou rico com o mensalão. Se ficou, o que é possível, não se provou.

Claro que o Delúbio, deslumbrado, fumava charutos cubanos. Claro que Silvinho Pereira ganhou um Land Rover. A ex-mulher de Zé Dirceu, separada há anos, levou um apartamento e conseguiu um emprego.

Mas é disso que estamos falando? É este o “maior escândalo da história”?

Os desvios de dinheiro público, comprovados, são uma denúncia séria e grave. Deve ser apurada e os responsáveis, punidos.

Mas não sabemos sequer quanto o mensalão movimentou. Dois ministros conversaram sobre isso, ontem, e um deles concluiu que era coisa de R$ 150 milhões. Queria entender por que se chegou a este número.

Conforme a CPMI dos Correios, é muito mais. Só a Telemig – daquele empresário que ficou esquecido – compareceu com maravilhosos R$ 122 milhões, sendo razoável imaginar que, pelo estado de origem, seu destino tenha sido o modelo PSDB-MG. Mas o Visanet entregou R$ 92,1 milhões, diz a CPMI. A Usiminas – olha como é grande o braço mineiro – mandou R$ 32 milhões para as agências de Marcos Valério. Mas é bom advertir: isso está na CPMI, não é prova, não é condenação.

A principal testemunha, Roberto Jefferson, acusou, voltou atrás, acusou de novo… Fez o jogo que podia e que lhe convinha a cada momento. Disse até que o mensalão era uma criação mensal. (Está lá, no depoimento à Polícia Federal).

Eu posso pinçar a frase que quiser e construir uma teoria. Você pode pinçar outra frase e construir outra teoria. Jefferson foi uma grande “obra aberta” do caso.

O nome disso é falta de provas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Hugo Chávez X O Globo. Isso você não viu na TV.

O vídeo, a seguir, é uma peça que corrobora para uma leitura mais limpa e sem ruídos, de como a holigarquia manipula mídia e governos, em seu favor, pouco se importanto com as tragédias humanas produzidas a partir das suas ações.

Para montar as suas farsas, a imprensa golpista se vale de assassinatos de ativistas, manipulação da realidade e distorção da verdade para atingir a reputação daqueles a quem se opõem.

Valeria a pena comparar o vídeo com a matéria produzida pelo global (se é que ela foi produzida).

Se alguém a encontrar, mande pra gente!


terça-feira, 9 de outubro de 2012

A bala de prata, que deveria matar Lula e o PT, pode ferir de morte o Estado de Direito.


STF e o “mensalão”: Decisão perigosa sem precedentes para a segurança do indivíduo



No Brasil, uma Justiça que se baseia em conjecturas e condena por presunção.

Gilberto de Souza, via Correio do Brasil

O julgamento da Ação Penal (AP) 470, no Supremo Tribunal Federal (STF), sob os holofotes de setores da mídia comprometidos com os mesmos interesses que mantiveram de pé uma das piores ditaduras já vividas na América Latina, vai muito além das cores fortes com as quais o ministro Joaquim Barbosa, relator do processo conhecido como “mensalão”, tenta tingir a realidade ao contar uma história crível até, verossímil como os grandes romances, mas afastada das provas contidas nos autos. Se a compra de votos de parlamentares transitar em julgado na mais alta Corte de Justiça do País, com base nos votos consignados por guardiões da Constituição brasileira para que consigam dormir à noite, amparados na experiência de vida de cada um, ou ainda por não ser possível não se saber de algo que não foi dito, nem provado, nas investigações ao longo de quase uma década, a possível prisão do ex-ministro José Dirceu será a menor das consequências. A maior delas estará no risco em que viveremos, todos, diante de uma Justiça que se baseia em conjecturas e condena por presunção.

A repercussão será devastadora se o Supremo materializar sem uma prova sequer, como constatou o revisor da AP 470, ministro Ricardo Lewandowski, os piores fantasmas da imaginária conspiração comunista mais barburda de que já se teve notícia, para perpetuar no poder o grupo liderado por aquele líder sindicalista, Luiz Inácio Lula da Silva, ligado aos ex-guerrilheiros Daniel e Luiza. É aí que começam as incongruências. Em primeiro lugar, os livros de História do Brasil precisarão contar que a tentativa do suposto esquema de financiamento da esquerda radical teve seu Joaquim Silvério dos Reis no ex-deputado de extrema-direita Roberto Jefferson. Depois, que todas as votações na Câmara dos Deputados e no Senado, durante o período de vigência do esquema do “mensalão”, tiveram de ser anuladas por vício de origem, o que desmoralizará de forma indelével o Poder Legislativo nacional. E por último, embora não menos importante, nenhuma prova foi exigida no corpo do processo para que os réus seguissem às galés. O mais grave, porém, estará à frente, com o estabelecimento da jurisprudência.

A partir de então, lá no futuro, qualquer juiz de primeira instância, diante de uma denúncia na paróquia, transformada em processo com base naquela fofoca da D. Candinha que ganhou as manchetes da Folha de Mato Dentro, considerada muito plausível segundo a experiência de vida da comunidade conservadora local, o magistrado condenará o acusado que, por coincidência, era desafeto do dono do jornal e da revista que ora lhe conferem superpoderes de herói na pequena, aprazível e imaginária Gotham City. Ainda assim, sem um pingo de culpa por rasgar séculos de lutas e conquistas do indivíduo, colocará a cabeça no travesseiro para uma boa noite de sono. Ao miserável, ainda bem, será possível recorrer da sentença à Corte imediatamente superior, expediente negado aos réus desta ação no STF. Mas, se tal situação hipotética soa como absurdo, o pior na realidade é a sensação que passará a reinar no país, a de que o impensável integra o cotidiano. Ao abandonar o marco de segurança mínima dos direitos individuais, que é a exigência das provas contidas nos autos para que alguém seja condenado à pena privativa de liberdade, alguns integrantes do Tribunal mais importante do país poderão viver no sossego de suas consciências, mas terão transformado em pesadelo a vida de toda uma nação.

Uma vez aceso o estopim da bomba armada por Carlos Augusto Ramos, o contraventor Carlinhos Cachoeira, que explodiu no bolso daquele funcionário dos Correios, junto com o pacotinho de R$3 mil, nada mais seguro para o alvo primário das investigações do que se misturar à multidão e acusar o maior número possível de pares na Câmara dos Deputados de se vender ao esquema urdido por comunistas sanguinários instalados no poder. A Igreja se arrepia. A Casa Grande desfia o relho. As condições para um novo golpe de Estado no Brasil se apresentam. Mas a tentativa falha porque o presidente da República detinha, à época, os maiores índices de aprovação jamais vistos na história desse país. Paciência. Teriam nova oportunidade mais à frente, no julgamento do “mensalão”.

Os autores da ópera bufa que criava a figura da compra de consciência dos parlamentares haviam plantado a semente transgênica no relatório da PGR. Pasmem. O esquema, disseram, visava a aprovação de duas reformas absurdamente importantes para a implantação do stalinismo no Brasil: da Previdência e a Lei de Falências. Como toda história mal contada, faltam os fundamentos mais pueris. Fossem os textos de ambas um avanço no campo socialista, capazes de abrir caminho para a implantação do comunismo na América do Sul, seria possível apontar o dedo longo dos conservadores na direção do Planalto. Mas, ao contrário, da dissidência do Partido dos Trabalhadores, acusado de manobrar alguns graus à direita, nasceu o Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL), integrado por parlamentares insatisfeitos, principalmente, com a alteração no regime previdenciário do País. Esse mesmo texto recebeu o apoio de partidos da oposição, pelas mesmas razões. Se alguém vendeu algo nesse episódio, não foi o voto.

O veneno destilado pela Procuradoria Geral da República (PGR) não foi suficiente para inocular todo o processo. Com isso, parece que todos concordam. Ainda assim, engolido de um trago só pela relatoria, viu-se transformada em lenda a mais pura e simples bandalheira. Ainda que vultoso, trata-se do comezinho furto aos cofres públicos por uma fenda aberta pela quadrilha do então publicitário Marcos Valério, experimentado nessas lides desde o mensalão mineiro. Este transcorreu sem falhas, a ponto de nenhum tucano do bando ter experimentado, até hoje, o alpiste na gaiola. Mas, ao tornar a história um fato, sem que as provas contidas nos autos embasassem a argumentação fantasiosa e eletrizante, quase uma novela das 8, estão prestes a lançar o país em um abismo jurídico sem precedentes. Parecem desconhecer que tal jurisprudência será capaz de atingir, indistintamente, a todo e qualquer cidadão deste país.

Ainda mais irresponsáveis são os donos dos jornais diários, revistas e redes de tevê que incensam um disparate de tal envergadura. Esses empresários viram no enredo outra chance de ouro para lustrar, com a língua, as botas do capital internacional que os sustentam. Ao tomar em vão o santo nome da liberdade de imprensa – sagrada e louvada por todo o sempre, salve, salve, amém – os grandes meios de comunicação aplicam seus poderes, imensos, de forma a encostar na parede, de um lado, o governo da presidenta Dilma Rousseff. Com isso, garantem recursos públicos bilionários em contratos de publicidade para seguir mais fortes no encabrestamento do Estado. E, de outro, o Poder Judiciário. Este último parece ser ainda mais simples de manobrar. Basta conceder algumas fotos nas capas, umas campanhas de marketing nas redes sociais e aplausos em aviões e restaurantes para acender o imenso braseiro do ego de alguns magistrados. Assim, conseguem sonhar com carneirinhos, acreditar em contos de fadas e dispensar as provas imprescindíveis para que um cidadão seja encarcerado.

Em nome de seus próprios interesses, e apenas em nome deles, sem pensar nas consequências do ato prestes a ser praticado, parcela considerável da elite puxa o gatilho de uma arma carregada de ódios e mágoas na direção da própria têmpora. Uma vez disparada, a bala de prata que deveria matar o “sapo barbudo” e exterminar os “petralhas” estará pronta a ferir de morte o Estado de Direito e a segurança individual de todos os brasileiros.

Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.

PT é o grande vitorioso dessa eleição.

Quem tem medo da mensagem das urnas

06:39, 9/10/2012

Paulo Moreira Leite Política, eleições

Confesso que o sorriso amarelo dos coveiros de Lula e do PT é um dado preocupante de nosso momento político.

Explico. Nos tempos da ditadura, o grande Ulysses Guimarães, personalidade maior da resistência, dizia que era preciso ouvir a voz das ruas. É que naquele tempo, com a imprensa censurada, os deputados cassados, os partidos reprimidos, o país falava pelas ruas. Eram passeatas, protestos e greves.

Quem ouviu a voz das ruas se deu bem. Percebeu o rumo da história, modificou prioridades, apostou na direção do futuro. Quem não entendeu isso ficou olhando a vida passar pela janela.

A voz das urnas de 2012 é muito clara. Olhe só:

a) o PT recebeu o maior número de votos da campanha. Ou seja: no país inteiro, 17, 3 milhões de brasileiros saíram de casa, há dois dias, para votar em candidatos deste partido; o PSDB teve 3 milhões de votos a menos;

b) o PT ganhou 14% a mais de prefeituras, enquanto o PSDB perdeu 12% e o PMDB perdeu 14%;

c) entre as cidades de mais de 200 000 habitantes, o PT foi melhor que os outros; emplacou 8 prefeitos no primeiro turno e disputará 22 prefeituras em segundo turno; o PSDB, que ficou em segundo, ganhou 6 e disputa 17;

d) entre partidos menores, o PSB cresceu muito. O número de prefeituras aumentou 43%. Vamos lembrar: o PSB não é um partido de oposição nem é neutro. Faz parte da base do governo Dilma e colhe os benefícios do crescimento do Nordeste, acelerado a partir de 2003. A maior vitória do PMDB ocorreu no Rio de Janeiro e envolve uma aliança federal e municipal entre o Planalto e os pemedebistas de Sérgio Cabral e Eduardo Paes. Eles também são aliados de Lula e Dilma. Numa cidade célebre por seu oposicionismo, onde se vaia até minuto de silêncio, a situação teve 64% dos votos.

e) o PSD surgiu hoje como a quarta legenda. Vamos lembrar: quando Gilberto Kassab disse que ia fazer um partido que não era de esquerda nem de direita, ele queria dizer que estava indo da direita para a esquerda – e se aproximava de Dilma. Tomou porrada por isso. Não por uma suposta impureza ideológica.

Estes dados me parecem sólidos o suficiente para dizer quem ganhou a eleição. Em função do segundo turno, é cedo para medir o resultado pelo número final de prefeituras conquistadas. Este aspecto é importantíssimo.

Mas para medir a vontade do eleitor, este é o melhor momento. Todo mundo teve direito de levar sua mensagem a TV, dar porrada, levar porrada, e o saldo está aí.

Voltando à mensagem da rua e das urnas.

Quem não entendia a mensagem da rua, no tempo da ditadura, partiu para a ignorância. O povo dizia que queria democracia e eles até atrapalhavam a abertura lenta e gradual. Matavam presos políticos para criar crises e elevar a tensão. Promoviam atentados terroristas, com a mesma finalidade. Fizeram a bomba do Rio Centro, explodiam bancas de jornal. Assassinaram dona Lida, secretaria da OAB. Infiltravam-se em greves, assembleias, passeatas.

Essa reação criminosa é inaceitável mas pode ser explicada. Incapaz de dar respostas à história, o que dificulta até o dialogo com os próprios filhos, o sujeito procura ressuscitar o passado através de ações criminosas.

É aquela cena de filme de terror classe B em que o morto vivo ressurge de dentro da terra.

Também temos, em 2012, quem não consegue sequer ouvir a voz das urnas.

E isso é um problema?

Eu acho. Não digo que leva o cidadão para o terrorismo. Não obrigatoriamente rsrsrsrs.

Mas leva ao jogo sujo. Leva a mentira, a trapaça. Por que? Porque a pessoa parou de trabalhar com a realidade, deixou de olhar para aquilo que eu e você podemos ver – e que o números de domingo mostram – para jogar com sua própria fantasia. Não aceita que a maioria dos cidadãos aprove um governo que realizou mudanças modestíssimas, precárias, etc, mas que lhe permite viver um pouco melhor, comer um pouco melhor e assim por diante.

E é da democracia aceitar que a maioria – mesmo a mais humilde, menos educada formalmente – tem o direito de optar por seu destino. É democrático procurar entender o que a maioria diz e pretende. Até para tentar convencê-la a mudar de pensamento, se for o caso.

Quem não enxerga a maioria, não compreende o que ela diz, tem reações autoritárias. Parte para o baixo nível, o jogo sujo, a mentira.

E é este, só este, meu receio para o segundo turno. Negar o que as urnas disseram, há dois dias, é procurar um caminho para a baixaria que todos conhecemos e lamentamos. Ou será que para alguns não há alternativa?

Deu para entender, certo?