Arrecadação x carga tributária, ou de como um panfleto da Folha desinforma
Folha dá espaço a peça de marketing liberal ideologicamente (Foto: Reprodução)
A Folha de S.Paulo, cada vez mais especializada em panfletos, traz em sua capa desta terça-feira (26) uma manchete numérica: "R$ 1.000.000.000.000,00", ou seja, um trilhão de reais, referindo-se ao que chama, na matéria, de "Carga tributária chega a R$ 1 tri hoje".
A previsão é de uma instituição privada, Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. A entidade mantém no centro da cidade um placar eletrônico, o "impostômetro", por meio do qual estima que desde o início deste ano "os brasileiros pagaram" mais de R$ 3 bilhões em tributos por dia até agora.Na opinião do autor deste post, trata-se de uma iniciativa divertida em se tratando de marketing, liberal no plano ideológico e anti-didática na esfera da comunicação – pois, em vez de convidar a opinião pública a refletir e a engajar-se num debate a respeito de uma reforma tributária justa e equilibrada, apenas incita a população a desgostar de impostos, para o quê não é necessário muito esforço. E no caso da Folha, mais uma vez a matéria desmente a manchete.
Tecnicamente, emprega-se a expressão "carga tributária" para designar a proporção do total de tributos arrecadados em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Então, o que deve chegar hoje a R$ 1 tri é o volume de impostos (municipais, estaduais e federais) arrecadados, e não a carga tributária.
O Brasil fechou o ano de 2009 com PIB de R$ 3,14 trilhões e com um total de impostos arrecadados (municipais, estaduais e federais ) de R$ 1,05 trilhão – assim, a carga tributária foi de pouco mais de 33% do PIB. No ano anterior, arrecadação de R$ 1,03 trilhão para PIB de R$ 3 trilhões – carga pouco acima de 34%. Os dados são da Receita Federal.
Em 2008, o Brasil chegou à marca de R$ 1 tri em 15 de dezembro, informa o texto da Folha. No ano passado, alcançou-a em 14 de dezembro. E explica o experiente repórter Marcos Cezari: "A marca de R$ 1 trilhão em 2009 deveria ter sido alcançada já em novembro, mas, devido à crise econômica (...), só foi atingida um dia antes da de 2008".
E só no fim a reportagem explica também por que, agora em 2010, a marca deve ser antecipada: "Neste ano, a marca será atingida 50 dias antes da de 2009 devido ao avanço da economia e ao maior número de empregos formais". E finaliza: "Com o aquecimento econômico, as empresas produzem mais, vendem mais, lucram mais e pagam mais tributos. O mesmo ocorre com as pessoas físicas, devido ao aumento do emprego e da renda".
Capa da Folha desta terça-feira (26), destaca campanha anti-imposto (Reprodução)
Trata-se de mais um capítulo da série "A Folha desmente a Folha". Ou, neste novo episódio, de como transformar uma notícia boa sobre a economia do país em um panfleto negativo.
Altos e baixos
Em 1999, início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso e primeiro ano em que o governo desfez a ilusão cambial que marcou a primeira fase do plano Real, a carga tributária foi de 30% do PIB. Essa carga subiu quase 20% durante o segundo tempo de FHC, chegando em 2002, seu último ano, em 35,86% (ou arrecadação de 473,8 milhões e PIB de R$ 1,3 trilhão).Durante a era Lula, a mais alta relação impostos/PIB se deu em 2005, 37,3%. Quatro anos depois, com crescimento econômico, expansão da produção industrial, aumento das vendas do comércio, aumento do nível de empregos e da massa salarial – com uma crise mundial no meio disso –, a arrecadação está bem maior, mas, como se vê, a carga diminuiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente e ajude a construir um conteúdo mais rico e de mais qualidade.