sábado, 31 de julho de 2010

Neoliberalismo nutre desigualdade social

O crescimento predador na Índia

Economia do país asiático mantém elevadas taxas de crescimento há anos e para muitos é um exemplo a seguir. Afirma-se inclusive que a experiência do subcontinente é mostra de que o neoliberalismo pode de fato funcionar. Mas a realidade é outra e a evolução econômica é um processo patológico que se nutre da desigualdade social e da destruição ambiental.

Por Alejandro Nadal
[27 de julho de 2010 - 19h14]

A economia da Índia mantém elevadas taxas de crescimento desde há vários anos e para muitos é um exemplo a seguir. Afirma-se inclusive que a experiência do subcontinente é mostra de que o neoliberalismo pode de fato funcionar. A realidade é outra. A evolução da economia indiana é um processo patológico que se nutre da desigualdade social e da destruição ambiental.

A Índia manteve um crescimento modesto após a independência em 1947. O projeto de industrialização sustentou uma expansão reduzida (4%) mas estável de 1950 a 1980. O rendimento
per capita aumentou em média 1,3% ao ano nesse período. A balança comercial manteve-se com déficit permanente e a economia esteve fechada aos fluxos comerciais e de capital.

A crise mundial da dívida nos anos 80 submeteu a Índia aos princípios do Fundo Monetário Internacional e nos anos 90 foram impostas as reformas de corte neoliberal, o que representou uma virada radical na política econômica. Nos últimos 10 anos, a Índia teve em média uma taxa de crescimento anual de 6,8%. A imprensa internacional apresentou isto como um milagre econômico.

Nestes anos, a desigualdade e a pobreza na Índia pioraram. Hoje, 42% da população total desse país (1,73 bilhão) vive com menos de um dólar diário. 75% da população vive com dois dólares diários e o modelo econômico não vai reverter esta estrutura tão desigual.

Apesar das taxas de crescimento de 6% a 7%, o aumento no emprego formal na Índia é raquítico e não passa de 1% ao ano. Por certo, isso significa que a expansão econômica apoia-se em aumentos de produtividade muito significativos. Isso relaciona-se com a estratégia de orientar o investimento para as exportações, o que requer abater ao máximo os custos salariais para poder competir. Por isso, a “racionalização” das cadeias de produção é acompanhada de fortes cortes no emprego.

Apesar do “milagre” nas taxas de crescimento, a Índia mantém um déficit crônico nas suas contas externas e precisa financiá-lo. Para isso, optou por receber fluxos de capital, tanto em investimento estrangeiro direto, como em investimentos em carteira (capitais de curto prazo). Mas isto acarreta um enorme custo: a política macro-econômica deve respeitar regras do jogo, que não têm nada a ver com as necessidades da população indiana.

A política monetária é dominada pela necessidade de atrair capitais para o espaço econômico indiano. Isso implica manter altas taxas de juro. Além disso, só os privilegiados têm acesso ao crédito; tudo isto imprime um viés regressivo na distribuição da riqueza ao ser privilegiada a carteira de ativos dos estratos mais ricos e aprofundada a desigualdade. Mas isso é irrelevante: o que importa é manter o fluxo de capitais que permite financiar o déficit externo.

Tudo isto explica que a Índia tenha hoje as reservas mais elevadas da sua história (230 bilhões de dólares). Nisto parece-se com a China, mas a diferença é que aquele país tem um enorme superávit na sua balança comercial, enquanto a Índia sofre um déficit crônico. As reservas da Índia não o são propriamente, são um recurso que em qualquer momento pode evaporar-se.

A política fiscal rege-se pelo dogma do orçamento equilibrado e, como não há que incomodar os donos do capital para não afetar os investimentos, obtém-se o equilíbrio fiscal cortando o gasto social e reduzindo a quantidade de recursos para a conservação ambiental.

A abertura ao investimento estrangeiro passa pela entrega de concessões nas indústrias extrativas, florestal e turística. Isto desemboca no despojo de terras nas quais se encontram as jazidas (ferro em Chhattisgarh, bauxita em Orissa etc.) ou cobertas com densos bosques que representam uma riqueza comercial de fácil acesso. Muitas dessas terras são o lar de povos originários ou
adivasi (termo derivado do sânscrito que significa primeiros habitantes do bosque). Os adivasi são menos de 8% da população da Índia, mas constituem 40% da população despojada de vales, cerros e bacias de rios. A entrega das suas terras a megacorporações nas indústrias extractivas e turísticas é um dos traços mais violentos do milagre neoliberal na Índia.

O economista Amit Bhaduri, professor emérito da Universidade Jawaharlal Nehru em Nova Deli, qualificou este processo como
crescimento predador. Há que clarificar que não se trata de uma metáfora. É efetivamente um complexo processo econômico e político no qual os perdedores entregam a sua forma de vida a um crescimento que privilegia uns poucos e não pode elevar o nível de vida da maioria da população.

O paralelismo com o México é extraordinário. Realmente, a única coisa diferente são as taxas de crescimento. O resto é idêntico. O mesmo modelo, a mesma injustiça.

Traduzido por
Infoalternativa.org. Fonte: La Jornada. Foto de http://www.flickr.com/photos/ahinsajain/.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente e ajude a construir um conteúdo mais rico e de mais qualidade.