quinta-feira, 22 de julho de 2010

Radiografia de um novo Brasil

Brasil: um outro patamar[1][1]
Propostas de estratégia
Ladislau Dowbor
10 de julho de 2010

O Brasil está partindo, nesta segunda década do milênio, de um novo patamar. Resistiu de forma impressionante à maior crise financeira desde 1929, e está apontando rumos baseados fundamentalmente no bom senso, e numa visão equilibrada dos interesses econômicos, das necessidades sociais, e dos imperativos ambientais. A visão econômica tradicional, presa às simplificações do Consenso de Washington, envelheceu de repente, e não corresponde aos desafios de uma sociedade moderna e complexa, que tem de buscar novas articulações de política econômica, social e ambiental.

Constatamos hoje que a presença de um forte setor estatal não é um estorvo, é um suporte fundamental. A regulação das finanças não implica burocratização, é uma proteção necessária contra a irresponsabilidade. Assegurar melhores salários e direitos aos trabalhadores não é demagogia, é a forma mais simples e direta de gerar demanda e uma conjuntura favorável. Apoiar os mais pobres da sociedade não é assistencialismo, é justiça, bom senso, e dinamiza a economia pela base. Investir nas regiões mais pobres não é um sacrifício, prepara novos equilíbrios ao gerar economias externas para futuros investimentos. Fazer políticas sociais não é um “bolo” que se divide, pois é o investimento na pessoa que mais gera dinâmicas econômicas, como já analisava Amartya Sen. Apoiar movimentos sociais não é distribuir benesses, é dar instrumentos de trabalho a organizações que conhecem profundamente a realidade onde estão inseridas, e apresentam flexibilidade e eficiência nas suas áreas específicas. Fazer política ambiental não “atrasa” o progresso, pois muito mais empregos geram as alternativas energéticas e o apoio à policultura familiar, do que extrair petróleo e desmatar para buscar lucros de curto prazo. Manter uma sólida base de impostos, não é “tirar da população”, é assegurar contrapesos indispensáveis para o desenvolvimento equilibrado do país.

A constatação dos avanços não implica subestimação dos desafios. O contexto internacional continua instável, com boa parte dos desequilíbrios do sistema financeiro privado dos países desenvolvidos simplesmente transformada em desequilíbrios públicos, gerando deficits impressionantes. Os desafios sociais, em que pesem os grandes avanços dos últimos anos, continuam imensos, exigindo iniciativas mais abrangentes. O conjunto do sistema tributário ainda aguarda uma revisão em profundidade, buscando maior racionalidade e justiça na captação, e maior eficiência e redistribuição na alocação orçamentária. A modernização e o resgate da dimensão publica do Estado ainda aguardam uma reforma política cada vez mais premente. As políticas ambientais precisam ser consolidadas e absorvidas na cultura tanto da administração pública, como das empresas e do comportamento do consumidor. De certa forma, os rumos tornaram-se mais claros, e a confiança da sociedade aumentou ao ver que os resultados os confirmam. Mas são etapas de uma construção que exige um constante repensar das estratégias.  

Um eixo chave a se considerar, é o aproveitamento racional dos potenciais impressionantes que o país possui, e a sua conjugação com os novos desafios ambientais. Temos a maior reserva de solo agrícola parado do planeta, uma das maiores reservas de água doce, temos clima e mão de obra, isto numa época em que a pressão por alimentos e biocombustíveis aumenta por toda parte. E o Brasil hoje domina tecnologias de ponta nesta área. Tem uma matriz energética invejável numa época em que a mudança do paradigma energético-produtivo está se tornando peça chave da construção do futuro. Tem a médio prazo eventos internacionais que o projetam mais ainda no cenário mundial. A disponibilidade maior do petróleo abre novas perspectivas. Juntando estes e outros fatores, se o país conseguir evitar a tentação de mais um ciclo ágro-exportador, ou o uso apressado dos novos recursos, e souber proteger o seu meio ambiente e aprofundar a construção de um novo equilíbrio social, a continuação do círculo virtuoso tem boas perspectivas. Em grande parte o futuro dependerá de como o Brasil administrará a equação da produção, do emprego, da renda e do meio-ambiente. O Brasil tem aberto novos caminhos, mas os desafios são grandes.

Não basta ter rumos, é preciso conseguir resultados. Imensa importância tem a lenta construção de formas mais democráticas de tomada de decisões. Frente ao peso político dos grandes grupos econômicos e das elites tradicionais a eles aliadas, o governo tem assegurado uma política de equilíbrios, buscando estimular a economia e assegurar as contrapartidas em termos sociais, e cada vez mais em termos ambientais. Os programas simplesmente funcionam, e funcionam porque são negociados, assegurando uma base razoável de apoio político. Mas também funcionam, no caso dos grandes programas sociais, porque no primeiro e segundo escalão técnico, que são as pessoas que carregam efetivamente o peso da gestão, estão pessoas que em geral vêm dos movimentos sociais, e conhecem efetivamente os problemas, sabem que tipo de parcerias têm de ser organizadas, entendem de mobilização em torno aos programas. Os movimentos sociais têm um papel vital nestes processos, e crescente no futuro. Com todas as dificuldades,  gerou-se, entre os diversos setores, uma cultura da negociação, da pactuação, do respeito aos interesses nucleares dos diferentes segmentos.

A visão desenhada no presente texto obedece a certas definições conceituais que se consideram adquiridas, e fazem parte do ideário básico que vem se cristalizando no país. Assim, antes de tudo, estaremos distinguindo o conceito de crescimento econômico, na visão  estreita de dinamização do produto interno bruto, do conceito de desenvolvimento que envolve a progressão equilibrada nos planos econômico, social, ambiental e cultural. O conceito de sustentabilidade aqui utilizado, refere-se à sustentabilidade ambiental, na definição clássica do Relatório Brundtland, de resposta às necessidades presentes sem comprometer as das gerações futuras. O conceito de desenvolvimento local ou regional não se refere a uma opção por uma unidade particular como o município, mas às complexas articulações territoriais que exigem os programas que, em última instância, exercem o seu impacto em espaços geográficos concretos. O conceito de planejamento não se refere a algum tipo de planejamento central autoritário, mas aos processos pactuados de definição de programas estruturais que permitem reforçar na gestão governamental a visão sistêmica que ultrapassa os cortes setoriais, e a visão de longo prazo que assegura a continuidade entre ciclos de gestão governamental. O conceito de governança é aqui utilizado no sentido amplo da gestão que envolve tanto a máquina governamental propriamente dita, como as articulações com o conjunto de atores sociais organizados que participam do processo decisório e impactam os rumos do desenvolvimento. 

Não se trata aqui de elaborar um plano no sentido tradicional, que nos levaria a apresentar propostas para todos os setores, inclusive a política de esportes, a política florestal e assim por diante, com todos os projetos. O presente documento tem dimensões muito limitadas, e busca desenhar em grandes traços o novo referencial, tanto nacional como internacional, que incide sobre os rumos desta década. Na parte propositiva, e buscando capitalizar acúmulos anteriores, privilegiou-se os eixos de ação que podem ser considerados “estruturantes” pelo peso sistêmico nas mudanças que estão ocorrendo no país. Isto envolve tanto uma visão para o futuro, como no caso das políticas tecnológicas que estão adquirindo peso determinante no planeta, como a correção dos desequilbrios herdados que pesam sobre o conjunto e precisam de correção acelerada, como a inclusão produtiva. Não haverá texto desta amplitude que recolha a unanimidade das visões, nem que responda a tantos interesses específicos. A lista de coisas a fazer é grande. O que se busca aqui é uma visão articulada dos principais eixos que ajudarão a dinamizar o conjunto. 
O texto que segue resume de forma ampla um conjunto de discussões que há cinco anos vêm se desenvolvendo no CDES, refletindo o amplo espectro de participantes, mas também os numerosos documentos, propostas e resoluções que têm sido discutidas com os mais variados setores da sociedade, além de consultas com especialistas das principais áreas de atividade. Há uma forte convergência no conjunto das visões, ainda que muita diversidade nas propostas. Recolhemos aqui as que nos pareceram mais contribuir para uma visão sistêmica coerente, e privilegiando a visão de conjunto. Buscamos também evitar a tentação de um texto que de tão geral e prudente, pouco significa. 

Para efeitos de sistematização, e evitando um texto demasiado burocrático, dividimos a apresentação em duas partes: a primeira trata do novo patamar de desenvolvimento que de certa forma constitui o referencial das mudanças ocorridas durante a última década, e aponta os ajustes necessários. A segunda se concentra na estratégia de desenvolvimento que permitirá ampliar as dinâmicas apresentadas na Agenda Nacional de Desenvolvimento anterior.


I – UM NOVO PATAMAR

1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades
2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso
3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade
4 - Os resultados: bases para uma nova expansão


Não há dúvida que estão soprando bons ventos. Há um clima de confiança que está se generalizando. Aqui não há vencedores nem vencidos. A melhor imagem é a de uma boa maré, que levanta todos os barcos. Para além do detalhe das propostas para o país nos diversos setores, esta é a visão: um Brasil que se desenvolve, com a participação de todos, de maneira sustentável, e por meio de decisões democraticamente negociadas.



1 - O novo contexto internacional: riscos e oportunidades
A crise financeira internacional de 2008 marcou um divisor de águas. As grandes simplificações relativas à dicotomia entre Estado e mercado, com o seu peso ideológico, deram lugar a atitudes de bom senso, de pragmatismo de resultados, de busca de equilíbrios. De certa forma, inovar em política voltou a ser legítimo. Este pensar de maneira inovadora é hoje essencial. No plano internacional, a crise não desaparece. Um PIB mundial de 60 trilhões de dólares, e 860 trilhões de dólares em papéis emitidos, geram instabilidade. Os déficits do setor especulativo privado foram transformados em déficit público, perda de aposentadorias e desemprego, e tanto os Estados Unidos como a Europa têm pela frente a busca de novos mecanismos de equilíbrio. Não se configura um horizonte estável e equilibrado no planeta. Para o Brasil, a diversificação das relações externas, com ênfase no Sul-Sul e na integração latino-americana, deve continuar prioritária.
No plano financeiro, o patamar do Brasil é hoje radicalmente diferente. Com 35 bilhões de dólares de reservas em 2002, o país estava a mercê de ataques especulativos. Hoje, com 250 bilhões em reservas, credor e não mais devedor do FMI – fato que financeiramente não é essencial mas é importante em termos simbólicos - diversificação comercial, e melhor equilíbrio entre o mercado interno e externo, o país tornous-e uma referência internacional. A forma como se manobrou entre os escolhos da crise financeira de 2008, inclusive com multinacionais repatriando grandes volumes de recursos das filiais para salvar as suas matrizes, passou a ser vista no mundo como uma prova de que bom senso e pragmatismo rendem mais do que as simplificações ideológicas. Isto gerou confiança, que permite hoje ao Brasil inclusive fazer exigências aos capitais que entram. O sucesso gera sucesso.
No plano comercial, uma população mundial que aumenta em 70 milhões de habitantes por ano, com ampliação do consumo, além do reforço pela opção por biocombustíveis, devem manter a tendência para uma demanda forte  por commodities. O Brasil, com a maior reserva mundial de solo agrícola parado, e 12% da reserva mundial de água doce, tem aqui trunfos excepcionalmente fortes. Mas deverá entrar cada vez mais em cena o problema da regulação internacional dos preços das commodities, hoje mais dependentes dos movimentos dos capitais especulativos do que propriamente do equilíbrio de oferta e demanda. Como exemplo, o comércio mundial de petróleo é de 85 milhões de barris por dia, e as trocas especulativas (papéis) diárias atingem 3.000 milhões de barris. O Brasil tem um forte papel a desempenhar na promoção de mecanismos de regulação nesta área.
Em termos geoeconômicos, a tendência é para um deslocamento da bacia do Atlântico para a bacia do Pacífico, com os fortes avanços da China e da Índia, que representam 40% da população mundial, e de demais países hoje muito dinâmicos como a Coréia do Sul e o Vietnã, ou simplesmente fortes como o Japão. Isto representa desafios estruturais para o Brasil. É de se lembrar aqui que enquanto os Estados Unidos realizaram a conexão ferroviária Atlântico-Pacífico em 1890, nós ainda sequer temos uma conexão adequada por rodovia. O deslocamento favorecerá tanto uma orientação mais integradora de infraestruturas na América Latina, como melhor equilíbrio de ocupação e uso do território no Brasil, ainda fortemente atlântico na demografia e na economia. O oeste, para nós, adquire nova importância.
Outro fator essencial do novo contexto internacional, é a crescente presença dos desafios ambientais no planeta. Enquanto a crise financeira internacional migrou dos bancos para os ministérios, e saiu das manchetes de jornais, a realidade da mudança climática, da liquidação da vida nos oceanos pela sobrepesca oceânica industrial, a destruição das matas (particularmente importantes no Brasil e na Indonésia), a erosão dos solos, a contaminação generalizada dos rios, dos lençóis freáticos e dos mares, geram preocupações que, independentemente dos resultados de Copenhague, exigem uma inclusão mais generalizada da visão da sustentabilidade ambiental em todas as decisões de políticas de desenvolvimento, tanto no setor público como no privado. O Brasil tem como se situar com vantagem neste plano, e deverá desempenhar um papel importante na Cúpula Mundial do Meio Ambiente de 2012 “Rio +20”.
No plano social, as preocupações são igualmente crescentes. Com a explosão especulativa na área dos grãos, a fome no mundo passou de 900 milhões para 1020 milhões de pessoas. De fome e outras causas absurdas morrem 10 milhões de crianças. A AIDS já matou 25 milhões de pessoas. O Banco Mundial estima em 4 bilhões o número de pessoas no mundo que estão “fora dos benefícios da globalização”. São situações insustentáveis. O equilíbrio social das políticas econômicas está adquirindo uma grande centralidade no planeta, e o Brasil, que mostrou durante os últimos anos a viabilidade de políticas que equilibram os objetivos econômicos e sociais, adquire aqui uma legitimidade excepcional.
No plano político, frente a uma economia que se globalizou em grande parte, estão começando apenas agora a se construir espaços de concertação internacional. Encerra-se, de certa maneira, a fase de monopólio de poder pelos Estados Unidos e de forma geral dos países desenvolvidos. Os BRICs começaram a ocupar o espaço político internacional, o G-20 começa a abrir um espaço regular de negociação, e o Brasil em particular assume uma forte presença internacional devida em grande parte ao modelo econômico, social e ambiental inovador e equilibrado que desenvolve, e que está simplesmente dando certo. O aprofundamento destas políticas, cuja tecnologia organizacional deu aqui grandes passos, deve marcar os próximos anos, e reforça o papel internacional do país.
Em termos de novo contexto internacional, a integração latino-americana está adquirindo um papel crescente. Esta política, é preciso dizê-lo, se caracterizou no passado mais pela criação de siglas do que de fatos, enquanto predominava a articulação de cada país com grupos particulares de interesses norte-americanos. Hoje constata-se avanços no plano das instituições, de mecanismos de financiamento, de infraestruturas (ainda incipientes), de codificação das migrações, da própria academia. O  Brasil tem um papel fundamental a exercer por razões tanto do seu peso específico, como pelas inovações políticas que tem desenvolvido e por haver tantas coisas em comum em termos dos dramas sociais herdados. A América Latina está adquirindo identidade.   
Um último ponto essencial decorre dos avanços tecnológicos, e em particular na área das tecnologias de informação e comunicação. O papel do acesso ao conhecimento, o barateamento das infraestruturas e dos equipamentos individuais, a generalização da conectividade planetária, a ampliação do acesso aos conhecimentos de todo o planeta, o surgimento de inúmeras atividades econômicas na chamada sociedade do conhecimento – todas estas mudanças estão se mostrando muito mais aceleradas do que previsto. Se no século passado os grandes embates políticos se davam em torno da propriedade dos meios de produção, na era da nova economia o acesso ao conhecimento e a definição dos seus marcos legais tornam-se questões centrais. No caso do Brasil, o salto para a economia do conhecimento pela generalização da banda larga e outras formas de acesso ao conhecimento abre importantes perspectivas de inclusão produtiva e melhoria de qualidade de vida. O desafio é cobrir o hiato entre estes desafios tecnológicos e o atraso educacional no plano interno, para ocupar o espaço correspondente no plano internacional.
No conjunto, o Brasil desempanha hoje na cena internacional um forte papel como parceiro adulto, portador não só da sua força econômica e riqueza cultural, mas também de propostas práticas e de bom senso no enfrentamento dos principais desafios sociais e ambientais, e de solidariedade com países em dificuldades. A confiabilidade e o respeito angariados não só ampliam o espaço de manobra do país, como se refletem fortemente, como se notou no caso da aprovação da Copa e das Olimpíadas, no sentimento de confiança em si no conjunto da população. Neste plano, o país parte realmente de outro patamar.

2 – Um novo modelo: o caminho do bom senso
O Brasil optou pelo enfrentamento da desigualdade como seu eixo estratégico principal. A materialização da estratégia se deu através da ampliação do consumo de massa. A visão enfrentou fortes resistências no início, mas os efeitos multiplicadores foram-se verificando no próprio processo de ampliação das políticas. Com a visão de bom senso de que o principal desafio do Brasil, a exclusão econômica e social de quase a metade  da sua população, podia ser um trunfo, o país encontrou um novo horizonte de expansão no mercado interno. A crescente pressão da base da pirâmide social brasileira por melhores condições de vida, articulada com a determinação do governo de promover as mudanças, gerou um círculo virtuoso em que o econômico, o social e o ambiental encontraram o seu campo comum. 
Os avanços sociais sempre foram apresentados no Brasil como custos, que onerariam os setores produtivos. As políticas foram tradicionalmente baseadas na visão de que a ampliação da competitividade da empresa passa pela redução dos seus custos. Isto tem duas vertentes. Enquanto a redução dos custos pela racionalização do uso dos insumos e pelo aproveitamento das novas tecnologias produtivas e organizacionais é essencial, pelo avanço de produtividade que permite, a redução de custos pelo lado da mão de obra reduz o mercado consumidor no seu conjunto, e tende a ter o efeito inverso. Ao reduzir o mercado consumidor, limita a escala de produção, e mantém a economia na chamada “base estreita”, de produzir pouco, para poucos, e com preços elevados.
É importante lembrar que faz todo sentido, para uma empresa individual, achar que com menos direitos sociais ou menores salários poderia reduzir os seus custos, tornando-se inclusive mais competitiva relativamente aos seus concorrentes. Mas a aplicação desta visão ao conjunto das empresas resulta em estagnação para todos. Em termos práticos, o que faz sentido no plano microeconômico, torna-se assim um entrave em termos mais amplos, no plano macroeconômico. As políticas redistributivas aplicadas de forma generalizada, atingindo portanto o conjunto das unidades empresariais, geram também mercados mais amplos para todos, reduzindo custos unitários de produção pelas economias de escala, o que por sua vez permite a expansão do consumo de massa, criando gradualmente um círculo virtuoso de crescimento. Se sustentada por mais tempo, esta política passa a pressionar a capacidade produtiva, estimulando investimentos, que por sua vez geram mais empregos e maior consumo. A expansão simultânea da demanda e da capacidade produtiva promove desenvolvimento sem as pressões inflacionárias de surtos distributivos momentáneos. A espiral de crescimento passa a ser equilbrada. E a verdade é que os setores que estagnam em termos salariais e de direitos sociais, também tendem a se acomodar em termos de inovação em geral.
Esta compreensão dificilmente se generaliza com explanações teóricas apenas. No entanto, a constatação de que funciona quando aplicada de maneira sustentada, e que viabiliza os negócios de cada um, convence muita gente, que vê os resultados práticos. De certa forma, o Brasil encontrou o seu rumo ao transformar o seu maior desafio, a pobreza, e a falta de capacidade de compra que a acompanha, em vetor de expansão do conjunto da economia. A distribuição, ao estimular a demanda, é que faz crescer o bolo. 
Uma segunda mudança, também ditada pelo bom senso, encontra-se na ampliação das políticas sociais em geral, envolvendo a educação, a saúde, a formação profissional, o acesso à cultura e à internet, à habitação mais digna. Aqui também está se invertendo uma visão tradicional. A herança teórica, das simplificações neoliberais, é de que quem produz bens e serviços, portanto o setor produtivo privado, gera riqueza. Ao pagar impostos sobre o produto gerado, viabiliza as políticas sociais, que representariam um custo. Deveríamos portanto, nesta visão, maximizar os interesses dos produtores, o setor privado, e moderar  as dimensões do Estado, o gastador. A realidade é diferente. Quando uma empresa contrata um jóvem engenheiro de 25 anos, recebe uma pessoa formada, e que representa um ativo formidável, que custou anos de cuidados, de formação, de acesso à cultura geral, de sacrifícios familiares, de uso de infraestruturas públicas as mais diversas, de aproveitamento do nível tecnológico geral desenvolvido na sociedade. As políticas sociais não constituem custos, são investimentos nas pessoas. E com a atual evolução para uma sociedade cada vez mais intensiva em conhecimento, investir nas pessoas é o que mais rende. A compreensão de que os processos produtivos de bens e serviços e as políticas sociais em geral são como a mão e a luva no conjunto da dinâmica do desenvolvimento, um financiando o outro, sendo todos ao mesmo tempo custo e produto, aponta para uma visão equilibrada e renovada das dinâmicas econômicas.
Um terceiro elemento chave é a política ambiental. A visão tradicional amplamente disseminada apresenta as exigências da sustentabilidade como um freio à economia, impecilho aos investimentos, entrave aos empregos, fator de custos empresariais mais elevados. Trata-se aqui simplesmente de uma conta errada, e amplamente discutida já em nível internacional, com a refutação do argumento da externalidade. Fazer o pre-tratamento de emissões na empresa, quando os resíduos estão concentrados, é muito mais barato do que arcar depois com rios e lençóis freáticos poluídos, doenças respiratórias e perda de qualidade de vida. Para a empresa ou uma administração local, sai realmente mais barato jogar os dejeitos no rio, mas o custo para a sociedade é incomparavelmente mais elevado. Desmatar a Amazônia gera emprego durante um tempo, mas não o mantém, a não ser com a progressão absurda da destruição. Aprofundar os investimentos em saneamento básico, em contrapartida, gera empregos, reduz custos de saúde, e aumenta a produtividade sistêmica. Investir em tecnologias limpas tende a promover os setores que serão mais dinâmicos no futuro e melhora a nossa competitividade internacional. E ao tratar de maneira sustentável os nossos recursos naturais, capitaliza-se o país para as gerações futuras, em vez de descapitalizá-lo. Fator igualmente importante, na economia global moderna uma política coerente em termos ambientais gera credibilidade e respeito nos planos interno e internacional, o que por sua vez abre mercados. A verdade é que a política ambiental ganhou nestes anos uma outra estatura, e se incorpora na nova política econômica que se desenhou no país. 
Um quarto eixo de política econômica encontra-se no resgate da capacidade de planejamento das infraestruturas do país. Boas infraestruturas, ao baratearem o acesso ao transporte, comunicações, energia, água e saneamento, geram economias externas para todos e elevam a produtividade sistêmica do território. O custo tonelada/quilómetro do transporte de mercadorias no Brasil é proibitivo, pois transportar soja e outros produtos de relação peso/valor relativamente baixo, em grandes distâncias, por caminhão, gera sobrecustos para todos os produtores. O resgate do transporte ferroviário, a reconstituição da capacidade de estaleiros navais e de transporte de cabotagem, a priorização do transporte coletivo nas metrópoles, o barateamento do acesso a serviços de telecomunicações e de internet banda larga, a busca da produtividade na distribuição e uso de água e em particular no destino dos esgotos, o reforço das fontes renováveis na matriz energética, conformam uma visão que pode abrir um imenso caminho de avanço para o conjunto das atividades econômicas. O planejamento e a forte presença do Estado são aqui essenciais. As infraestruturas constituem grandes redes que articulam o território. Constituem neste sentido um dos principais vetores de redução dos desequilíbrios regionais do país  Precisam, por exemplo, ser ampliadas nas regiões mais pobres, para dinamizar e atrair novas atividades, e são políticas públicas que podem arcar com este tipo de investimentos de longo prazo justamente nas regiões onde não geram lucros imediatos. Isto envolve planejamento, visão sistêmica e de longo prazo. As metrópoles brasileira estão se paralizando por excesso de meios de transporte e insuficiência de planejamento. O resgate desta visão, e a dinamização de investimentos coerentes com as necessidades do território,  constituem um trunfo para o desenvolvimento, e deverão desempenhar um papel essencial nesta decada.
Assim, políticas distributivas ancoradas numa visão de justiça social e de racionalidade econômica, a ampliação dos investimentos nas pessoas através das políticas sociais focalizadas, a gradual incorporação das dimensões da sustentabilidade ambiental no conjunto dos processos decisórios de impacto econômico, e a dinâmica de investimentos de infraestruturas que tanto reduzem o custo Brasil através das economias externas como melhoram a competitividade internacional, conformam um modelo que, em clima democrático e de paz social, está abrindo novos caminhos. Ter um modelo que não apenas faz sentido teórico, mas funciona, e convence grande parte dos atores econômicos e sociais do país, é um trunfo importante.  

3 - A política macroeconômica: pragmatismo e flexibilidade
Um dos pontos mais fortes da ampliação das perspectivas de desenvolvimento está na estabilização de um modelo de gestão macroeconômica. Neste plano também estamos frente a um novo patamar. Trata-se aqui do equilíbrio nas políticas de salários, de prêços, de crédito, de câmbio, de previdência, de investimentos e de arrecadação. Tecnicamente complexa, e foco de pressões constantes, a política macroeconômica no Brasil obedecia a uma visão neoliberal sofisticada em termos teóricos, mas que resultava ao fim e ao cabo em baixo crescimento e injustiça social, sempre com tom de seriedade e austeridade. A contenção salarial e os altos juros seriam justificados como instrumentos de proteção do povo contra a inflação. Esta área da economia sofre de um pecado original: poucas pessoas a entendem, e encontra-se portanto pouco sujeita a escrutínio democrático. E o passado inflacionário deixou marcas no inconsciente coletivo.
Em termos resumidos, a política adotada pode se resumir na expansão da economia pela inclusão progressiva da base da pirâmide social, o que aumenta a demanda agregada, o que por sua vez gera emprego, investimentos e maior demanda, levando o conjunto a uma espiral virtuosa de desenvolvimento. O nó da política macroeconômica está no equilíbrio das diferentes variáveis, tanto em termos de montantes como de ritmo. A política adotada caracterizou-se por uma grande flexibilidade e rapidez de resposta às mudanças das tendências nacionais e internacionais, uma boa dose de pragmatismo, e a busca de equilíbrios entre os interesses envolvidos.
Em termos práticos, a fase inicial, de 2003 a 2005, caracterizou-se por reajustes macroeconômicos ortodoxos, visando tranquilizar os agentes econômicos quanto à estabilidade das regras do jogo, cumprimento dos compromissos financeiros, contenção das pressões inflacionárias. Paralemamente, iam se construindo os instrumentos de gestão das políticas sociais, que têm como recurso escasso não o dinheiro, mas a capacidade administrativa, que se desenvolve mais lentamente. As minireformas tributária e previdenciária permitiram por sua vez estabilizar as contas. O bom preço das commodities e a diversificação dos acordos comerciais permitiram a redução da vulnerabilidade externa.
A segunda fase, de 2006 a 2008,  já se caracteriza pela articulação das políticas em torno a uma dinâmica acelerada de crescimento pela inclusão, lançando as bases das dinâmicas atuais. O cadastro unificado das famílias pobres, a unificação dos programas sociais no Bolsa Família, a forte progressão do salário mínimo (que envolve também o aumento das aposentadorias), o apoio à agricultura familiar (Pronaf), a expansão do crédito (crédito consignado, financiamentos do BNDES e de outros bancos do Estado),  a gradual expansão dos investimentos, geraram uma dinâmica de consumo na base da sociedade, e um reforço de investimentos no setor privado. O resultado foi uma forte expansão do emprego formal, com mais demanda. Em outros termos, o Estado assumia a sua função de indutor do desenvolvimento. A maior demanda não gerou inflação, na medida em que a capacidade ociosa do aparelho produtivo permitiu rápida expansão da oferta. A expansão do gasto público foi coberta pela maior arrecadação que resultou do crescimento econômico (passou de 5% em 2008) e da maior formalização da economia, permitindo tanto manter os compromissos com a dívida como expandir as políticas sociais.
A fase da crise financeira de 2008 submeteu esta política a dura prova. A amplitude da crise e o pânico internacional gerado provocaram no país o travamento do crédito, a suspensão dos investimentos privados, a transferência de recursos das filiais brasileiras de grupos estrangeiros para para salvar as matrizes (35 bilhões de dólares só em 2008), e um clima geral de insegurança. Diante da queda da arrecadação do Estado, a visão ortodoxa seria de contenção dos gastos do governo, com um ajuste fiscal contracionista. Com a visão desenvolvimentista já estabilizada na etapa imediatamente anterior, o governo optou por um conjunto de medidas anticíclicas, respondendo de forma rápida e diversificada aos diversos desequilíbrios à medida que se manifestavam. Manteve a expansão do salário mínimo (12% em 2009) gerando expectativa positiva no  mercado; assegurou desonerações tributárias e incentivos nos setores críticos; utilizou as reservas cambiais para o financiamento das exportações (o financiamento externo havia estancado totalmente); reduziu o compulsório (que aliás os bancos comerciais utilizaram para comprar títulos do governo, em vez de fomentar a economia); reduziu o financiamento da dívida para priorizar o apoio às atividades produtivas; utilizou os bancos estatais para estimular a economia através de um amplo espectro de linhas de crédito; as alíquotas do imposto de renda foram subdivididas ao se constatar o aperto da crise nos setores da classe média baixa. Os programas sociais não só não foram reduzidos, como expandidos, e a dinamização da construção no programa Minha Casa Minha Vida passou a gerar atividades e empregos de forma muito capilar no conjunto da economia.
Os prognósticos negros apontados na época não se materializaram. O que se concretizou, é a visão de uma política macroeconômica multifacetada, pragmática, e orientada pelo equilíbrio dos interesses, e sobretudo pela compreensão de que uma base mais ampla de mercado interno ajuda todos os setores, inclusive o setor exportador, que teve como compensar a redução dos mercados extenos com o consumo interno. E sedimentou-se a idéia de que um Estado atuante é simplesmente necessário. Hoje o país passa a enfrentar os desafios estruturais sabendo que a capacidade de gestão macroeconômica passou as provas, e para o setor privado que precisa estar tranquilo quanto às regras do jogo, isto representa un novo patamar.
Independentemente da crise financeira, um outro vetor de política econômica foi se construindo e está se tornando central, que são os grandes investimentos de infraestrutura tão longamente adiados. O Programa de Aceleração do Crescimento, o Programa de Desenvolvimento Produtivo, a expansão dos investimentos da Petrobrás, o PAC II, e também o Plano de Desenvolvimento da Educação, os planos de generalização de acesso à banda larga, de ordenamento do uso da água e numerosos outros estão ao mesmo tempo dinamizando os investimentos e mantendo a conjuntura elevada, o que facilita todos os ajustes, e introduzindo nos mais diversos setores uma visão estrutural, sistêmica, com resgate de mecanismos de planejamento e de longo prazo. Isto tensiona a capacidade gestora do Estado, que já não desempenhava tais atividades, e coloca novos desafios de modernização administrativa.
Se há uma visão teórica a resgatar, é que os equilíbrios macroeconômicos são dinâmicos, que é possível gerar maior demanda sem excessiva pressão inflacionária, aumentar o fomento do Estado sem gerar déficit irresponsável, encontrar um novo equilíbrio entre mercado inerno e mercado externo sem dramas cambiais, que é possivel colocar condições à entrada de capitais especulativos sem ser declarado “controlador” pelo mercado especulativo internacional e assim por diante. Sobretudo, é possível reduzir os desequilíbrios sociais e regionais sem prejudicar os setores mais abastados e as regiões mais ricas, ao assegurar que todos se beneficiam, mas os de baixo em ritmo mais acelerado. O bom senso funciona. Não só a boa maré levanta todos os barcos, como o Estado pode ser providencial em assegurar que a maré se mantenha.

4 - Os resultados: bases para uma nova expansão
Os resultados são hoje concretos e bastante evidentes. Em números redondos, o nível de emprego formal aumentou em 12 milhões desde 2002. A formalização gera melhor arrecadação, o que financia boa parte da política de apoio. O salário mínimo teve um aumento de capacidade real de compra de 53,67% no período,[2][2] o que atinge cerca de 26 milhões de pessoas. O aumento do salário mínimo também aumenta a capacidade de negociação dos trabalhadores. Indiretamente favorecidos com este aumento são os aposentados, cerca de 18 milhões de pessoas. O Bolsa-Familia atinge hoje 12,4 milhões de familias, melhorando, como ordem de grandeza, as condições de vida de 48 milhões de pessoas. Em boa parte isto significa crianças alimentadas, e seguramente menos angústias nas famílias de baixa renda. Entre 2003 e 2008 19,5 milhões de pessoas sairam da pobreza.[3][3] O Pronaf teve os seus recursos aumentados de 2,5 bilhões de reais em 2002 para 13 bilhões em 2009, dinamizando a aprodução de cerca de 2 milhões de produtores rurais. O programa Territórios da Cidadânia, está aplicando cerca de 20 bilhões de reais nas regiões mais atrasadas do país. O programa Luz para Todos está atingindo milhões de pessoas que não tinham como guardar uma comida ou um remédio de maneira conveniente. O Prouni, passando já de meio milhão de estudantes, também mostrou resultados impressionantes quando se avaliou o seu desempenho no conjunto das universidades, refutando o argumento do nivelamento por baixo.
A visão do assistencialismo simplesmente não representa a realidade. O bolsa família é o único que constitui simples transferência de recursos, e constitui uma parcela relativamente bastante pequena do conjunto. Ainda assim, vinculado ao seguimento de saúde e frequência escolar, enquadra-se no investimento social.[4][4] A renda na base da sociedade gera consumo imediato, tanto de bens de consumo básicos que melhoram a alimentação a higiene, como o pequeno investimento familiar que pode ser constatado em cada “puxada” nas casas modestas, dinamizando a produção de materiais de construção e de equipamento doméstico básico. A realidade é que o efeito multiplicador dos recursos é muito grande quando orientado para a base da sociedade. E em termos de qualidade de vida, cada real disponibilizado pra as famílias mais pobres gera uma melhora incomparavelmente superior do que nos grupos mais ricos. A produtividade social do dinheiro, a sua utilidade real,  cai rapidamente à medida que o nível de renda se eleva.
O fato é que a desigualdade está se reduzindo no Brasil, de maneira lenta pois o atraso herdado é imenso, mas muito regular nos últmos anos. O índice Gini caiu de 0,53 para 0,49[5][5]. Para efeitos de comparação, é de 0,46 nos Estados Unidos, 0,33 na Itália e 0,26 na Alemanha.[6][6] A persistente desigualdade está ligada ao fato que a renda de todos se eleva no Brasil, e de maneira mais acelerada entre os pobres do que entre os ricos. Mas como o ponto de partida é muito baixo para os pobres, mesmo um percentual elevado representa mudanças pequenas em termos absolutos. Em termos regionais, verifica-se também um crescimento muito mais acelerado no Nordeste e outras regiões mais pobres, mas aqui também a desigualdade se reduz de maneira lenta.
Um ponto central, e relativamente pouco apontado, é que se desfazem gradualmente os preconceitos que tanto alimentaram a oposição aos programas destinados à base da pirâmide social. Longe de se “encostar”, os pobres estão demonstrando uma impressionante capacidade de aproveitamento positivo dos recursos. São pobres não por falta de iniciativa ou de criatividade, mas por falta de oportunidade. E na verdade a propensão a “se encostar” se manifesta democraticamente em diversos níveis sociais.
A organização de políticas destinadas à faixa mais pobre da população tem como obstáculo principal não a falta de recursos, mas a dificuldade de gestão de um sistema de apoio extremamente capilar, destinado a pessoas que frequentemente não têm endereço postal, CPF, conta em banco, ou até certidão de nascimento. De certa forma, o Estado não existia para estes 25% da população do país. Construir os cadastros, os canais de comunicação e os mecanismos de gestão desta parte da população exigiu um imenso esforço administrativo ainda em curso. Assim, um impacto indireto das políticas de inclusão foi a geração de correias de transmissão entre a máquina do Estado, os poderes públicos locais, os movimentos sociais, e em última instância as famílias. O aprendizado organizacional do Bolsa-Família, do Pronaf expandido, dos comités de gestão do programa Territórios da Cidadania, das inúmeras conferências nacionais e regionais realizadas, criaram formas mais densas de interação entre o Estado e a sociedade, vetor de melhores práticas administrativas para o futuro. 
Nesta lenta transição para um Brasil economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável, os avanços são indiscutíveis, mas o passivo social herdado de séculos de desequilíbrios é grande. O país continua a ostentar uma desigualdade dramática.[7][7] O desmatamento da Amazônia se reduziu de 28 para 7 mil quilómetros quadrados ao ano, o que é uma grande vitória, mas ainda é um desastre. As periferias metropolitanas continuam sendo explosivas e necessitam de políticas de apoio radicalmente mais amplas. Os atrasos na qualidade da educação, no acesso a uma saúde mais decente, na generalização de políticas ambientais, na democratização do acesso ao crédito, fazem parte dos inúmeros os desafios. No geral, o país tem pela frente tanto o aprofundamento das políticas inclusivas, como a adequação da máquina do máquina do Estado e dos processos decisórios da sociedade em geral. A direção a seguir é hoje muito mais clara, os instrumentos básicos de gestão começaram a ser estruturados. Os resultados obtidos e a experiência adquirida abrem uma nova agenda, com novos desafios. 



II – EIXOS ESTRATÉGICOS PARA A AGENDA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

1 – O papel do Estado: desafios da gestão democrática
2 -  O papel das tecnologias: a transição para a economia do conhecimento
3 – Os novos horizontes da educação
4 – Trabalho decente e inclusão produtiva
5 – Uma política nacional de apoio ao desenvolvimento local
6 – O papel das infraestruturas: transportes, energia, comunicação, água
7 – O potencial da agricultura
8 – Intermediação financeira: o crédito como fomento
9 – Política tributária
10 – Políticas ambientais
11 – Políticas sociais

Não se trata aqui de detalhar os planos setoriais, ou insistir na importância da educação, da saúde, da cultura, dos transportes e semelhantes, uma listagem que seria longa das necessidades. Busca-se identificar os principais desafios, ou eixos estratégicos de ação que mais poderiam ter efeitos multiplicadores sobre o conjunto das nossas atividades. De certa forma, buscar as iniciativas que liberam potenciais latentes. A modernização do aparelho de Estado, com as suas amplas ramificações, pode aqui servir de exemplo de eixo estratégico. Em termos de objetivos, a visão aqui, evidentemente, não se restringe a acelerar o crescimento, pois se busca, além da eficiência econômica, os resultados mais amplos em termos de qualidade de vida e de desenvolvimento sustentável. A quantidade não basta, e cada vez mais é a evolução qualitativa que está se tornando central no horizonte brasileiro. O objetivo geral é uma sociedade que funcione melhor, mas que as melhorias sejam sentidas por toda a gente, e que não seja às custas das futuras gerações.


1 – O papel do Estado: desafios da gestão democrática
Preocupações excessivamente ideológicas têm travado as necessárias mudanças para um Estado mais eficiente. A crise financeira de 2008 ajudou a convencer a sociedade de que o Estado tem de ter uma presença atuante, não só como regulador como no caso das finanças, mas como indutor do desenvolvimento, redistribuidor no caso de promoção dos equilíbrios sociais e regionais, e frequentemente, como no caso das políticas sociais e de grandes infraestruturas, como executor ou contratante. Está sendo igualmente resgatada a importância do Estado como planejador, dimensão que permite que se articulem as visões sistêmicas e de longo prazo, e que as opções sejam amplamente debatidas. 
O resgate do papel do Estado é exigido por condições objetivas que resultam da própria evolução das atividades econômicas. A urbanização generalizada do país faz com que grande parte das atividades hoje constituam bens de consumo social, como abastecimento de água, sistema de esgotos, urbanização, segurança, ordenamento do território e assim por diante. A expansão da dimensão pública das atividades é portanto natural. O Brasil já tem um grau de urbanização, da ordem de 85%, no nível de país desenvolvido, onde o peso do Estado no PIB oscila entre 40 e 60%. Isto implica um Estado com mais funções organizadoras, e mais descentralizado.
Um outro fator chave do papel expandido do Estado resulta da presença crescente das políticas sociais no conjunto das atividades do país: saúde, educação, cultura, lazer, informação e outras atividades centrais ao investimento no ser humano dependem vitalmente da presença do Estado, inclusive para assegurar a democracia de acesso para todos, já que o setor privado se concentra nos segmentos mais ricos da sociedade. A generalização deste tipo de serviços, e a forte elevação em termos de qualidade, exigem uma ampliação dos meios.
 A crise financeira de 2008 deu uma medida da fragilidade dos mecanismos de concertação internacional. A pouca operância dos organismos multilaterais, inclusive do FMI, ficou patente. As medidas que foram tomadas, foram no âmbito dos Estados nacionais. Com a ampliação das atividades especulativas, que atingem não só derivativos (863 trilhões de dólares, 15 vezes o PIB mundial), como os grãos, o petróleo o outras commodities, e na ausência de capacidade global de regulação, o papel dos Estados se vê reforçado. Inclusive, o papel regulador no plano internacional se dará por acordos entre Estados.
 A modernização da máquina pública, e não a visão neoliberal de um Estado mínimo, aparece portanto com um eixo estratégico de primeira importância. O direcionamento das mudanças está igualmente se tornando claro. O novo modelo que emerge está essencialmente centrado numa visão mais democrática, maior representatividade cidadã,  maior transparência, com forte abertura para as novas tecnologias da informação e comunicação, e soluções organizacionais para assegurar a interatividade entre governo e cidadania.
Um ponto chave está no financiamento público das campanhas. A corrida por quem consegue mais dinheiro para se eleger gera campanhas imensas a cada dois anos, custos elevadíssimos, e uma predominante representação dos grandes financiadores corporativos, inclusive de grandes grupos transnacionais. Em termos financeiros isto gera custos para todos, na medida em que as contribuições para campanhas são repercutidas nos custos empresariais e transferidas para o consumidor. Em termos de qualidade da disputa eleitoral, desqualifica as propostas, e reforça a propaganda  agressiva dos mais diversos tipos. Ponto essencial, o resultado são bancadas de grupos econômicos, em detrimento de uma bancada do cidadão. O candidato deve obter o voto pelo respeito que consegue na sociedade, e não pelo dinheiro que consegue recolher.
O adensamento tecnológico do conjunto da máquina pública é central para gerar uma administração transparente, e uma cidadania informada. O avanço impressionante das tecnologias de informação e de comunicação nos últimos anos está permitindo uma mudança qualitativa na administração, mas precisa ser generalizado para atingir todos os setores de atividade, e os três níveis da federação. Um choque tecnológico, particularmente no judiciário, bem como a integração com sistemas estaduais e municipais, deverá contribuir muito na racionalização do conjunto.
A base do país são os 5.564 municípios, que podem passar a ter sistemas avançados de informação gerencial e de informação para a cidadania. O município é onde o cidadão mora, tem maior interesse, conhece melhor a realidade, pode se organizar para participar. O Estado no seu conjunto funcionará de maneira deficiente enquanto os municípios, blocos básicos da sua construção, não evoluirem para uma gestão mais eficaz e transparente. O apoio na modernização gerencial na base da sociedade constitui um eixo de grande importância, e pode ser promovido como contrapartida de suporte e financiamentos.
Particular atenção deverá ser dada ao desenvolvimento integrado de sistemas de informação mais adequados. A conta PIB precisa ser complementada com indicadores mais completos que reflitam efetivamente a evolução da qualidade de vida da população, tanto em nível nacional como estadual e municipal. Há um forte avanço metodológico neste plano, os números existem, e se trata de apresentá-los numa nova sistemática de contas públicas que permita assegurar uma cidadania informada. Uma articulação com o IBGE, IPEA e outras instituições deverá ser promovida neste sentido.
A organização sistemática de correias de transmissão entre a máquina de governo, nos seus diversos níveis, e os diversos segmentos da sociedade, é hoje indispensável como forma de ampliar a dimensão participativa da gestão pública. O aporte extremamente positivo da experiência do CDES está sendo capitalizado com instituição semelhante no Estado da Bahia, e muitos municípios já adotaram conselhos locais ou intermunicipais de desenvolvimento. Os poderes legislativos são essenciais para transformar em leis as propostas de políticas, mas as próprias políticas precisam ser regularmente discutidas diretamente com os diversos segmentos, sindical, empresarial, da sociedade civil organizada, de forma a assegurar maior agilidade, transparência e dimensão cidadã às decisões públicas. A construção de consensos e a compatibilização de interesses diferenciados que os conselhos permitem – bem como as conferências setoriais e outras formas de consulta – já deram provas de seu papel importante na construção de processos mais democráticos de governança. Construir consensos pode ser trabalhoso, mas depois as políticas funcionam.
No conjunto, trata-se de aprofundar a evoluão de um Estado com tradição de administração de privilégios, para um Estado efetivamente articulador dos interesses da sociedade, mais democrático no processo decisório, e com maior equilíbrio entre as dimensões representativas e participativas. O Brasil precisa se dotar, nos diversos níveis, de uma máquina publica administrativa à altura dos resultados econômicos, sociais e ambientais que tem alcançado. 

2 -  O papel das tecnologias: a transição para a economia do conhecimento
Se no ciclo econômico do século XX o desenvolvimento se calculava pelo número de máquinas e o volume de bens físicos, hoje a valorização da produção se dá muito mais pelo conhecimento incorporado. A educação tem um papel chave neste processo, mas de maneira muito mais ampla trata-se de uma política nacional de elaboração,  promoção e difusão do conhecimento em todos os níveis. O Brasil herdou uma dualidade tecnológica, em que coexistem setores de ponta e imensos atrasos em grandes setores da economia e regiões do país. A homogeneização do desenvolvimento através do amplo acesso, gratuito e inclusive fomentado, a todo tipo de conhecimento constitui um eixo fundamental da mudança para um país mais equilibrado. Considerando os grandes esforços desenvolvidos neste sentido por uma série de países, a própria competitividade internacional do Brasil exige uma dinâmica radicalmente mais ampla, e uma maior centralidade no conjunto das opções de longo prazo.  De forma geral, trata-se de ampliar e articular as iniciativas nas áreas de ponta, e ao mesmo tempo ampliar a apropriação dos conhecimentos tecnológicos mais simples na base da sociedade.
Os avanços tecnológicos mais significativos estão se dando nas áreas onde a sustentabilidade está ameaçada: alternativas energéticas limpas, onde o Brasil tem grandes vantagens à partida; alternativas de meios de transporte com menos impactos climáticos (veículos elétricos e híbridos); tecnologias de produção visando a redução do consumo de matérias primas; tecnologias da construção visando a redução de consumo energético (chuveiro, ar condicionado, materiais); cultivos consorciados e outros avanços que reduzem a pegada ecológica; biotratamento de esgotos e técnicas de saneamento; tecnologias organizacionais na gestão de redes integradas de transmissão de eletricidade. A lista é longa, e o leque que se abre constitui uma das marcas da economia moderna. Pode se fazer muito mais com menos impacto, menos esforço, melhores condições de vida, e com inclusão produtiva generalizada.
No plano da apropriação generalizada de tecnologias simples (ou avançadas, segundo o caso), a gestão atual abriu caminhos e adquiriu experiências, com o vetor de democratização de acesso do Ministério da Ciência e Tecnologia, com formas de articulação de iniciativas como a Rede de Tecnologias Sociais, com as experiências de tecnologias sociais no quadro da Fundação Banco do Brasil, com o desenvolvimento das experiências de apoio à produção familiar no Ministério de Desenvolvimento Agrário, com iniciativas da própria sociedade civil como no caso do programa Um Milhão de Cisternas da Articulação do Semi-Árido (ASA), e a maior abertura da Embrapa para tecnologias de pequena agricultura familar e assim por diante. São iniciativas que geraram um acúmulo importante de experiências, mas que têm de se transformar em um movimento mais profundo e articulado de fomento tecnológico generalizado. O exemplo da Índia, que criou um programa especial de formação de 1,2 milhão de técnicos para animarem núcleos de fomento tecnológico em cada vila do país, atuando em rede, dinamizando as bases produticas mais atrasadas, é inspirador.
O Plano Nacional de Banda Larga adquire aqui uma importância central. O conhecimento está cada vez menos localizado em bibliotecas e na cabeça de especialistas, e cada vez mais disponibilizado online em todo o planeta. Em termos econômicos, o conhecimento é um bem não rival, o seu consumo não reduz o estoque, e precisa ser de livre acesso sempre que possível. E inteligência é um capital democraticamente distribuido, independentemente de classe social. Trata-se portanto de um vetor privilegiado de redução dos desequilíbrios sociais, e indiretamente ambientais. Transitar na rua é uma atividade gratúita, mas permite atividades comerciais. Da mesma forma, o livre acesso ao conhecimento, e a sua circulação nas infovias deve ser generalizado, e permitirá dinamizar um conjunto de aplicações em atividades econômicas, sociais e culturais. A tecnologia tem um grande poder de despertar as pessoas para a inovação, e assegurar a circulação das inovações tende a gerar uma dinâmica que se amplia, na linha do que tem se chamado de inovação aberta (open innovation). 
Nas cidades onde tem sido implementado, o acesso aberto à banda larga tem gerado inúmeras atividades econômicas, ao facilitar o contato direto entre produtores e consumidores, desintermediando e desburocratizando as atividades comerciais e financeiras, facilitando a complementariedade entre atividades econômicas da região. Nas regiões onde se generalizou o acesso, as pessoas não precisam se deslocar para resolver os problemas, são os bits que se deslocam, com redução radical de custos. Neste sentido, a banda larga constitui um dos principais vetores de promoção de economias externas, e de redução dos custos no país.
No conjunto, com o barateamento dos equipamentos, a generalização do acesso à internet por celular, o avanço das tecnologias do wi-fi urbano e semelhantes, o eixo das tecnologias da informação e da comunicação constitui, em termos de custo-benefício, e da rapidez de implantação, um eixo privilegiado de mudança no país, onde o econômico, o ambiental, o social e o cultural casam de forma coerente. E sendo um sistema de acesso generalizado, mais do que um sistema oneroso de ajuda, é um instrumento que estimula as pessoas a se apropriarem do seu desenvolvimento. 

3 – Os novos horizontes da educação
A evolução para a sociedade do conhecimento, o adensamento tecnológico de todos os processos produtivos, a conectividade planetária que permitem as tecnologias de comunicação, a disponibilização online de todo o conhecimento humano, o barateamento radical dos equipamentos, tudo isto está por sua vez redesenhando os horizontes da educação. Há um acordo generalizado quanto à importância estratégica da educação. Mas há um problema básico, que é cansaço dos alunos, que em casa ou na Lan-house têm acesso ao mundo, e na escola decoram o comprimento do Nilo e semelhantes. Em outros termos, está se gerando uma grande distância entre o conceito de educação, e a sociedade do conhecimento que se generaliza de forma acelerada. O fato de uma imensa parcela dos alunos abandonarem a escola tem de merecer uma atenção central. A educação, é um mínimo, tem de ser interessante. E não só para o aluno, para o professor também. 
Há um conjunto de medidas no sentido de melhorar a escola atual. As medidas envolvem melhores salários para os professores, redução drástica do número de alunos por sala, generalização da capacitação, sistemas online de apoio técnico e de conhecimento específico dos cursos, material escolar muito mais dinâmico do que apenas o livro escolar. A elaboração e disseminação de softwares de gestão escolar como os desenvolvidos pelo SPB (Software Público Brasileiro) também é essencial, permitindo às diretorias pensarem educação. O acesso banda larga em todas as escolas está avançando rapidamente, a eletrificação está hoje atingindo a quase todos, a generalização do wi-fi urbano deve permitir que o que foi visto na aula o jóvem possa confrontar com outros conhecimentos em casa.
Mas é preciso hoje pensar que todo o conhecimento que o menino estuda hoje na escola terá na ponta dos dedos amanhã no trabalho, e o que ele deve realmente assimilar são metodologias de trabalho, de certa forma aprender a navegar, organizar, quantificar, cruzar conhecimentos de maneira criativa. Estamos na era da cabeça bem feita, e não bem cheia, e inclusive a rapidez com que os conhecimentos se tornam obsolescentes já não permite o armazenamento.
O conhecimento da humanidade está cada vez menos no livro escolar e na cabeça do professor, e cada vez mais online, disponível gratuitamente, livre do canal estreito da “disciplina”, permitindo cruzamentos interdisciplinares, apresentações em multimídia, dinâmicas efetivamente criativas. A criança e o adolescente têm uma imensa curiosidade por conhecer as coisas,  e uma imensa teimosia em recusar o que é simplesmente empurrado. Forçar as crianças a passar horas sentadas, imobilizadas, copiando coisas anotadas no quadro, gera pessoas disciplinadas, sem dúvida, mas não criativas. 
De forma mais ampla, é importante lembrar que hoje cada adulto profissional passa horas por semana,  quando não por dia, estudando, se atualizando, porque este é o rumo das coisas. Ou seja, a educação deixa de ser apenas uma etapa de preparação para a vida, é uma preparação para uma interação permanente, que durará toda a vida, com sistemas de conhecimento, exigindo sistemas muito mais abertos.
No Paraná está se desenvolvendo a experiência de Arranjos Educativos Locais. Visa articular, em cada município, os diversos subsistemas de informação organizada, buscando uma escola um pouco menos lecionadora, e mais articuladora do conjunto dos conhecimentos necessários ao desenvolvimento local. Hoje o conhecimento não está apenas na escola, está nas empresas, nos centros culturais, na televisão, no computador em qualquer parte, nas revistas científicas, nas pesquisas desenvolvidas por faculdades regionais. A visão é de assegurar que o aluno aprenda a se apropriar das informações disponíveis, a transformá-las em conhecimento, e não só individualmente, mas em colaboração .
Nas universidade, os alunos trabalham com xerox de capítulos isolados. 30% dos livros recomendados estão esgotados e não são reeditados, mas a cópia não é liberada. O MIT, nos Estados Unidos, criou ou OCW (Open Course Ware), e disponibiliza gratuitamente online todos os cursos, artigos dos professores. Em poucos anos, tiveram 50 milhões de downloads de textos científicos em todo o mundo. O impacto de enriquecimento científico planetário é imenso. Há uma contradição profunda entre investirmos tantos recursos em educação, e restringirmos o acesso aos conteúdos.
A educação é um imenso universo. Somando alunos, professores e administradores, são 60 milhões de pessoas, quase um terço da população. E estamos entrando na sociedade do conhecimento, em que a capacidade criativa terá muito mais importância do que o esforço bruto. Temos de dar a prioridade estratégica a esta área, investir fortemente na modernização do que temos, e sobretudo preparar as novas dimensões da escola como espaço de criação e de articulação de conhecimentos.

4 – Trabalho decente e inclusão produtiva
A desigualdade de renda está diretamente vinculada ao desequilíbrio em termos de inclusão produtiva. O país tem uma população ativa de 100 milhões de pessoas, mas um emprego formal privado de 31 milhões. Esta conta que não fecha inclui o desemprego, e sobretudo um imenso setor informal. Segundo o IBGE, houve uma diminuição da informalidade no conjunto dos ocupados, que caiu de 46,5% em 2002 para 42,7% em 2008.[8][8] A evolução está sendo positiva, mas o volume herdado é muito grande. A dimensão do setor informal significa que a subutilização da força de trabalho constitui um imenso desafio, mas ao mesmo tempo um vetor de oportunidades através da inclusão produtiva. Para a produtividade sistêmica do país, é vital o aproveitamento mais produtivo desta massa da população, através do emprego decente.
Em grande parte, trata-se aqui de ampliar políticas em curso. Os avanços do salário mínimo estão sendo muito significativos. Deverão continuar para se atingir um nível que permita efetivamente uma vida digna com este nível de remuneração. É sem dúvida um dos principais instrumentos de construção do equilíbrio social.
A jornada de trabalho constitui outro vetor essencial de melhoria da qualidade de vida do mundo do trabalho. Dois dias de descanso semanal já são hoje vistos internacionalmente como um mínimo. No quadro de atividades econômicas que cada vez mais exigem força mental mais do que força física, a própria produtividade passa por um esforço melhor distribuido. E o aumento de produtividade do trabalho pela incorporação das tecnologias, nos últimos anos, assegura a possibilidade de se reduzir a jornada e de manter os salários, pela melhor distribuição dos resultados desta produtividade. A mais longo prazo, com crescentes aportes tecnológicos, a tendência é simplesmente inevitável. E termos uma parte da população desesperada por carga excessiva, e outra por não ter como se inserir de maneira digna nos processos produtivos, não faz sentido.
A garantia do direito ao emprego, de ganhar produtivamente a sua vida, a qualquer pessoa, é outra tendência que deverá gerar impacto positivo sobre o desenvolvimento, em diversas dimensões. Todo município do país tem inúmeras necessidades de melhorias na qualidade de vida urbana, que envolvem sistemas de microdrenagem, saneamento básico, manutenção urbana, arborização, constituição de cinturões verdes para abastecimento em horti-fruti-granjeiiros, melhoria de residências e assim por diante. São atividades simples, pouco intensivas em capital e intensivas em mão de obra. Assegurar um salário mínimo e carteira assinada, para aproveitar os desempregados no conjunto de melhorias que cada cidade precisa, é uma questão de bom senso, e tem como resultado melhores infraestruturas urbanas, avanços ambientais, dinamização econômica geral pelo fluxo de renda gerado, redução drástica do desespero que é não ter uma fonte de renda. Qualquer pessoa deve ter o direito de ganhar o pão da sua família, quando há tantas coisas a fazer. São atividades de retorno imediato, pelas economias geradas, e que não substituem necessariamente contratos mais amplos de empreiteiras. E dizer que não há emprego quando há tanto trabalho por fazer implica que o problema chave é de inadequação de formas de organização social.
O apoio à micro e pequena empresa constitui outro vetor de inclusão produtiva. Em que pesem os avanços em termos de simplificação da vida burocrática destas empresas, este setor de atividades necessita de fomento muito mais dinâmico tanto em termos de capacitação, como de financiamento, de sistemas de informação comercial online, de generalização da conexão banda larga, de fomento tecnológico, de abertura das leis de licitação para facilitar o acesso, de condições jurídicas para as administrações municipais poderem privilegiar pequenos produtores locais nas compras e assim por diante.
Com a evolução para uma densidade tecnológica maior de todos os processos produtivos, até os mais simples como construção de casas, o acesso às mais variadas formas de capacitação e requalificação está se tornando essencial. Os diversos esforços do MCT, do Sebrae e de outras instituições precisam se traduzir em cada município de certo porte, ou grupo de municípios menores, em núcleos de fomento integrado. Foi-se o tempo em que uma pessoa faz um curso e já sabe o que precisa: com a constante alteração dos processos produtivos, a interação entre o mundo do trabalho e a qualificação ou requalificação precisa ser permanente.
É importante lembrar que o financiamento das atividades produtivas da micro e pequena empresa continua burocratizado, difícil, e sobretudo extremamente caro. As iniciativas do Banco do Nordeste e mais recentemente do Banco do Brasil com o programa DRS (Desenvolvimento Regional Sustentável) mostram novos caminhos que precisam ser generalizados. Em particular, nos programas do BNB, às linhas de crédito foram-se acrescentando apoio à comercialização, capacitação gerencial e outras formas de ajuda, dependendo das realidades. Financiamento não é só dinheiro, é viabilização do negócio, e são outras formas de intermediação financeira que se tornam necessárias, articulando em cada território os diversos sistemas especializados de apoio que ainda pouco conversam.
Um programa especial precisa ser desenvolvido para as periferias dos grandes centros urbanos. A pesquisa Fase/Pólis mostra que 27% dos jóvens entre 15 e 24 anos nas periferias metropolitanas estão fora da escola e sem emprego. O custo social é gigantesco. Será necessário, na realidade, um tipo de Pronaf urbano, no sentido de promoção sistemática e fomento de atividades econômicas que podem envolver desde melhoria do própria bairro, ou de aproveitamento de acesso banda larga para prestação dos mais variados serviços, como já se tem vários exemplos.
No conjunto, a inclusão produtiva não se resolve com uma medida, envolve um conjunto articulado de iniciativas com formação, desburocratização, acesso banda larga, canalização inteligente das compras públicas, financiamento e outras iniciativas diversificadas em função das realidades locais, com forte participação das esferas municipais e intermunicipais.
  
5 – Uma política nacional de apoio ao desenvolvimento local
O desenvolvimento local integrado constitui um dos grandes recursos subutilizados do país. São hoje 5.565 municípios que têm de passar a se administrar melhor. Este eixo é fuindamental porque em última instância, é o nível onde as políticas têm de funcionar, onde os investimentos se materializam, onde as pessoas poderão dizer se estão vivendo melhor ou não. Ao fazer comparações internacionais, as pessoas tendem a ver paises, sem ver a estrutura mais detalhada. Os sistemas locais de gestão que caracterizam as economias mais avançadas são muito sofisticados. Para utilizar uma imagem, uma economia industrial não funcionará de maneira adequada se as unidades que a compõem, as empresas, não forem bem administradas. De forma semelhante, os “blocos” com que se constrói o país são os municípios, unidades básicas. A boa gestão local não é condição suficiente, mas sem dúvida necessária.  
As tentativas e avanços na boa gestão local são numerosas, mas fragmentadas. Há o movimento de cidades educadoras, o Paraná está inovando com Arranjos Educativos Locais, Santa Catarina com Conselhos Regionais de Desenvolvimento, o programa Territórios da Cidadania está inovando com Comités de Gestão locais e regionais, há ainda numerosas tentativas setoriais buscando a excelência ambiental, como a Agenda XXI local, ou melhor saúde com o movimento Cidades Saudáveis. Mais recentemente, estão surgindo movimentos como Nossa São Paulo, onde as organizações da sociedade civil estão se organizando em movimentos suprapartidários para junto com outros atores sociais locais promover o desenvolvimento equilibrado. Falta uma política integrada de apoio ao desenvolvimento local, pois a boa gestão na base da sociedade tende a tornar todas as iniciativas, sejam de governo em diversos níveis, empresariais ou de movimentos sociaism mais produtivas.
Este investimento na governança local é essencial para a produtividade de um conjunto de instituições de apoio, como o Sebrae, Senac, Sesi, Embrapa, DRS e outros alcancem um nível superior de produtividade, ao se tornarem sinérgicos ao nível de cada município, ao invés de oferecerem fragmentos de apoio que pouco se articulam. Mas também é fundamental para a eficiência dos programas sociais, dos investimentos privados. É importante lembrar que praticamente inexistem no Brasil instituições de formação em gestão municipal, ordenamento do território ou políticas integradas de gestão local. São muitos os municípios inovadores, mas não se generalizam os aprendizados adquiridos. A dinamização da governança na unidade básica da federação pode ser um propulsor importante da racionalidade do conjunto.
Finalmente, é importante lembrar que viver bem na nossa cidade, ou no município em geral, é o que queremos da vida. Várias cidades já se dotaram de instrumentos de avaliação da qualidade de vida, permitindo ver, de ano a ano, se as coisas estão melhorando, quais são as principais deficiências, as propostas. É neste nivel que melhor pode se materializar a dimensão participativa da governança, porque é onde o peso dos problemas  problemas e o alívio das soluções são diretamente sentidos. É, no melhor sentido, a base da democracia.

6 – O papel das infraestruturas: transportes, energia, comunicação, água e saneamento
Considerando as dimensões do Brasil, o  papel das infraestruturas é essencial. Uma unidade empresarial pode ser eficiente na sua forma de gestão interna, mas se incorre em grandes gastos com transporte, cortes de energia ou de água, e um sistema ineficiente de comunicação, deixa de aproveitar as economias externas que uma boa rede de infraestruturas pode assegurar. Trata-se aqui de iniciativas que vão além do poder decisório da empresa, pois exigem grandes investimentos, precisam ser organizadas em redes coerentes, geram efeitos difusos: é uma área privilegiada de presença do Estado tanto no planejamento como nos investimentos, ainda que a execução e a gestão possam ser confiadas a empresas privadas. De toda forma, pelo seu efeito estruturante e o seu impacto que irradia sobre o conjunto das atividades, esta área deve ser vista como um dos grandes eixos estratégicos. Entram aqui, tradicionalmente, os setores de transportes, energia, comunicações e água/saneamento, redes que têm de chegar a cada um, com os seus grandes troncos, e a capilaridade final. 
O Brasil é essencialmente atlântico nos seus centros econômicos, e são portuários ou semi-portuários os principais polos, de  Manaus a Porto Alegre, incluindo o eixo São Paulo/Santos, e com a notória exceção de Belo Horizonte. Como o custo tonelada/ quilómetro aumenta radicalmente à medida que se passa sucessivamente do transporte por água para o ferroviário, o rodoviário e o aéreo, a definição da matriz intermodal de transporte do país torna-se essencial. Com dois terços da mercadoria gastando pneu e combustível fóssil pela opção rodoviária, os sobrecustos para toda a produção tornam-se muito pesados. O resgate dos estaleiros navais, a dinamização do transporte de cabotagem, a articulação intermodal com grandes eixos ferroviários de integração para o interior, e o uso do caminhão apenas com a chamada “espinha de peixe” de distribuição final, em trajetos curtos, de carga fracionada, é a matriz evidente. Trata-se aqui de alterar a composição das infraestruturas de forma sistêmica. São investimentos grandes e de longo prazo, mas que deverão render redução do custo-brasil para todos os setores de atividade e melhorar a produtividade sistêmica do país.
A readequação da matriz de transporte de passageiros exige reformulação semelhante, particularmente nas grandes cidades. Ditadas mais por interesses comerciais do que pelo interesse da população, as opções levaram a um sobredimensionamento do transporte individual. São Paulo anda em média 14 quilómetros por hora, os veículos se deslocam em primeira e segunda. Se estimarmos em 15 mil reais o valor médio do veículo, e 6 milhões de veículos, são 90 bilhões de reais em meios de transporte praticamente imobilizados, gerando grandes custos em combustível, doenças respiratórias, e uma média de 2:40 horas perdidas por dia, em que o paulistano nem trabalha nem descansa. Os motoqueiros morrem numa média de 1,5 por dia. E o metrô ostenta os seus poucos 60 quilómetros. Transporte exige forte presença de planejamento, e organização da matriz em função da qualidade de vida da população. As soluções são conhecidas, e torna-se essencial voltar ao tema do financiamento público das campanhas, para que as autoridades públicas representem os interesses do cidadão. A matriz de transporte de média ou longa distância deve também ser repensada, pois o transporte aéreo representa custos imensos e pouca racionalidade para trajetos curtos ou médios: trens de grande velocidade, movidos a energia hidroelétrica, melhoram a mobilidade, o conforto das pessoas, e o clima.
No plano da energia, o Brasil tem uma situação notoriamente favorável. Com a imensa base hidroelétrica, não enfrenta os dramas que assolam a China ou os Estados Unidos fortemente dependentes do carvão. No plano da oferta, o potencial da bioenergia a partir da cana de açucar pode ainda ser amplamente expandido, tanto pelas reservas de solo subilitilzado como pela disponibilidade de água. O conhecimento acumulado no quadro do ciclo anterior do proálcool ainda assegura uma grande eficiência no processo. O desafio hoje está na corrida pelas tecnologias de aproveitamento dos subprodutos como o etanol celulósico, alternativas ao plástico tradicional e outros na linha das biotecnologias em geral. Com a descoberta do Pre-Sal, o quadro brasileiro, que já era favorável, torna-se excepcional. A gestão das oportunidades abertas, numa visão coerente e de longo prazo, sem ceder às pressões pelo gasto imediato, torna absolutamente central a firme definição do plano de uso dos recursos energéticos do país.
Os desafios maiores, portanto, em termos de energia, estão mais no plano da demanda e do uso racional do que no plano da oferta. A matriz de transportes, por exemplo, tanto no plano de transporte de mercadorias como de pessoas, é profundamente irracional, e acarreta grandes desperdícios. As tecnologias da construção hoje disponíveis também podem reduzir drasticamente o uso de energia, em particular no uso do ar condicionado e do chuveiro elétrico, com construções mais inteligentes, células fotovoltáicas, aquecedores solares entre outros. Estas mudanças na cultura do uso da energia têm diversos impactos positivos, ao reduzir a pegada ecológica, ao gerar empregos através dos investimentos e serviços de instalação e manutenção, ao dinamizar a pesquisa tecnológica, ao estimular estilos de vida mais inteligentes.
O Pre-Sal merece naturalmente uma estratégia em si. Nas mais diversas análises, é positivo constatar quantas pessoas estão ao mesmo tempo entusiasmadas pelas oportunidades, e conscientes das ameaças. A tentação de gastar uma riqueza inesperada é evidentemente forte. Mas se constata também que a visão geral defendida pelo governo é coerente: é uma riqueza brasileira, que não deve ser alvo de simples concessões; é uma riqueza de todo o país, e não do território onde se situa; é uma riqueza de longo prazo, de uso comedido. E os resultados devem ser prioritariamente utilizados para ciência e tecnologia, educação, saúde e o resgate da dívida social do país. Evitando a tentação do lucro fácil e rápido, se evitará o destino de tantos países que estão vendendo o presente sem organizar o futuro.
A comunicação está passando a desempenhar um papel central na racionalidade da organização do território em geral. Pequenos municípios ou pequenas empresas, ainda ontem isoladas, hoje resgatam a sua viabilidade ao se conectarem com redes mais amplas, ao romperem o isolamento. As mudanças envolvem desde a facilidade de gestão de estoques até a redução de custos de transportes: são os bits que viajam, e não as pessoas. A universalização do acesso às comunicações tornou-se hoje vital, e a preços condizentes com os custos reais dos processos, evitando-se a tendência de estabelecimento de autênticos pedágios sobre a circulação da informação e do conhecimento. É uma área em plena revolução tecnológica, e constitui um dos principais eixos de democratização da sociedade. A regulação do setor, em consequência, precisa ser democratizada, e a transparência nos processos é vital. Em termos de custo-benefício, conforme vimos, é uma das atividades que mais permite gerar economias externas tanto para as empresas produtoras como para as famílias. Os preços hoje cobrados não são admissíveis. A estratégia que emerge em numerosos países, é de assegurar o livre trânsito nas infovias da internet (inclusive nos celulares), da mesma forma como é livre o trânsito nas ruas, o que não impede que sejam criados negócios a partir do potencial de comunicação. Mas a própria comunicação, na medida em que gera capacidade criativa de todos os atores sociais, deve ser aberta. O Plano Nacional de Banda Larga deve assegurar um marco regulador para o conjunto das atividades do setor.
A água no Brasil sofre em grande parte do mesmo drama de outras riquezas: como o Brasil tem muitas, a tendência é o desperdício. A água é meio de transporte (inclusive muito subitilizado em várias regiões do país), eixo vital para a agricultura que consome cerca de 70% do total, fonte de energia hidroelétrica, fonte de proteinas através da pesca, insumo essencial para um conjunto de setores industriais, fator importante de lazer em particular para as cidades, atrativo turístico, além, evidentemente, do consumo das pessoas. No conjunto, vender água rende, mas fazer esgoto e tratamento não aparece. Gera-se assim um grande problema, no caso do Brasil não de abastecimento, e sim de destino final. Para os que usam a água, livrar-se dela é mais barato. Água contaminada dentro da empresa pode ser tratada com baixos custos. Uma vez diluida nos rios, a poluição se generaliza, e a recuperação é incomparavelmente mais cara. Os cerca de 60 mil toneladas de fezes que produzimos diariamente, têm na maioria o mesmo destino, espalhando bactérias, e multiplicando os custos. A excessiva quimização agrícola com irrigação intensiva contamina tanto os lençóis freáticos como os rios e as orlas marítimas. A gestão da água envolve dinâmicas inovadoras de gestão, como os comités de bacia, e sobretudo uma mudança no tratamento de um bem essencial que está sendo maltratado. Muitas das medidas passam por iniciativas de nível tipicamente municipal, mas os impactos são regionais, e a governança articulada entre esferas de governo torna-se importante. O saneamento básico e o uso racional da água em geral  constituem hoje sem dúvida um dos eixos estratégicos da agenda. O impacto positivo para o meio ambiente é central, mas é também econômico, social e cultural.    
No conjunto, as infraestruturas hoje obedecem a uma visão ampla e de longo prazo no quadro do Programa de Aceleração do Crescimento, complementado pelo PAC II. Os dois programas permitem visualizar um desenvolvimento integrado, pois incorporam os diversos planos setoriais, como o Plano Nacional de Logística e Transportes, o Plano Nacional de Desenvolvimento de Recursos Hídricos, o Plano Nacional de Energia 2030. Mais Saúde, planos de desenvolvimento urbano, em um leque articulado de ações. Resgata-se assim não só o planejamento, como a intersetorialidade. Conjugando a capacidade articuladora do PAC e do PAC II, o reforço financeiro que deverá vir do Pre-Sal, a dinamização que geram as perspectivas da Copa e das Olimpíadas, e a solidez atual da gestão financeira no país, as perspectivas são positivas. E os impactos serão econômicos no barateamento pelas economias externas geradas e demandas de investimentos induzidos, ambientais pela racionalização de uso dos recursos (particularmente hídricos), sociais pela melhoria das condições de vida dos segmentos mais pobres da população. A capacidade de gestão, e os diversos entraves gerados por interesses particulares, constituem o elo fraco do sistema, e nos remetem ao problema da racionalização da máquina pública. No entanto, é gerando as dinâmicas que se obtém gradualmente a racionalização dos procedimentos, a desburocratização, a gestão mais eficiente. 

7 – O potencial da agricultura
O Brasil tem mais de 150 milhões de hectares de boa terra a ser incoporada no processo produtivo, mais do dobro do que é hoje utilizado para a lavoura temporária e permanente somadas. Isto constitui a maior reserva de solo parado do planeta. E os recursos hídricos são também entre os mais abundantes, tanto em águas de superfície como no aquífero Guarani. Com esta disponibilidade de terra e de água, e um clima ameno, além do acúmulo de capacidade tecnológica, diversificação do mercado externo, e mercado interno crescente, a agricultura deve ser vista como um eixo estratégico de primeira importância para o desenvolvimento do país. E não só como fonte de produtos: segundo a PNAD 2008, 30 milhões de pessoas vivem no campo. A agricultura familiar emprega 10 milhões de pessoas.[9][9] As próprias condições de vida e de trabalho no campo representam um objetivo estratégico.
Tem sido colocado com razão que com a evolução planetária para a biocivilização, o Brasil tem trunfos importantes. Domina amplamente a tecnologia do biocombustível, e a cana de açucar representa de longo a melhor relação entre energia consumida e energia produzida. A produção de grãos, ainda ontem estabilizada na faixa de 100 milhões de toneladas, hoje beira 150 milhões, com fortíssimo potencial de mercado mundial que necessita cada vez mais do produto, pelo aumento da população, escassez de terra e de água, e aumento da demanda por biocombustível. Os avanços da pesquisa na utilização dos resíduos para produção de biocombustível celulósico, plástico biodegradável e outros subprodutos estão na fase não da pesquisa fundamental, mas de redução de custos. Estamos claramente chegando a uma mutação profunda, conforme relatório recente do International Assesment of Agiculture, Science and Technology for Development (IAASTD)[10][10].
A expansão quantitativa hoje já não basta. A racionalização do uso dos recursos hídricos, evitando tanto desperdícios como contaminação por agrotóxicos e excesso de quimização constitui um objetivo importante, na linha da produtividade sistêmica do território, envolvendo todos os recursos. A redução do custo dólar da unidade de produto, ao reduzir a componente importada dos insumos constitui outro. A pegada ecológica das unidades produtivas, pela evolução para combustíveis renováveis, tanto é favorável para a conta de emissões do país, como para a força dos produtos nos mercados internacionais com regras ambientais cada vez mais estritas. As relações de trabalho frequentemente medievais têm de ser transformadas no sentido de assegurar critérios de emprego decente. E evidentemente a agricultura ilegal, tanto por desmatamento na Amazônia e no Cerrado, como por destruição de matas ciliares, uso de mão de obra escrava, uso de produtos químicos sem proteção adequada para os trabalhadores e semelhantes tem de ser combatida, não só no local de produção, mas em toda a cadeia, desde a venda de insumos, até o acesso ao crédito e no circuito comercial. O mercado internacional está evoluindo rapidamente para a rastreabilidade geral dos produtos (tagging), e as mudanças deste setor agrícola, para uma excelência não só produtiva, mas também social e ambiental, só pode contribuir para reforçar a economia do país.
A agricultura familiar, por sua vez, responsável por 70% da produção dos nossos alimentos, e ocupando 10 milhões de pessoas, necssita de um sistema integrado de serviços de apoio, como existe em países desenvolvidos. A policultura de pequena escala é extremamente produtiva, mas precisa de assitência técnica, de apaoio de comercialização, de acesso a informações de mercado, de possibilidade de aluguel de máquinas que sua escala não permite nem exige adquirir, de sistemas de crédito e semelhantesm as chamadas redes de serviços de suporte. A dinamização pode se dar por núcleos de fomento e apoio integrado em cada município, envolve também as experiências de compra local de produtos para a merenda escolar, a formação de cinturões verdes de horti-fruti-granjeiros em torno das cidades, a própria agricultura urbana que está saindo da zona folclórica para se tornar fonte importante de trabalho e de produtos de alta qualidade. Enquanto o agronegócio trabalha com as suas próprias máquinas e oficinas de manutenação, redes de comercialização, de consultoria técnica, de financiamento, o pequeno agricultor precisa dos mesmos aportes mas utilizados de forma coletiva, sob forma de cooperativos de serviços ou semelhantes. Os avanços aqui têm sido muito significativos, em particulara com o Pronaf que passou de cerca de 2 para 13 bilhões de reais. No entanto, o financiamento representa uma parte do ciclo, como o desmonstram as experiências do Banco do Nordeste no seu financiamento rural acoplado a outras atividades de fomento, em particular aproveitando a rede do banco para informações comerciais que liberam o produtor dos atravessadores.[11][11]
O que está saindo de cena, em termos estratégicos, é a visão de que a policultura familiar representa o passado, e a monocultura mecanizada o futuro. Produzir cana e soja é diferente de produzir tomate e feijão. A Europa, com as suas pequenas propriedades, pouco solo e grande densidade populacional, hoje tem de dar subsídios para se produzir menos alimentos, menos leite. O que temos pela frente, é um início de aproximação entre os dois mundos rurais que se foram constituindo. O pequeno produtor pode perfeitamente entrar em simbiose com o grande, no sentido de aproveitamento de subprodutos, de aproveitamento de potencial de cultivos consorciados e outros.
Em terceiro nível, está a população privada de terras, ou de terras em escala ou qualidade insuficientes para um processo virtuoso de melhoria de quantidade e de qualidade de produto. A criminalização do MST, no país de maior reserva planetária de terras paradas, é simplesmente absurda. A função social da terra está claramente estipulada na Constituição, e a busca das pessoas por terra tem de ser vista não como ameaça, mas como potencial produtivo. O acesso à terra, neste país tão bem dotado, tem de ser garantido, mas no ciclo produtivo rural a terra é apenas um dos insumos.
É importante lembrar com com a conectividade online que as tecnologias modernas permitem, ser pequeno já não representa as restrições de antigamente. Pequenos produtores de tilápia de Piraí estão conectados e vendem diretamente a pele para o Japão, pois quem está na net está ao lado. Esta tecnificação do pequeno está avançando com extrema rapidez em todas as partes do mundo, desde a Índia até o Quenia. A eficiência já não é questão de tamanho. Esta tendência se aplica não só ao pequeno agricultor rural, como à pecuária, à pesca e outras atividades tradicionalmente divididas em grandes e pequenos produtores.
No conjunto, a evolução para mais qualidade nos processos produtivos, maior respeito nas relações de trabalho, incorporação efetiva das dimensões ambientais no conjunto das atividades, maior equilíbrio de nível técnico entre os diversos tipos de agricultura, articulação de uso circular de produtos e subprodutos no território, constituem um norte para este que é um eixo absolutamente estratégico para o país.       
 
8 – Intermediação financeira: o crédito como fomento
Os bancos comerciais no Brasil constituem um grupo muito pequeno, que trabalha com crédito para poucos, e com taxas de juros extremamente elevadas. A taxa Selic é a mais comentada na mídia, mas com 8,75% ao ano já não constitui um fator chave. No centro está hoje o problema dos juros e tarifas cobrados ao tomador final. A Anefac que publica mensalmente a sua pesquisa sobre as taxas de juros praticadas, apresenta a seguinte situação para fevereiro de 2010: para pessoa física 6,92% ao mês, ou seja 123% ao ano. Para pessoa jurídica, 3,65% ao mês, o que representa 54% ao ano. São juros absolutamente proibitivos, podendo-se estimar como ordem de grandeza que se paga aqui ao mês o que se paga na Europa ao ano. Este cálculo não inclui as tarifas.
Com outra metodologia, mas comparando diretamente com bancos no exterior, o IPEA constata que “para empréstimos à pessoa física, o diferencial chega a ser de quase 10 vezes mais elevado para o brasileiro em relação ao crédito equivalente no exterior”:[12][12]

Taxa anual real de juros total* sobre empréstimos pessoais em instituições bancárias em países selecionados na primeira semana de abril de 2009
Instituição
País
Juro real (em %)
HSBC
Reino Unido
6,60
Brasil
63,42
Santander
Espanha
10,81
Brasil
55,74
Citibank
E.U.A
7,28
Brasil
60,84
Banco do Brasil
Brasil
25,05
Itaú
Brasil
63,25
Fonte: Dados fornecidos pelas instituições bancárias para os juros e OCDE e BCB para inflação nos países selecionados e no Brasil
* Juros adicionados aos serviços administrativos, riscos de inadimplência, margem de lucro e tributação.

Constatamos que por exemplo no caso do HSBC, a mesma linha de crédito custará 6,60% ao ano no Reino Unido, e 63,42% no Brasil, na mesma instituição. Isto tem implicações fortes. Significa que são instituições que se capitalizam aqui para reforçar os desequilíbrios nas matrizes, ou seja, financiamos em parte os custos da crise dos desenvolvidos. Significa também que praticam uma taxa de juros que trava as atividades econômicas no país mais do que as fomentam. E de maneira mais ampla, significa que os grandes lucros se deslocaram da produção para a intermediação financeira. A intermediação comercial, que trabalha com juros nas prestações em geral superiores a 100%, também passou a priorizar o lucro financeiro. Em vez de intermediários, trata-se neste caso de atravessadores.
Em termos de competitividade dos produtores brasileiros o prejuizo é evidente. O produtor aqui concorre com produtores no exterior que enfrentam custos financeiros incomparavelemente menores. E no Brasil os grandes grupos internacionais que têm acesso direto a dinheiro no exterior também têm vantagens. No plano da pequena empresa, a situação torna-se simplesmente difícil. No caso do Nordeste, a pesquisa dos fluxos financeiros da região realizada pelo BNB mostra que as agências dos bancos comerciais da região apresentam um balanço negativo, ou seja, mais retiram da região do que financiam.[13][13] A intermediação financeira tornou-se assim um fator de elevação do chamado “custo Brasil”, e um vetor importante da concentração de renda, e portanto de redução da demanda. É significativo constatar que com a redução do compulsório no momento mais grave da crise financeira, os recursos não foram utilizados para fomentar a economia, e sim para aplicações em títulos públicos.   
O Brasil tem evidentemente um grande trunfo na mão, que é a possibilidade de usar os bancos oficiais para reintroduzir concorrência no mercado cartelizado, permitindo ao mesmo tempo dinamizar a economia ao estimular consumo e investimento. Este mecanismo, ao que tudo indica, está sendo progressivamente implantado. O sistema de intermediação financeira dos grandes grupos terá de evoluir para mecanismos de concorrência. Um segundo grande trunfo é a possibilidade de continuar a reduzir a taxa Selic, o que tem um duplo impacto: ao reduzir-se os ganhos dos rentistas que aplicam em titulos do governo, essencialmente bancos, os intermediários financeiros se vêem obrigados a buscar alternativas no setor produtivo, medida equivalente a injetar dinheiro na economia real; e ao reduzir os juros sobre a dívida pública, libera recursos para o investimento público. Lembremos que com uma dívida pública da ordem de 1,5 trilhão de reais, e um serviço da dívida da ordem de 180 bilhões de reais por ano, trata-se de um instrumento poderoso, ainda que de aplicação necessariamente progressiva.
Quando o lucro que se desloca de maneira desequilibrada para grandes grupos de intermediação financeira e comercial, os produtores passam a arcar com custos mais elevados. E os consumidores terão de enfrentar estes custos, além de pagarem juros novamente ao adquirir os produtos no crediário. Os primeiros se vêm prejudicados na capacidade de investir e de produzir, os segundos na capacidade de consumir.
Um conjunto de iniciativas surge nos últimos anos, essencialmente através dos bancos estatais. O programa DRS do Banco do Brasil está se expandindo, os créditos de fomento do Banco do Nordeste já atingem 18 bilhões, essencialmente para pequenos produtores, muitos municípios estão criando bancos comunitários de desenvolvimento, já com apoio do Banco Central a partir de 2010. Estão se multiplicando também cooperativas de crédito, e inclusive Oscips de intermediação financeira. São iniciativas necessárias, frente ao comportamento dos bancos comerciais, mas a racionalização do sistema de intermediação financeira constitui um vetor importante de racionalização do conjunto das atividades econômicas do país. Em particular, a inclusão bancária, com capilaridade, flexibilidade nos produtos e nas garantias, e com juros minimamente compativeis com as necessidades, está na ordem do dia, como fator chave da inclusão produtiva.


9 – Política tributária
De forma geral, a orientação do uso dos recursos públicos, tanto nas políticas sociais, como nas medidas anticíclicas, gestão de desequilíbrios macroeconômicos e política de investimentos, melhorou de maneira muito significativa nos últimos anos. Esta orientação foi complementada com políticas de crédito dos bancos públicos, da CEF, do BB, do BNB, do BNDES, que hoje são responsáveis, como ordem de grandeza, por metade do crédito autorgado, e incluem cada vez mais nos seus critérios de financiamento visões de fomento econômico, promoção social e sustentabilidade ambiental. O grande desafio, nesta área, não está na orientação da alocação, mas na qualidade final dos serviços, em particular na educação e na saúde, qualidade diretamente afetada pela pobreza geral da parte da população que mais usa estes serviços. A qualidade aqui evoluirá com o conjunto das condições de vida da base da pirâmide social. O segundo desafio está no volume de transferências que gera o serviço da dívida pública, que baixou fortemente em termos de porcentagem do PIB, mas que continua a drenar grande parte dos recursos públicos para alimentar um rentismo basicamente estéril.
A maior coerência na alocação dos recursos públicos não foi acompanhada, no entanto, de comparável evolução na política tributária. O travamento político é central neste campo, que provoca reações ideológicas e emocionais, e toca diretamente interesses cristalizados ao longo dos anos. O resultado prático é o imobilismo generalizado. Neste sentido, qualquer proposta deverá mostrar não só a viabilidade técnica, mas a sua viabilidade política.
Não se trata, é importante mencioná-lo, do nível geral dos impostos. Com 35% de carga tributária relativamente ao PIB, o Brasil está na média razoável de país emergente, e bastante abaixo da carga tributária dos Estados Unidos, situada na faixa de 40% - país de forte tradição privatista inclusive na saúde e na educação, e até na segurança – ou dos países europeus onde o Estado administra em torno da metade dos recursos do país. Nos países nórdicos, este percentual está acima dos 60%. O problema não está no tamanho, mas em onde incide o tributo.
O foco da incidência tributária está na sua principal função de correção da desigualdade. Entram aqui como evidentes o imposto sobre as grandes fortunas e sobre a herança, a alteração das alíquotas do imposto de renda, um melhor equilíbrio entre impostos diretos e indiretos. 
Olhando pelo lado dos resutados que se busca, volta-se ao problema central da sociedade brasileira que é a desigualdade. O imposto tem de ter a redistribuição como eixo fundamental. Isto implica desonerar a base da pirâmide, facilitar a vida dos produtores, em particular dos pequenos, e cobrar mais das grandes fortunas e dos altos rendimentos dos segmentos mais privilegiados, particularmente dos ganhos financeiros não produtivos. Neste sentido, a diferenciação de alíquotas do imposto de renda já adotada constitui um avanço, mas é evidente a necessidade de ter alíquotas mais elevadas para níveis de renda muito elevados. Em termos comparativos, a alíquota superior brasileira, de 27,5%, é simplesmente baixa. Os impostos diretos, onde a progressividade pode ser aplicada, devem também ser privilegiados relativamente aos impostos indiretos, que são proporcionais, e terminam sendo regressivos para a população de baixa renda.
Tem de se levar igualmente em conta que a questão ambiental está se tornando um vetor importante da alteração das políticas tributárias. Muitos países, frente à relativa inoperância dos mercados de carbono, estão taxando diretamente as emissões. Na linha do poluidor-pagador, é natural que incidam cobranças sobre quem gera custos, ou descapitaliza o país ao se apropriar de recursos não renováveis. Neste sentido há uma revisão ampla do conceito de externalidades. A poluição de um rio gera custos muito maiores para a sociedade em geral do que os custos dos filtros numa empresa. A racionalidade do maior custo/benefício para a sociedade é central neste processo.   
Mas a visão básica, é que um país com a desigualdade que tem não pode continuar com uma carga tributária regressiva. O resgate da progressividade terá os mesmos impactos que os processos redistributivos adotados estão tendo: dinamização da demanda na base da sociedade, e uma ampliação dos negócios, com lucro unitário menor mas sobre uma massa maior de produtos. Isto gera crescimento da economia, o que por sua vez gera viabilidade política das reformas, na medida em que é mais viável uma distribuição mais igualitária dos ganhos suplementares.

10 – Políticas ambientais
O grande deslocamento no eixo das políticas ambientais, é que passam a permear o conjunto das decisões no âmbito do Estado, das empresas, dos movimentos sociais, do próprio estilo de vida da população. Com toda a dificuldade de se generalizar uma visão sistêmica e de longo prazo, quando tanto pessoas como empresas estão mais preocupadas com problemas imediatos, e os governos com o curto horizonte de uma gestão, a verdade é que a humanidade está enfrentando desafios inadiáveis.
Não se trata apenas do aquecimento global, que em sí constitui um imenso desafio planetário. São rios contaminados, florestas desmatadas, periferias urbanas onde se vive em condições subhumanas, cidades prósperas que convivem com esgotos a céu aberto, metrópoles paralizadas por excesso de veículos, alimentos contaminados por agrotóxicos, lixões a céu aberto que geram mais contaminação, mais doenças e mais custos. É uma sociedade do desperdício na água mal canalizada, nos subprodutos desperdiçados, nas embalagens irresponsáveis, no lixo de mais de um quilo por pessoa nos centros urbanos. E no nível planetário, é o esgotamento dos recursos, com a sobrepesca nos mares, liquidação das reservas de petróleo, perda de metais raros. A água já é tratada como ouro azul, quando o seu uso racional, bem como de outros recursos, torna-se cada vez mais viável com as novas tecnologias.
Trata-se aqui de promover a mudança cultural necessária, pois o comportamento sustentável não pode ser reduzido à visão de uma entidade burocrática que autoriza ou não um empreendimento. Cada vez mais, esta mudança exige a convergência de um conjunto de atores sociais, com educação ambiental, adequação dos curriculos universitários, reforço da pesquisa, mudança na visão da mídia e das mensagens publicitárias, geração de complementariedades interempresariais nos processos produtivos, adequação dos procedimentos da grande empresa de monocultura, reorientação da pecuária, generalização de políticas tecnológicas menos agressivas.
O mundo neste plano está mudando. A visão linear que vai da matéria prima extraída da natureza para a linha de produção, depois para o consumo e o lixo, com esgotamento de recursos de um lado e contaminação do outro, está cedendo o lugar para uma visão circular em que o que é extraído é reposto no final do ciclo. O nível de consciência está se deslocando rapidamente. Temos de aprender a viver dentro dos limites estreitos que este pequeno e frágil planeta permite.
Neste desafio há imensas oportunidades para os que souberem ver o futuro que se desenha, e fizerem a tempo as reorientações que se impõem. O PDP constata um aumento do investimento privado em P&D de 0,51% do PIB em 2005 para 0,65% em 2010, passando de 12 para 18 bilhões. São cifras radicalmente insuficientes quando se considera a importância das mudanças tecnológicas necessárias, e o papel que o Brasil pode desempenhar na área.
Neste sentido, o desafio ambiental, ao exigir mudanças na matriz energética, na organização urbana, no tratamento de esgotos, na racionalização do uso das matérias primas, nas tecnologias organizacionais descentralizadas e integradas em cada município, constitui uma oportunidade de avanços. As soluções não estão em conter os custos agora mantendo os procedimentos de sempre, mas fazendo o salto para enfrentar os desafios em condições mais vantajosas mais adiante.
Os condicionamentos ambientais, de geração de empregos verdes, de uso de tecnologias alternativas e semelhantes devem passar a fazer parte de todo financiamento, isenção ou subvenção. O meio ambiente não é um entrave, é uma condição de avanço acelerado para o futuro. Fator de redução de desperdícios, de uso mais racional dos recursos, gerador de empregos, vetor de adoção de novas tecnologias mais performantes, promotor de articulações e processos colaborativos entre empresas, o desafio ambiental deve ser visto com um dos principais eixos de transformação para a próxima década e as futuras.

11 - Ampliação das políticas sociais
Da mesma forma como se pode apresentar impressionantes avanços nas políticas sociais no país, conforme vimos no início do documento, com o salário mínimo, o Bolsa Familia e tantos outros programas, é também preciso constatar os dramas de 30 milhões de pessoas que vivem em condições críticas, as imensas favelas que cercam as nossas cidades, a criminalidade amplamente disseminada, a desigualdade no acesso aos serviços mais elementares, os mais de 40% da população na informalidade. Em outros termos, os avanços são grandes, mas a dívida acumulada é imensa. Torna-se vital assegurar que a política adotada por um governo se transforme em política do Estado, mantendo a continuidade e a coerência.
A dimensão econômicada pobreza tem evidentemente um papel central, mas está longe de ser a única. Projeções recentes do Ipea nos deixam otimista sobre este primeiro papel das políticas sociais. “Se projetados os melhores desempenhos brasileiros alcançados recentemente em termos de diminuição da pobreza e da desigualdade (período 2003-2008) para o ano de 2016, o resultado seria um quadro social muito positivo. O Brasil pode praticamente superar o problema de pobreza extrema, assim como alcançar uma taxa nacional de pobreza absoluta de apenas 4%, o que significa quase sua erradicação.”[14][14] O nível de renda nos segmentos mais críticos progride. A desigualdade de renda, no entanto, evolui de forma muito mais lenta, pelo ponto de partida extremamente baixo da base da pirâmide social, e torna-se essencial agora expandir e manter o conjunto de políticas que favorecem o equilíbrio social e regional. Acumulam-se aqui as desigualdades entre segmentos da sociedade, entre regiões, desigualdade de género, de raça, e entre zonas rurais e urbanas. 
A partir de Amartya Sen, passamos a considerar de maneira sistemática as dimensões não econômicas da pobreza. Neste sentido, as políticas sociais devem dinamizar o acesso democrático e de qualidade aos serviços básicos. O grande desafio aqui é reduzir a polarização que a desigualdade foi cristalizando em todas as áreas, com educação de pobre e de rico distantes, e o equivalente nas áreas de saúde, de lazer, de cultura e assim por diante. Este vetor implica um esforço generalizado de universalização, mas também de qualificação do conjunto dos serviços públicos. As políticas afirmativas não constituem privilégios, corrigem privilégios, e o Estado tem um papel fundamental a desempenhar neste processo.
Tal como as políticas ambientais, o social tem forte dimensão de transversalidade. As políticas sociais constituem ao mesmo tempo setores de atividade, como saúde, educação, cultura, esporte, informação, lazer, segurança – o conjunto dos investimentos diretamente orientados para a valorização das pessoas – e uma dimensão de todas as outras atividades, como relações de trabalho, qualidade das infraestruturas, formas de organização da produção agrícola e assim por diante. Neste sentido, são políticas que envolvem todos os setores da sociedade. O Estado tem sem dúvida um papel central a desempenhar, em particular na garantia de acesso aos principais serviços públicos. O terceiro setor está majoritariamente concentrado nas políticas sociais, e apresenta elevada eficiência pois se trata em geral de atividades que exigem articulação direta e concreta com pessoas, bairros, comunidades. E as empresas hoje estão indo muito além da cosmética em termos de responsabilidade social. Estudo comparado de políticas sociais no programa Gestão Pública e Cidadania da FGV-SP mostra que o denominador comum das políticas sociais que demonstraram grande eficiência nas diversas regiões do país é o fato de serem executadas em parceria, envolvendo tanto o setor público, como empresas e as organizações da sociedade civil. Tornam-se assim mais sustentáveis e permanentes.
A inclusão social não envolve apenas o acesso à renda e aos serviços públicos. Envolve também o direito de se apropriar da construção destas políticas, de ser cidadão. Neste sentido, políticas descentralizadas, administradas no nível do território onde as pessoas possam participar diretamente, constituem a forma privilegiada de organização. Ao mesmo tempo,. as parcerias, consórcios intermunicipais, cofinanciamento de programas, controle cruzado de gestão e de resultados, sistemas compartilhados de informação e outros mecanismos permitem demoratizar gradualmente o processos decisório sem fragmentar as políticas.
É importante ressaltar a dimensão das políticas sociais: nos Estados Unidos, só a saúde representa 17% do PIB, é o maior setor econômico do país. Vimos acima que a educação envolve no Brasil mais de um quarto da população, entre alunos, professores e administradores. A segurança está se tornando uma área de grande peso social. As atividades culturais estão se tornando cada vez mais amplas. A realidade é que o conjunto que podemos caracterizar como políticas sociais tende a se tornar o principal eixo de atividades na sociedade moderna. Não é um complemento aos processos produtivos, é o processo central de transformação da sociedade. E a presença maior do Estado nos países mais avançados está diretamente ligada à expansão destas políticas, que não geram “inchaço” da máquina com burocratas, mas asseguram melhor cobertura de educadores, médicos, enfermeiros, agentes sociais.
Uma consideração particular sobre as políticas de segurança. A polarização tradicional das visões apresenta propostas repressivas de um lado, e sociais de outro. E com as acusações recíprocas de truculência ou de leniência. Na realidade, se considerarmos a cifra vista acima, de 27% de jóvens entre 15 e 24 anos de idade nas metrópoles brasileiras que não estão nem na escola nem no emprego, a base social para a insegurança torna-se evidente. E o crime organizado passa a ter uma fonte ilimitada de mão de obra. Neste sentido, na linha dos trabalhos de Luis Eduardo Soares, entendemos hoje a necessidade de uma política combinada de forte aparato repressivo contra o crime organizado, e de forte progressão das políticas sociais inclusivas. Enquanto houver uma massa de jóvens sem lugar na sociedade e sem perspectivas, a construção de mais presídios e a compra de mais viaturas continuará a representar apenas o curto prazo.
As políticas sociais, como setores específicos e como eixo transversal, aparecem na realidade nos diversos pontos da presente agenda, nas propostas de uma política de garantia do emprego, da redução da jornada, do acesso à banda larga, de reforço do universo da educação, da política de apoio à agricultura familiar e assim por diante. Em termos gerais, indo além do PIB e da visão estreita do crescimento econômico, trata-se de assegurar a elementar qualidade de vida para todos.

Nota final
 O que se constatou no conjunto das discussões que levaram ao presente documento, é antes de tudo um forte otimismo quanto à dinâmica que o país assumiu nos últimos anos. Visões diferenciadas, mas que têm em comum a busca de convergências e sugestões de novas oportunidades que podem ser aproveitadas.
Há um acordo geral sobre os rumos, e sobre os principais eixos de mudança que se verificaram nos últimos anos: política redistributiva, consumo de massa, condução prudente da macroeconomia, diversificação de mercados externos, reforço do mercado interno, condução exemplar no enfrentamento da crise financeira, a importância crescente dos desafios ambientais, a articulação latinoamericana.
No conjunto, aparece no horizonte a construção de um universo mais equilibrado. No plano social, com redução das desigualdades, no plano ambiental com o resgate do bom senso no uso dos nossos recursos, no plano econômico com busca de soluções inovadoras frente aos novos paradigmas tecnológicos.
As sugestões dispersas nas numerosas discussões e entrevistas mostram antes de tudo bom senso, busca de interesses comuns, com inúmeras sugestões pontuais que não foi possível recolher aqui, mas que poderão ser objeto de outra sistematização.



Ladislau Dowbor, é doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas. É autor de “Democracia Econômica”, “A Reprodução Social: propostas para uma gestão descentralizada”. Seus  numerosos trabalhos sobre planejamento econômico e social estão disponíveis no site   http://dowbor.org – Contato ladislau@dowbor.org   



[1][1] documento elaborado como insumo para a discussão no CDES, abril de 2010
[2][2] DIEESE – Mercado de Trabalho Brasileiro: evolução recente e desafios, DIEESE, 10 de março de 2010 - http://www.dieese.org.br/ped/mercadoTrabalhoEvolucaoDesafiostexto2010.pdf
[3][3] Marcelo Neri, Instituto Brasileiro de Economia da FGV, informe Ensp, 26 de março 2010 http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/materia/index.php?origem=3&matid=20887
[4][4] Ver artigo de primeira página da Folha de São Paulo de 18 de abril de 2010, p. A13 – “Foi uma pequena grande década,” diz Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV-Rio. “E a melhora na renda hoje é muito mais sustentável, pois está apoiada mais na renda do trabalho”. Na média da década, a renda do trabalho explicaria 67% da redução da desigualdade. O Bolsa Família, cerca de 17%; os gastos previdenciàrios, 15,7%. Desde 2003 foram criados 12,2 milhões de empregos formais”. 
[5][5] Ipea – Desigualdade e Pobreza no Brasil Metropolitano – Comunicado da Presidência n. 25, p. 3 http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/comunicado_presidencia/comunicado_da_presidencia_n25_2.pdf
[6][6] Ipea – Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas – 12 de janeiro de 2010, p. 9 Comunicado da Presidência n. 38 - http://www.ipea.gov.br/default.jsp
[7][7] O artigo mencionado na Folha de São Paulo comenta: “O Brasil tem hoje 3º milhões de miseráveis sobrevivendo com R$ 137 ao mês. Mas eles seriam mais de 50 milhões se a velocidade da diminuição da pobreza não tivesse se acelerado nos últimos anos”. FSP, 18/04/2010, p. A13
[8][8]  DIEESE – Mercado de Trabalho Brasileiro: evolução recente e desafios, DIEESE, 10 de março de 2010 - http://www.dieese.org.br/ped/mercadoTrabalhoEvolucaoDesafiostexto2010.pdf
[9][9] IPEA – PNAD 2008, Primeiras Análises, Setor Rural – 29 de Março 2010 – Comunicados n. 42
[12][12] IPEA – Comunicado da Presidência n. 20, Transformações na indústria bancária brasileira e o cenário de crise,  p. 15, tabela 2, 7 de abril de 2009; a pesquisa da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) está disponível em http://www.anefac.com.br/pesquisajuros/2010/fevereiro2010.pdf 


[13][13] Airton Saboya – Semiárido em Transformação, março de 2010, disponível em http://criseoportunidade.wordpress.com/category/airton-saboya/
[14][14] http://www.ipea.gov.br/default.jsp - [14][14] Ipea – Pobreza, Desigualdade e Políticas Públicas – 12 de janeiro de 2010, Comunicado da Presidência n. 38 – p. 8


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