segunda-feira, 3 de maio de 2010

A europa no frigir dos ovos

Da folhaonline
02/05/2010

O maior do mundo

A Grécia terá US$ 146 bilhões em dinheiro da União Europeia e do FMI.
É o maior pacote de ajuda da história a um país. Equivale a quase metade do PIB da Grécia. Não há precedentes de ajuda internacional.
Sendo que a Grécia é periferia. Produz algodão, queijo, azeitona, azeite e turismo. Tem um PIB quatro vezes menor do que o do Brasil, o recordista (em 2002) para um pacote de ajuda do FMI.
Daí a dimensão do problema em que a Europa e o mundo estão metidos. A crise vai longe.
O pacote de ajuda que a Europa (especialmente a Alemanha) e o FMI estão patrocinando visa salvar a existência do euro e proteger os bancos de seus países e os investidores que ganharam dinheiro nos últimos anos financiado gastos além do razoável em seus vizinhos mais pobres.
Além de tentar salvá-los de prejuízos consideráveis, uma derrocada na Grécia poderia, de fato, trazer enormes consequências para a região, dada a interligação do sistema bancário.
Exemplos: a Grécia deve cerca de US$ 10 bilhões a bancos portugueses, que devem outros US$ 86 bilhões a bancos espanhóis. Já a Alemanha tem cerca de US$ 240 bilhões a receber de bancos espanhóis, que devem US$ 220 bilhões para instituições franceses. A Itália deve US$ 511 aos franceses. E por aí vai.
O pacote de socorro à Grécia foi condicionado a cortes de gastos estatais equivalentes a 13% do PIB grego nos próximos anos. É um massacre, especialmente para um país marcado para crescer muito pouco neste ano e nos próximos.
O quadro de pouca receita em impostos adicionais que o crescimento baixo pressupõe será agravado, portanto, pela necessidade de se cortar na carne despesas que também poderiam manter a economia um pouco mais à tona.
Esse não é um problema exclusivo da Grécia. Se quiserem ficar longe das labaredas do mercado e evitarem o constrangimento que os gregos passaram nas últimas semanas, outros países altamente endividados da União Europeia terão de fazer o mesmo voluntariamente nos próximos anos.
O quadro ao fim da coluna mostra em vermelho os quatro países (entre outros) mais citados recentemente como "problemáticos" em termos de endividamento (Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda).
Em comum têm, além do crescimento baixo previsto para este ano, o endividamento muito elevado. Para baixar o total de suas dívidas e déficits como proporção do tamanho do seu PIB teriam ou de crescer ou de diminuir gastos.
Não crescer e diminuir gastos é o caminho do buraco para onde vão.
Vale repetir o mantra dessa crise no Primeiro Mundo. O mesmo de quase dois anos atrás.
A CRISE É DE ENDIVIDAMENTO.
Das famílias, das empresas e dos bancos, endividados em níveis recordes no pós Segunda Guerra (sem ter havido uma guerra).
Para adiar seu desfecho traumático (o empobrecimento), governos entraram na ciranda. Hoje, estão endividados em níveis recordes, assim como as famílias, empresas e bancos.
É essa conta a ser paga.
*
Em manifestação violenta e algo sangrenta no fim de semana, os gregos protestaram em Atenas clamando para que a conta da atual crise que engolfa o país seja paga pelo rei Croesus (595 AC-547 AC). Croesus foi soberano da Lydia (hoje parte da Turquia) e tornou-se figura mítica entre os gregos por sua grande riqueza. É até hoje sinônimo de poder no país.
Mas o pacote da Europa e do FMI de ajuda à Grécia que acaba de ser anunciado não será pago exatamente pelos "croesus" modernos gregos.
Podem apostar.


Fernando Canzian, 41 anos, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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