terça-feira, 25 de maio de 2010

Os descaminhos do acordo com o Irã

Irã: os dilemas da aplicação das sanções
Se admitirmos que os efeitos das prováveis sanções serão mínimos, qual o sentido da tentativa do governo Obama sabotar o esforço diplomático do Brasil e da Turquia? Trata-se, ao que tudo indica, de uma resposta às crescentes críticas na sociedade norte-americana - provavelmente devido às eleições no Congresso norte-americano em novembro -, de que os EUA estão aceitando o seu declínio, ao permitir que países emergentes estejam preenchendo o vácuo de poder na política mundial. Talvez o custo dessa irresponsabilidade seja alto demais. A análise é de Reginaldo Nasser.
Dois dias depois do anúncio do acordo alcançado pelo Brasil e Turquia celebrado no Irã, a secretária de Estado dos EUA, em audiência no Senado, anunciou de forma triunfal que os membros permanentes do Conselho de Segurança entraram em acordo sobre um novo projeto de resolução prevendo sanções “mais duras” às pretensões nucleares do Irã. A rapidez do desenrolar dos acontecimentos surpreendeu a todos e fez com que muitos analistas brasileiros e estrangeiros, críticos da política externa do governo Lula, se regozijassem com aquela ação que reafirmava o “poder das grandes potências e colocava os países emergentes em seu devido lugar”. A nova estratégia da Casa Branca em suas relações com a China e Moscou poderia estar começando a dar frutos, uma mudança que o mais otimista dos norte-americanos poderia sequer ter imaginado. Se aprovada a resolução, estaria aberto um caminho para os países intensificarem a imposição de restrições financeiras, bloqueando o acesso ao financiamento para as empresas ou indivíduos envolvidos em negócios que de alguma forma poderiam contribuir para a proliferação nuclear no Irã.

De um lado China e Rússia mostraram que não querem, pelo menos no momento, confrontar as prioridades da política externa do governo Obama. Entretanto, as declarações dos seus diplomatas, na seqüência do anúncio, anunciavam o dilema em que estão inseridos, pois embora reconhecendo que o acordo de troca de material nuclear seja insuficiente para impedir o Irã de enriquecer urânio, advertiam que a nova resolução não poderá fechar a portas do diálogo e das negociações, e muito menos prejudicar a população e a economia iraniana.

Mas se observados no detalhe nota-se que os aspectos financeiros da resolução são limitados e apenas solicita aos bancos e às companhias de seguros não realizarem negócios com instituições financeiras iranianas que, de alguma forma, estejam vinculadas à proliferação nuclear. Da mesma forma os países também são apenas "chamados" a adotarem medidas restritivas a financiamentos, o que pode dificultar o levantamento de fundos de investimento da China, por exemplo. Mas o papel econômico da China no Irã, com investimentos em torno 200 bilhões de dólares, poderá até crescer se as companhias ocidentais deixarem o Irã tal como já aconteceu anos atrás quando a China National Petroleum substituiu uma grande empresa francesa. Com a produção declinante de petróleo e a demanda crescente, a China vem importando mais petróleo de países como o Irã (terceiro maior fornecedor depois da Arábia Saudita e Angola).

Apesar da linguagem belicosa, as proposta de sanções são bastante modestas e já foram diluídas em seus efeitos práticos. Tal como está o pacote de sanções prevê punição para importação por parte do Irã de armas convencionais, coloca restrições relacionadas à importação de mísseis balísticos, congela os bens dos membros-chave da guarda Revolução Islâmica, e estabelece inspeções de cargas em portos e em águas internacionais, mas a maioria dessas sanções não é obrigatória e fica ao critério de cada país adotar ou não as ações preconizadas.

Certamente, as relações entre Medvedev e Obama têm demonstrado uma aproximação que merece atenção. Após o recuo dos EUA em relação à implantação de um sistema de defesa antimísseis na Europa e assinatura um novo tratado de redução de armas nucleares, agora seria a vez da retribuição da Rússia apoiando as sanções contra o Irã. No entanto, a grande questão que permanece é se a posição diante do Irã reflete, verdadeiramente, uma mudança da política externa russa.

O aparecimento de um documento do Ministério das Relações Exteriores da Rússia revelado pela revista Newsweek, no início do mês de maio, revela que as relações da Rússia com o Ocidente estão mudando, mas mais devido a uma flexibilização tática do que devido a uma nova estratégia. Uma das principais avaliações que constam no documento é que se deve aproveitar o momento proporcionado pela crise financeira internacional e reforçar as alianças políticas e econômicas com o Ocidente, mas continua rejeitando os objetivos de basear as suas relações sobre a idéia de valores comuns. O documento inclui ainda uma lista de países prioritários para os "interesses nacionais" russos, que espera receber benefícios econômicos concretos em troca do apoio de Estados submetidos à pressão internacional como o Irã.

Putin declarou recentemente que a Rússia planeja iniciar as operações na usina nuclear de Bushehr e nega que tenha qualquer ligação com o programa militar de Teerã. Além disso, continua a controvérsia a respeito da venda dos poderosos mísseis S – 300 como parte de um contrato de US$ 800 milhões entre Rússia e Irã.

Se admitirmos que os efeitos das prováveis sanções serão mínimos, qual o sentido da tentativa do governo Obama sabotar o esforço diplomático do Brasil e da Turquia? Trata-se, ao que tudo indica, de uma resposta às crescentes críticas na sociedade norte-americana - provavelmente devido às eleições no Congresso norte-americano em Novembro -, de que os EUA estão aceitando o seu declínio, ao permitir que paises emergentes estejam preenchendo o vácuo de poder na política mundial. Talvez o custo dessa irresponsabilidade seja alto demais.

(*) Professor de Relações Internacionais da PUC-SP

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