Revista do Brasil - Edição 53
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Liberdade limitada
Para a velha mídia e as forças políticas a ela ligadas, liberdade de imprensa tem limite e jornalistas e publicações independentes são um estorvo
Por: Suzana Vier, Rede Brasil Atual
Publicado em 12/11/2010
(Foto: Paulo Pepe) |
Artur mostra ainda outras duas capas de Veja que abordam assuntos semelhantes, enchentes. “Para tratar das enchentes de São Paulo, a Veja saiu com a chamada ‘Por que chove tanto’. E explica: ‘Uma rara combinação de fatores atmosféricos é a causa do dilúvio que há mais de 40 dias castiga o Sul e o Sudeste do Brasil’. Em outra edição, sobre o Rio de Janeiro, traz o Cristo Redentor chorando na capa e a chamada “Culpar as chuvas é demagogia”. No último dia 27 de outubro, em uma manifestação contra a censura e pela liberdade de expressão, sindicalista usou esses exemplos de como a mídia se manifesta eleitoralmente sem cerimônia.
Para o professor e pesquisador Venício Artur de Lima, do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB), o caso é exemplar. “Se você adotasse o mesmo critério que levou à suspensão da Revista do Brasil, a revista Veja não circulava.” Para ele, a grande imprensa no Brasil goza de liberdade total, mas a liberdade que apregoa não serve para todos. “Há grupos que não podem se expressar”, alerta. Essa constatação ficou nítida na reta final, quando blogues, sites, jornais e revistas independentes sofreram uma sequência de atentados à liberdade de expressão.
Além da Revista do Brasil, a representação do PSDB levou à suspensão do Jornal da CUT de setembro. O site Falha de S.Paulo, uma sátira à Folha de S.Paulo, foi acionado na Justiça e seus criadores, os irmãos Lino e Mario Bocchini, um jornalista e o outro designer, estão sendo processados pelo jornal. Para não perder o humor, eles já criaram o site Desculpem a Nossa Falha.
A psicanalista Maria Rita Kehl foi demitida do Estadão por um artigo que desagradou a opinião do jornal. Blogues como os dos jornalistas Paulo Henrique Amorim, Luiz Carlos Azenha e Renato Rovai sofreram ameaças de multa. A TV Record foi notificada por uma reportagem depois do primeiro turno na qual demonstrava bairros de São Paulo em que Dilma e Serra foram mais bem votados. A revista CartaCapital também sofreu tentativa de intimidação.
Para Juvandia Moreira, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo e diretora da Editora Atitude, responsável pela RdB, ações como essa têm o objetivo de calar um projeto identificado com o mundo do trabalho e com os movimentos sociais, historicamente deixados de lado pela imprensa conservadora. “Os meios de comunicação têm donos e eles têm interesses. O problema não é que tenham interesses. O problema é que eles não dizem quais são.”
Na avaliação do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, a censura à RdB foi “criminosa”, porque impediu a sociedade de ter acesso a reportagens que não têm espaço em outras mídias. “Eu vi uma reportagem muito boa sobre o que acontece com trabalhadores que chegam à beira do suicídio por conta de pressão absurda , meta de produção nas empresas, as humilhações que passam no dia a dia do trabalho. Conteúdo relevante para o povo brasileiro, em que revista do país, em que grande jornal alguém encontra isso?”, indaga Sérgio, também diretor da Editora Atitude.
Credibilidade ameaçada
As sucessivas tentativas de censura a profissionais e veículos de comunicação independentes fazem parte de um contexto em que os grandes veículos assumiram o papel de partidos políticos. O professor Venício lembra que o aviso veio em março. Naquele mês, a presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Judith Brito, ligada à Folha, afirmou que, diante de uma oposição partidária fraca, a grande mídia teria o papel de atuar como oposição. “A campanha eleitoral exacerbou o papel de partido político da grande mídia. Mas o papel já vinha sendo desempenhado mesmo antes da campanha”, observa o professor. Na troca de papéis, quem ficou de fora foi a própria política. “A campanha se rendeu ao espetáculo e a política, com P maiúsculo, saiu da cena”, analisa.
Para a história entraram mesmo, nestas eleições, boatos, acusações e uma chuva de baixarias, não só pela internet como por panfletos apócrifos e mensagens via telemarketing, difundindo preconceito e ódio.
Na tentativa de amplificar o alcance das “denúncias”, os grandes veículos criaram uma espécie de “dueto”, conceitua Venício. Um grande jornal ou revista apresenta uma denúncia não comprovada e no mesmo dia a notícia é repetida por incontáveis outros meios, ganhando amplitude e força. “Um começava e outro repetia”, afirma o pesquisador, para quem a postura acabou ferindo a credibilidade da imprensa brasileira.
Correndo por fora, a internet ganhou espaço na disputa com mídias tradicionais, atuando principalmente na detecção e esclarecimento de boatos e denúncias infundadas. “A internet abriu espaço para vozes dissonantes, fundamentais para filtrar e impedir armações. A internet foi fundamental para desmoralizar o episódio da bolinha de papel, do aborto, da morte antecipada do Romeu Tuma”, descreve Renato Rovai, blogueiro e editor da revista Fórum.
Na visão da professora Regina Helena Alves da Silva, do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, nestas eleições a internet – particularmente o Twitter – ratificou seu poder de disseminação de informações, mas também ajudou a exibir um lado atrasado do país, fazendo com que as tentativas de desqualificação superassem a apresentação de propostas. “Esta campanha foi pior que a anterior. O tipo de coisa que apareceu revela a sociedade que nós somos. Uma sociedade que não consegue discutir abertamente o preconceito, que não consegue viver com a diferença”, afirma.
Como coordenadora do Centro de Convergência de Novas Mídias, ela também foi uma das responsáveis pelo monitoramento do Observatório das Eleições, vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para a Web (InWeb). Para Regina Helena, o Brasil ainda tem dificuldade de discutir de fato temas relacionados a valores morais. Com isso, acontece o que ela chama de “sequestro da política”, deslocando a discussão do ambiente público para o privado. “Eu, como mulher, estou indignada com esta eleição”, diz a professora, referindo-se às seguidas polêmicas sobre o aborto. Uma discussão tão rasa que, segundo ela, fazer ou não um aborto parecia uma opção entre marcas de cerveja. Como traduziu a jornalista Maria Inês Nassif, em artigo no Valor Econômico, houve instrumentalização política de um dogma pelos setores religiosos conservadores, num cenário que excluiu a maior interessada, a mulher: “A eleição conseguiu retroceder décadas nesse debate”.
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