domingo, 12 de setembro de 2010

PSBD, Espionagem e Corrupção no RS

cartacapital | 15 de setembro de 2010


A lama se aproxima 
Espionagem | A governadora Yeda Crusius nega saber do esquema tocado pelo sargento Rodrigues, mas Adão Paiani, ex-ouvidor, diz que a ordem partia do Piratini 


por Lucas Azevedo, de Porto Alegre


(ronaldo bernardi/ag. rbs)

A cena eleitoral, até então tranquila no Rio Grande do Sul, foi sacudida pelas mensagens via Twitter de um promotor eleitoral que, a cada 140 caracteres, dava novos detalhes de um esquema sujo descoberto pelo  Ministério Público e cuja origem foi o Palácio do Piratini, sede do governo estadual. A primeira mensagem foi publicada às 7h55 da sexta-feira 3. Informava que um policial militar havia sido preso por suspeita de extorsão a contraventores de máquinas caça-níqueis e bingos na região metropolitana de Porto Alegre. A partir daí, outras seis mensagens postadas no início daquela manhã delinearam o horizonte do que estava por vir.


Durante as investigações, o MP detectou que o sargento da Brigada Militar César Rodrigues de Carvalho, 38 anos, lotado até o fim de agosto no gabinete da governadora Yeda Crusius, do PSDB, teria utilizado de maneira ilegal o Sistema de Consultas Integradas do estado (banco de dados de diversos órgãos, como Detran, Departamento de Identificação e Justiça). A mando de superiores e, por vezes, compartilhando com eles sua senha de acesso, o militar levantou informações de servidores, advogados, jornalistas, políticos, partidos, policiais, oficiais e civis, crianças inclusive. Um dos alvos foi o candidato petista ao governo, o ex-ministro Tarso Genro.


(luis fernando belmonte/ag. rbs)
A governadora, que aparece entre os espionados pelo sargento, disse desconhecer a ilegalidade. Mas um depoimento de Adão Paiani, ex-ouvidor da Secretaria Pública Estadual, derruba essa versão. Ligado ao DEM, aliado umbilical do PSDB, Paiani disse em entrevista a CartaCapital que Yeda Crusius sabia há ao menos um ano do esquema (pág. 40). O ex-ouvidor disse ainda que repetiria o conteúdo de suas declarações em depoimento à Polícia Federal marcado para a quinta 9. Paiani integrou o governo entre março de 2007 e março de 2009, quando foi exonerado. Desde então, tornou-se um problema na vida da tucana.


Em 13 de março de 2009, três dias depois de exonerado, Paiani entregou à Ordem dos Advogados do Brasil um CD com gravações feitas pelo sistema Guardião (que permite escutas telefônicas sob autorização judicial), nas quais o então chefe de gabinete de Yeda Crusius, Ricardo Lied, e seu primo, o ex-presidente da Câmara Municipal de Lajeado (RS) Márcio Klaus – preso antes da eleição de 2008 sob acusação de compra de votos –, discutiam a substituição de um delegado da Polícia Civil e de um comandante da Brigada Militar.



O diálogo entre os primos comprovou a utilização dos sistemas de Consultas Integradas e Guardião irregularmente. Lied teve acesso a informações de um adversário político de Klaus e informou ao primo: “Não tem nada na fichadele; eu tenho (aficha) comigo, não tem nada; ele só tem uma perda de documento. Nunca teve nada na ficha”.


O uso ilegal do aparato de inteligência pelo chefe de gabinete foi flagrado mais uma vez. Em 14 de julho, Lied e um delegado do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) procuraram o então presidente do Detran, Sérgio Buchmann, para avisar que seu filho seria preso com 23 quilos de cocaína. Para evitar estrago no governo, Lied sugeriu a Buchmann que avisasse o rapaz para se safar da prisão. O chefe do departamento se recusou e a detenção ocorreu horas depois. Lied alegou ter agido de “boa-fé”. Menos de uma semana depois, Buchmann deixou o Detran. Estava no cargo há dois meses.




Segundo Paiani, havia no Palácio Piratini um esquema de espionagem no gabinete da governadora. Além de Lied, duas assessoras de Yeda Crusius, Walna Villarins Menezes e Sandra Terra, solicitariam diretamente ao núcleo de Inteligência da Casa Militar a busca de informações de adversários e aliados. Outras fontes ouvidas por CartaCapital confirmaram a versão do ex-ouvidor: o Piratini e a cúpula da Casa Militar sabiam das operações do sargento.


Em junho do ano passado, houve troca no comando da Casa Militar. Até então sob ordens do coronel Joel Prates Pedroso, a equipe passou a ser chefiada pelo coronel João Batista Gil. Em maio, Prates foi responsabilizado pelo desvio e venda irregular de telhas da Defesa Civil, de onde era coordenador. Gil teria ingressado no governo por indicação do ex-comandante da Brigada Militar coronel Paulo Roberto Mendes, recomendado à governadora por Chico Fraga. Este último foi secretário de Governo de Canoas (região metropolitana de Porto Alegre) e investigado pela Operação Solidária da Polícia Federal, que apurou denúncia de fraude na terceirização da merenda escolar no município.


Foi a partir da mudança na Casa Militar que o tenente-coronel Frederico Bretschneider Filho – exonerado no início de setembro da assessoria do Piratini – ingressou no time de arapongas. Muito próximo de uma das assessoras da governadora, Bretschneider levou para o gabinete da governadora o experiente sargento Rodrigues, homem da Inteligência da Brigada.




O aparato de espionagem continuaria com novos atores, pois havia trabalho pela frente. Após muito esforço, a oposição havia conseguido instalar, em setembro de 2009, a CPI da Corrupção. Durante o período, circularam pelos corredores do Parlamento boatos de que deputados eram espionados. Conforme a lista parcial dos bisbilhotados divulgada pelo MP, a deputada Stela Farias (PT), que presidiu a comissão, teve seus dados verificados em outubro do ano passado, durante a CPI. Agora, o promotor Amilcar Macedo, que investiga o caso Rodrigues, informou à deputada que, por meio do Consultas Integradas, as vidas de seus filhos também foram bisbilhotadas, inclusive a de seu caçula de 8 anos. 


(antonio paz/palacio piratini)


A investigação em curso do MP reforça a ligação dos assessores diretos da governadora com o grupo de Inteligência da Casa Militar. Com o foco inicial nas atividades de Rodrigues foram encontrados consistentes sinais do envolvimento direto do sargento e de oficiais com as assessoras, com políticos e contraventores. Além da arapongagem, resta descobrir se, de fato, o sargento arrecadou propina de donos de bingos. E com quem teria dividido o dinheiro. 


Segundo os procuradores, o sargento agia muito bem amparado. Ao supostamente arrecadar dinheiro, falava que buscava o dele e o dos “chefes”. Apesar de denúncias anteriores, Rodrigues só foi exonerado após o início das investigações do Ministério Público. De certa forma, acabou premiado. Conforme o Diário Oficial do Estado, da terça-feira 31 de agosto, o sargento foi transferido para a Secretaria de Segurança Pública com uma FG (Função Gratificada) 10, uma das mais altas da carreira militar.


O que está claro até agora são indícios de que o governo Yeda Crusius se apropriou de um aparato ilegal, cuja origem remete a outras administrações. Mas em vez de dar um basta no esquema de corrupção, o aperfeiçoou e utilizou para o seu próprio benefício,  conforme palavras do ex-ouvidor da Segurança. Para tanto, reuniu em seu gabinete figuras com histórico de corrupção ou com passado nebuloso. 

(marcos eifler)


Na Segurança, é notória a disputa por poder e a ascensão de quadros ligados à corrupção, assim como o envolvimento de policiais com a máfia dos caça-níqueis e bingos. Nos bastidores, por exemplo, um influente delegado da Polícia Civil é conhecido como “Cofrinho”, por sua complacência com os contraventores. 


Os coronéis Joel Prates Pedroso e João Batista Gil não foram encontrados por sua assessora de imprensa para responder às perguntas da revista. O tenente- coronel Bretschneider Filho não atendeu às ligações. Lied, Walna Villarins Menezes e Sandra Terra não foram localizados. O tenente-coronel Marco Antônio Oliveira Quevedo disse a CartaCapital que os responsáveis serão punidos. “Abomino esse tipo de atitude.” 


O secretário estadual da Transparência, Francisco Luçardo, afirmou que o Sistema de Consultas Integradas, assim como o Guardião, existe para prestar serviços e municiar os “órgãos encarregados de esclarecer os fatos sobre delitos e acidentes”. Mas reconhece: “Houve, neste caso, mau uso das informações obtidas. Isso é uma prática desviada e delitiva”. O secretário afirmou que as investigações para apurar a falha estão sendo feitas pela Polícia Civil, Brigada Militar e Ministério Público, mas descartou uma sindicância interna do governo. “Todos que se envolveram nisso terão de responder por seus atos.” Luçardo processa Paiani por crime contraa honra, por causa de afirmações publicadas pelo ex-ouvidor na internet.


“Ela sempre teve total conhecimento” 
Segundo Paiani,que deixou o governo no ano passado, Yeda dava as ordens


(emílio pedroso/ag. rbs)
O ex-ouvidor. 
Ligado ao DEM, ele vê uma estrutura criminosa no estado


Desde que deixou o governo no ano passado, Adão Paiani passou a fazer fortes denúncias contra a administração de Yeda Crusius. Agora, no caso da espionagem, volta a acusar a governadora de conivência. Paiani falou a CartaCapital no feriado de 7 de setembro. Na quinta 9, estava marcado um depoimento seu na Polícia Federal. A seguir, os principais trechos. 


CartaCapital: Qual a situação dos órgãos responsáveis pela Segurança no Rio Grande do Sul? 
Adão Paiani: Há uma estrutura criminosa agindo numa falsa repressão à contravenção, principalmente no que diz respeito a jogos e caça-níqueis. Há um grupo que opera tanto na Polícia Civil quanto na Brigada Militar, que reprime quem é contrário aos seus interesses. Na época (2007, início da gestão tucana), o secretário Enio Bacci (PDT) tentou desmontar esse esquema. A reação do governo foi surpreendente. Em vez de incentivar Bacci, ele foi afastado. Esse esquema continuou com o secretário José Francisco Malmmann (na Segurança, de abril de 2007 a julho de 2008), que não conseguiu dominar os criminosos. Depois Edson Goularte assumiu, que não controla esses grupos porque não tem autoridade para tal. Ele delega as funções e é uma figura decorativa na Secretaria de Segurança. 


CC: Então o senhor reafirma que a governadora Yeda tinha conhecimento dessas práticas ilegais dentro do governo? 
AP: Ela sempre teve total conhecimento. Se ela não ajuda ou não fortalece quem quer derrubar esses esquemas, é porque algum tipo de interesse muito forte existe para que os criminosos permaneçam na polícia e quem quer limpar a casa saia. 


CC: E sobre o caso do sargento Rodrigues, lotado na Casa Militar? 
AP: O que esse sargento fazia na Casa Militar é algo do pleno conhecimento da governadora. Ela já conhecia, inclusive, o seu histórico. Em 2008, a Ouvidoria encaminhou à Corregedoria da Brigada Militar três procedimentos contra o sargento. Todos feitos a partir de denúncias de corrupção, extorsão e ameaças a contraventores de Canoas e região. Até o momento em que saí da Ouvidoria, em março de 2009, não obtive resposta de como estava o andamento desses processos dentro da corregedoria da BM, comandada, à época, pelo coronel João Batista Gil.


CC: O governo sabia do suposto envolvimento do sargento Rodrigues com a contravenção? 
AP: Quando o sargento estava para ser enviado à Casa Militar, foi feito um levantamento de praxe do histórico dele. Foram comprovadas denúncias e situações sempre a envolver extorsão e chantagem. Procurei o chefe da Casa Militar, que na época era o coronel Joel Pedroso Prates, e coloquei a ele a total inconveniência de levar uma pessoa com esse histórico para a Casa Militar. E todos os procedimentos que a ouvidoria encaminhava às corregedorias iam com cópia ao gabinete do secretário de Segurança. Alertei o secretário, o chefe da Casa Militar, o chefe da Casa Civil (na época, José Alberto Wenzel) e o próprio Ricardo Lied. 


CC: Como funcionava o esquema ilegal de coleta de informações? 
AP: Não tenho nenhuma dúvida de que as ordens partiam da governadora. Mas quem operava o sistema juntamente com o sargento era o então tenente-coronel e agora coronel da reserva Frederico Bretschneider Filho. Mas eles não agiam de modo próprio. As pontes entre o desejo da governadora e os operadores da espionagem chamam-se Ricardo Lied e Walna Villarins Menezes. Eles (Rodrigues e Frederico) são somente homens recrutados dentro da BM para fazer o trabalho. Até então não havia nenhuma ilegalidade no trabalho deles. A questão é o modo que eles começaram a operar. É muito fácil jogar toda a culpa em cima de um sargento e até de um coronel. 


CC: Esse esquema foi instalado no governo de Yeda? 
AP: A Yeda não criou nada disso. Ela assumiu, permitiu que esses esquemas permanecessem em funcionamento e, a partir de um determinado momento, passou a utilizar essas situações em seu benefício. Percebemos com relação à corrupção na polícia, ao ocorrido no Detran, aos esquemas de corrupção no Banrisul. Temos uma estrutura estatal a serviço de práticas criminosas. De dentro do palácio do governo, a governadora determina que se crie um sistema de espionagem para chantagear e elaborar dossiês contra adversários políticos e também contra eventuais aliados, cuja lealdade não esteja muito bem determinada.

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