O uso de documento com foto para votar
Enviado por luisnassif, sex, 17/09/2010 - 10:25
Do ValorDocumento com foto causa apreensão no NE
César Felício e Murillo Camarotto| De Belo Horizonte e do Recife
17/09/2010
A exigência da apresentação de um documento com foto no momento do voto, uma das novidades da eleição deste ano, provoca apreensão entre políticos em regiões com alto índice de população rural, como no Nordeste, que tem cerca de 28,5% de sua população no campo, ante a média nacional de 16%. O temor é que haja um considerável aumento nas abstenções. Ninguém tem o cálculo exato, mas a avaliação generalizada é que não é pequeno o contingente do eleitorado que não possui documentos com foto ou que terá dificuldades para obtê-lo até a data da eleição.
O problema se agravou este ano em razão das enchentes que afetaram a estados como Pernambuco. "Repor o título eleitoral é fácil, mas a carteira de identidade é mais difícil de se tirar. Haverá defecções, sim, mas não temos como avaliar a extensão disso", afirmou o deputado federal Mauricio Rands (PT-PE).
Entre os prejuízos causados pelas chuvas que castigaram vários municípios pernambucanos em junho deste ano, um dos principais foi a perda de documentos por boa parte da população. Desde então, foram implementados planos emergenciais para emissão de carteiras de identidade e títulos de eleitor, porém o governo estadual acredita que a maioria dos eleitores dessas cidades não terá condições de votar no próximo dia 3 de outubro.
Por este motivo, a coligação do governador Eduardo Campos (PSB), que disputa a reeleição, solicitou anteontem ao TRE local a liberação da exigência de documento com foto para os eleitores dos onze municípios mais atingidos: Água Preta, Barra de Guabiraba, Barreiros, Catende, Correntes, Cortês, Jaqueira, Maraial, Palmares, Ribeirão e São Benedito do Sul.De acordo com o coordenador jurídico da coligação, Izael Nóbrega, apesar dos esforços realizados, a distribuição dos novos documentos ficou restrita a uma pequena parcela . "Diante da perspectiva de que um significativo contingente de cidadãos será impedido de exercer o direito constitucional do voto, a Frente Popular argumenta que é necessário fazer prevalecer o direito assegurado na carta maior sobre a exigência prevista em lei ordinária", afirma o documento. Procurado, o TRE-PE informou que o pedido ainda será apreciado pelo presidente do órgão, Roberto Ferreira Lins.
Um eventual surto de abstenções em Pernambuco atingirá em cheio redutos eleitorais do governador. No segundo turno das eleições de 2006, o então candidato Eduardo Campos venceu com folga em dez das onze cidades mencionadas, obtendo ali um resultado bastante superior à sua média no Estado. O governador recebeu 73,9% dos votos válidos nesses municípios, contra 26,1% de Mendonça Filho. No apanhado geral de Pernambuco, Campos foi eleito com 65,3% dos votos.
De acordo com o TRE, os municípios em questão somam cerca de 214 mil eleitores. Nas três cidades mais atingidas, Palmares, Barreiros e Água Preta, foram reimpressos todos os 97 mil títulos de eleitor ali registrados. Até ontem, no entanto, apenas 17 mil foram retirados pela população. O Tribunal revelou não ter condições de saber quantos eleitores estariam impossibilitados de votar por falta de documentação.
O mesmo argumento foi utilizado por Jamir Carneiro, gestor do Instituto de Identificação de Pernambuco. Segundo ele, os mutirões realizados distribuíram pouco mais de 9 mil carteiras de identidade aos cidadãos das áreas atingidas. Ele revelou, contudo, não ser possível precisar quantos eleitores ainda estão sem documentos. "Só conseguimos saber quando somos procurados", resumiu.
Há cinco anos, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso, avaliou que 30 milhões de eleitores não tinham documento com foto. São vários motivos para isso: cada Estado emite um documento, sem padrão nacional. Em muitos deles, o documento não é gratuito. Sua expedição não necessariamente é automática: às vezes, leva-se dias para se receber uma carteira de identidade. E a emissão é concentrada em poucos núcleos por Estado.
A criação do programa Bolsa Família pelo governo federal, que atende à população de baixíssima renda, concentrada no meio rural, atenuou o problema. "Para se ter acesso ao benefício, é preciso ter o documento e com certeza isso massificou a documentação da população", avalia o presidente do PPS de Alagoas, o deputado estadual Régis Cavalcante. Em estados como o Maranhão e o Piauí, o programa de transferência de renda chega a atender a 40% das residências. Mas este fator nem de longe eliminou o problema.
"O Bolsa Família, como o próprio nome diz, atende um por família. Os demais ficam sem o documento", comentou o prefeito de Imperatriz (MA), Sebastião Madeira (PSDB). Seu município é um dos poucos da região sul do Maranhão em que a carteira de identidade é expedida. "Aqui em volta há 40 assentamentos rurais, com cerca de 15 mil habitantes. Chegam a ficar a 120 quilômetros do núcleo urbano, por estrada de terra. Para tirar a carteira de identidade, perdem dois dias de trabalho. Em Amarante, fui abordado por duas pessoas que me pediram R$ 100 para irem tirar o documento. Do contrário, não votarão. Obviamente, não atendi", comentou o tucano.
No Rio Grande do Norte, o TRE local e o Instituto Técnico e Científico da Polícia (Itep) fizeram um convênio para a realização de mutirões para a emissão de carteiras de identidade. No Piauí, os próprios candidatos procuram divulgar a nova norma. O presidente estadual do PT, deputado estadual Fabio Novo, determinou que todos os candidatos colocassem em todo o seu material de campanha um aviso da necessidade de se portar tanto o título quanto o documento com foto no momento da votação. "Acredito que haverá alguma perda para a Dilma, porque é a que tem mais eleitores no interior do Estado, mas nada que chegue a influenciar resultados. Já é grande o nível de informação", avaliou, em uma referência à candidata presidencial pelo PT, Dilma Rousseff.
A justificativa para a mudança é coibir um tipo de fraude começava a se generalizar. No interior do Maranhão, até as últimas eleições, era possível comprar ou alugar um título eleitoral autêntico por R$ 50. Para fraudar a eleição, o cabo eleitoral recebia de R$ 10 a R$ 20. "Para determinados candidatos, muito melhor do que pagar pelo voto a um eleitor e confiar em sua fidelidade dentro da cabine de votação era reunir vários títulos e encarregar seus empregados de percorrerem as seções eleitorais votando cada vez em nome de um eleitor diferente", comentou Marlon Reis, presidente da Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores Eleitorais e juiz eleitoral em João Lisboa (MA).
Havia três modalidades básicas: a mais usual era a fraude pela compra de títulos eleitorais autênticos, obtidos de eleitores já falecidos ou que requereram o documento mas não os retiraram dos cartórios eleitorais. A segunda era o "aluguel" do título: mediante pagamento, o eleitor entregava seu título para o candidato ou cabo eleitoral no dia da eleição. A terceira era a clonagem de um documento autêntico, mediante falsificação. Neste caso, o alvo era os eleitores que migraram para outros Estados e rotineiramente não aparecem para votar. Na primeira e na última modalidade, era necessária a cumplicidade de funcionários da justiça eleitoral.
"Flagrei em 2008 um 'eleitor' que se confundiu e apareceu para votar pela segunda vez em uma mesma seção. Demos voz de prisão e ele estava com sete títulos eleitorais. Ele indicou o mandante, que era o candidato a vice-prefeito da chapa que perdeu. Na casa deste vice-prefeito, havia dezenas e dezenas de títulos", relembrou o juiz Douglas de Mello Martins, que atuará este ano nas eleições em Santo Antônio dos Lopes.
O episódio relatado por Mello Martins ocorreu em Fortuna do Maranhão e envolveu a chapa derrotada de Raimundo Sousa (PHS).
A fraude também foi documentada na mesma eleição em Paço do Lumiar, próximo a São Luís. A juíza Jaqueline Reis Caracas efetuou seis prisões de pessoas que tentavam votar se passando por outros eleitores. O uso do título ali tinha cotação mais baixa do que a média: R$ 20. Dois vereadores já foram cassados.
Em Codó, uma cidade de médio porte no Estado, os juízes Nelson Martins Filho e Kátia Coelho se anteciparam à lei e exigiram a apresentação de documento com foto na eleição municipal de 2004. Dias antes da eleição, foram encontrados 173 títulos clonados e 900 títulos autênticos na chácara de uma pessoa ligada ao candidato Biné Figueiredo (PDT), que venceu a eleição para prefeito. Um dos 18 presos em flagrante relatou que receberia R$ 10 por voto.
Os juízes no Maranhão não sabem precisar quantos eleitores no Estado não possuem carteira de identidade ou algum outro documento com foto. Para Mello Martins, a nova exigência, por si só, não blinda a votação de fraudes. "As secretarias fazem convênio com as prefeituras para a expedição de documentos com fotos, não só no Maranhão, mas em outros Estados. Sendo assim, há possibilidade de fraude no cadastro, ainda que a exigência venha a diminuir bastante esta possibilidade", afirmou.
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