quinta-feira, 29 de abril de 2010

O mundo à beira de novo colapso financeiro?

28/04/2010

O mercado quer sangue

Portugal acaba de inaugurar a temporada de sacrifícios no altar do mercado para tentar acalmar os deuses das finanças.
Em uma medida extraordinária, o pais ibérico antecipou de 2011 já para 2010 uma série de medidas visando cortes de gastos estatais. Entre as principais, está a limitação em 75% da chamada remuneração líquida de referência (que varia entre 420 euros e 1.257 euros) para o recebimento do seguro-desemprego por desempregados.
O primeiro-ministro português, José Sócrates, deixou claro que as medidas visam responder "ao ataque especulativo sem fundamento à divida soberana portuguesa".
O prêmio (spread) exigido por investidores para comprar títulos da dívida de Portugal (na comparação com o pago pela Alemanha, o mais baixo da União Europeia) já se aproxima do pedido à Grécia quando o país anunciou, na semana passada, que precisa ser socorrida para não reestruturar sua dívida.
Falava-se na semana passada em US$ 60 bilhões para os gregos. Agora, em US$ 150 bilhões. Se for isso mesmo e o problema se estender a países como Portugal, Irlanda e até Espanha, estaremos diante, mais uma vez, de águas nunca antes navegadas _como ocorreu no início da Grande Recessão de 2008/2009.
Agências de classificação de risco rebaixaram a dívida portuguesa ao seu pior nível em termos históricos, grega (reduzida a "lixo") e, agora, a da Espanha. Embora estejam desacreditadas, as notas dessas agências aparecem em muitos contratos de bancos e em papéis que circulam no mercado. Quando um país é rebaixado, o refinanciamento de suas dívidas se torna ainda mais complicado.
A atual crise na Europa é consequência do alto endividamento de seus países e de um cenário de baixo crescimento (leia a coluna Beco sem saída). Dificilmente esse nó será desatado tão cedo, sem graves consequências de longo prazo.
Com um mercado altamente engessado e com um setor produtivo e agrícola extremamente dependente de subsídios, a União Europeia se assemelha mais a um transatlântico enferrujado. Neste ano, no melhor cenário, poderá crescer apenas 1%. Sem o PIB aumentando mais rapidamente, todos os problemas ficam maiores, pois dívidas e déficits são calculados pelo mercado sempre como proporção do PIB.
Quanto mais cresce esse denominador (o PIB), menores ficam os problemas estruturais.
Os EUA, com uma economia bem mais aberta, dinâmica e sem amarras e sem grandes obrigações para demitir ou contratar, já estão apontando para um crescimento de 3% do PIB neste ano. Mantida essa tendência, seus problemas de endividamento, hoje em alta, podem começar a diminuir no médio prazo.
O caso da Europa é grave porque, além de endividada, terá de fazer cortes profundos para aplacar a ira do mercado e provar que terá como honrar suas dividas.
Isso, infelizmente, só tende a segurar ainda mais o crescimento do PIB e a reforçar o aparecimento de uma série de números ruins.


Fernando Canzian, 41 anos, é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro "Desastre Global - Um ano na pior crise desde 1929". Escreve às segundas-feiras na Folha Online.

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