quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Perspectivas políticas numa versão tucana. Até que ponto estão corretas?

Do Amálgama
Um novo PSDB?


-- Eduardo Campos (PSB) e Aécio Neves (PSDB) --

por André Egg
Nos anos 1990 o PSDB foi vitorioso eleitoralmente por conseguir apresentar um projeto claro de país: o combate à inflação era prioridade, bem como a modernização institucional e econômica. Aliado a este projeto, para o qual o PSDB conhecia o caminho a seguir, o partido soube melhor do que ninguém construir as alianças necessárias, engolir sapos. Nunca me esqueço da figura de FHC comendo buchada de bode em companhia de ACM no interior da Bahia.
Em contrapartida, o PT se perdia num idealismo purista e ingênuo, e em lutas fratricidas que sempre foram a marca da esquerda. Tinha boa base social na classe média dos grandes centros e entre os trabalhadores sindicalizados. Mas não sabia fazer as alianças necessárias para governar um país como o Brasil, nem tinha clareza de como enfrentar os problemas que diagnosticava, exceto no âmbito municipal, onde vinha sendo capaz de protagonizar gestões inovadoras e de alta qualidade.
Na década de 2000 o negócio se inverteu. O PT ganhou as eleições presidenciais tripudiando sobre o rescaldo do governo FHC, numa espécie de “eu te disse” em que as críticas ao neoliberalismo se confirmaram na íntegra quando se revelou que o projeto tucano se esgotara em estagnação econômica, desemprego e empobrecimento, e sucateamento da infra-estrutura do país. Por outro lado, o PSDB ficou assistindo apalermado os parcos sucessos do governo Lula, que, diante do retumbante fracasso a que nos acostumamos historicamente no Brasil, parecia mesmo grande coisa. Os tucanos nunca fizeram oposição, no sentido de crítica contundente e sinalização de modelos alternativos.
José Serra seguia sua trajetória autista, imaginando que a eleição lhe cairia no colo, como pareciam indicar todas as pesquisas feitas até o final de 2009. Por outro lado, apesar de nunca ter conseguido se tornar uma candidata minimamente atrativa, seu currículo como gestora pública e sua proposta de dar continuidade ao governo Lula deram uma vitória relativamente fácil a Dilma. Nunca é demais lembrar, isso ocorreu na primeira eleição que ela disputou na vida.
Passado o terror de fazer campanha, coisa para a qual não tinha o mínimo tino, ela inicia um governo que eu julgo que será o melhor que o Brasil já teve. A base de comparação é fraca e, se não tinha tino para fazer campanha, Dilma tem, e muito, para a administração pública.
Mas digo tudo tudo isso porque penso no que pode acontecer com o PSDB daqui pra frente.
Em primeiro lugar, considero que Serra está fora. Perdeu a eleição de forma esmagadora e, pior do que isso, passou a década de 2000 destruindo a reputação política que tinha construído em décadas anteriores. A imagem dele beijando um crucifixo, ou queixando-se de bolinhas de papel, ou de Mônica Serra afirmando que Dilma mata criancinhas, tudo isso fica na retina de forma indelével. Ademais, ele está fora porque ficou 2 anos na prefeitura de São Paulo sem deixar nenhuma marca importante, o mesmo acontecendo em 4 anos no governo do estado. Como gestor público, se revelou um ótimo candidato a presidente – e só. Por fim, ele perdeu o único apoio de peso que tinha: FHC agora diz abertamente que o candidato tucano é Aécio.
Não que isso signifique nada útil. Dizer que o candidato tucano em 2014 deve ser Aécio talvez inclua a presunção de um governo Dilma incompetente e facilmente derrotável nas urnas. Será que não aprenderam com o erro de avaliação do que seria o governo Lula? Tenho pra mim que a candidatura de Dilma à reeleição em 2014 será praticamente imbatível. Melhor pensar seriamente em 2018.
De qualquer forma, o PT chegou ao domínio político que tem hoje (precário e dentro de uma vasta coalizão – nunca é demais lembrar) trabalhando duro desde os anos 1980. Foram 20 anos para chegar a um resultado efetivo, de modo que 2018 está logo ali.
Muitos analistas começaram a tentar traçar perspectivas para o PSDB, assim que ficou claro que Dilma venceria a eleição. O que todos diziam era que o PSDB estava falido e precisava se repensar. Acontece que o partido perdeu para presidente, mas ganhou governos importantíssimos como o de São Paulo, Minas e Paraná. Mais que isso, ganhou com projetos capazes de fazer bons governos, como já vai ficando claro neste início de ano.
No Paraná, Beto Richa pode ter os defeitos que tiver, mas será quase impossível que seu governo não seja muito melhor que os de Lerner (1995-2002) e Requião (2003-2010). Para não falar nos de Álvaro Dias (1987-1990) e Requião (1991-1994). Em Minas Gerais, Anastasia é uma espécie de Dilma de Aécio. Me explico: assim como Dilma no governo Lula, Anastasia foi o gestor público responsável por tocar o governo mineiro enquanto Aécio fazia política. De modo que fica em casa em termos de gestão pública, e fará um bom governo.
Em São Paulo, vai acontecendo algo que eu pensava ser impossível: Alckmin dá uma guinada em relação ao governo Serra, e aponta para melhorias substanciais. Lição tirada das urnas, com uma vitória apertadíssima e a possibilidade ameaçadora de um 2° turno imprevisível? Pode ser. Vingança contra o rival que o jogou aos leões da campanha presidencial em 2006 e lhe tirou a base da candidatura municipal em 2008? Pode ser. Efeito de se ter, pela primeira vez em muito tempo, um governador de São Paulo que não é candidato a presidente nas próximas eleições? Pode ser.
Fato é que Alckmin já deu sinais de para onde aponta seu governo: revisou os cronogramas de obras da gestão Serra, afirmando que estão todas atrasadas, especialmente as das linhas do metrô. Nomeou um secretário de educação que conversa com o sindicato dos professores e que promete reformular amplamente o setor que foi mais desastroso na gestão Serra.
Do mesmo modo, Beto Richa no Paraná também já caracterizou sua gestão na prefeitura de Curitiba (2005-2010), não pelas obras urbanísticas que sempre foram a bandeira de seu grupo político, mas pelas Consultas Públicas sobre o programa de obras municipais, pela regularização fundiária e urbanização de vilas na periferia (se foi com recursos federais como disse Lula em comício, pouco importa), por uma tímida recuperação profissional e salarial nas carreiras dos funcionários de saúde e educação (novamente, qualidades que se destacam em relação à temeridade das gestões anteriores).
Dito tudo isso, posso fazer um balanço.
O PSDB é hoje o segundo maior partido brasileiro (não o PMDB, que não tem nem terá candidato presidencial, nem tem força nos principais estados, exceto Rio de Janeiro). É forte e será mais forte à medida que afastar o fantasma de José Serra e fizer o caminho inverso ao que seu último candidato traçou nos anos recentes: de uma ida à direita, deverá fazer uma volta ao centro. Isso já se desenha à medida em que o apoio de DEM e PPS, que foram a base da liderança de José Serra, perde importância dentro da estratégia de Aécio de flertar com o PMDB e o bloquinho PSB-PDT-PCdoB. São partidos ou grupos que estão no governo Dilma, mas que aumentam seu poder de barganha quando acenam com um flerte aecista. Já estão fazendo isso abertamente, e participam de alianças estaduais que sustentam governos tucanos em Minas e no Paraná.
Ao invés de tentar representar a direita anti-petista, que perdeu feio nas eleições de 2010, o PSDB volta a disputar uma hegemonia do centro com o PT. Essa é sua vocação, esse é seu DNA. Se tiver habilidade neste mister, será forte nas próximas eleições.
Por outro lado, fica um amplo espectro político completamente aberto: não existe ninguém politicamente viável à esquerda do PT hoje, o que é muito ruim, dado que o governo Lula (e tudo indica que também o governo Dilma) deram uma notável guinada à direita em nome da governabilidade. Um pouco de estabilidade das instituições democráticas (inclusive os partidos políticos), coisa que nunca aconteceu no Brasil, deve contribuir para acomodar as coisas um pouco melhor. É o que esperamos nós, os eleitores.



Músico e historiador, professor da Faculdade de Artes do Paraná, ex-professor da Faculdade Teológica Batista do Paraná, doutor em História Social pela USP.
André Egg      



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