segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O trágico fim da busca por uma vida melhor

Massacre no México põe fim a sonho de vida melhor de dois brasileiros

Viagem arriscada. Juliard Aires Fernandes, que era de Santa Efigênia de Minas, e Hermínio Cardoso dos Santos, de Sardoá, eram amigos de infância e tinham deixado a vida na roça no dia 3 para tentar entrar nos EUA, onde um amigo os esperava em Boston

30 de agosto de 2010 | 0h 00
Marcelo Portela BELO HORIZONTE - O Estado de S.Paulo

Perda. Antônio e Maria, pais de Hermínio Cardoso dos Santos: apenas os documentos do jovem mineiro foram encontrados  
                
Como milhares de brasileiros que se arriscam para tentar entrar ilegalmente nos Estados Unidos, os mineiros Juliard Aires Fernandes e Hermínio Cardoso dos Santos buscavam uma vida melhor e a chance de poder ajudar a família. No entanto, os jovens acabaram executados por membros do cartel Los Zetas no Estado de Tamaulipas, no norte do México, juntamente com outros 70 imigrantes ilegais.
Juliard nasceu em Santa Efigênia de Minas, no Vale do Rio Doce, localidade próxima de Gonzaga, onde também nascera Jean Charles de Menezes, outro imigrante brasileiro que ficou conhecido após ser morto por policiais em Londres (mais informações nesta página).
Hermínio era de Sardoá, município vizinho a Santa Efigênia de Minas. Os documentos do jovem de 24 anos foram encontrados no local da matança, em uma fazenda em San Fernando, mas o corpo ainda não foi identificado.
A história de Hermínio e Juliard, que no dia 8 completaria 20, começa na zona rural do Vale do Rio Doce. Os amigos de infância cresceram ajudando os pais no plantio e colheita da roça. No dia 3, embarcaram para Governador Valadares, na mesma região, onde se encontraram com os agenciadores que prometeram colocá-los dentro do território americano. Para isso, cada um teria de pagar R$ 24,5 mil.
Seus parentes pouco sabem sobre os assassinatos. Para aumentar o drama vivido por eles, também não têm conhecimento de quando os corpos serão trazidos para sepultamento. "Se for por nossa conta, não vamos despedir do nosso filho, pois não temos dinheiro", lamentam os pais de Hermínio, Antônio Ramos dos Santos, de 64 anos, e Maria Cardoso dos Santos, de 58, conhecida como dona Lilia. "Clamo às autoridades que tragam o corpo do meu menino, para que ele possa ter um enterro digno", desabafa Alírio Aires Fernandes, de 66 anos, pai de Juliard.
Origem humilde. Antônio e dona Lilia moram numa casa humilde no Córrego dos Firmino, na zona rural de Sardoá, onde criaram sete filhos. Hermínio era o mais novo. A cruz de madeira pregada na entrada da residência e as imagens de santo na parede da sala representam a devoção do casal, não abalada pela morte do caçula. "
"Ele resolveu ir para Boston aproveitando que estava novo. Falava que queria ganhar um dinheirinho, para se manter na vida quando eu e o pai faltassem. Deus não quis que fosse assim", disse a mãe de Hermínio. "Na minha época de solteiro, os sonhos eram outros. Agora eles querem moto, computador, coisa que não dá para comprar com o dinheiro que se ganha na roça", observou Antônio.
Segundo ele, Hermínio concluiu apenas a 4.ª série do ensino fundamental e "quase não tinha leitura". Chegou a morar clandestinamente na Itália, há quatro anos, mas foi deportado. "Lá, ele trabalhou apenas dez meses, como servente de pedreiro, e conseguiu juntar pouco dinheiro. Quando voltou, conseguiu comprar apenas uma moto velha. Agora nós pegamos emprestado os R$ 24,5 mil que ele tinha de pagar para ir para os EUA", afirmou.
Dona Lilia conta que a família não tem informações sobre as pessoas que aliciaram Hermínio e o amigo. "Sei apenas que eles foram para Governador Valadares", disse. É o segundo filho homem que o casal perde. O primeiro suicidou-se aos 23 anos.
A mesma situação vive Alírio, pai de dez filhos. Há dois anos, um deles foi assassinado. Há oito meses morreu sua mulher, Mercês Pereira de Souza, vítima de enfarte aos 52 anos. Antes que ele começasse a falar sobre a bárbara execução do caçula Juliard no México, os olhos do camponês se encheram de lágrimas.
Ele mora numa casa também muito simples no Córrego Tronqueirinha, zona rural de Santa Efigênia de Minas, vizinha a Sardoá. O desejo do rapaz de ganhar a vida nos EUA surgiu há quatro anos. "Primeiro ele falava em ir para Portugal, mas eu disse que lá não ganharia dinheiro."
Juliard, que tinha o apelido de Tico, tentou seguir os passos da tia Maria da Glória Aires, de 48 anos, e das filhas dela, que conseguiram entrar nos EUA pela fronteira com o México. "Sabemos apenas que ele teve as mãos e os pés amarradas e foi executado a tiros. Não temos informações de quem levaria Juliard e Hermínio para os EUA nem quanto pagaram para isso. Estava tudo certo para que um amigo nosso, que tem a dupla nacionalidade portuguesa e americana, os recebesse lá", afirmou Maria da Glória.
Segundo ela, os amigos foram executados porque se negaram a entrar com drogas no EUA. Depois de Valadares, segundo Maria da Glória, os dois passaram por São Paulo e Guatemala, antes de viajar para o México.
Uma prima de Juliard, Rosângela Marques Fernandes, afirmou ao Estado que desde que partira não havia feito contato com a família. "Todo mundo estava preocupado, porque ninguém sabia o que estava acontecendo com ele. Quando apareceu essa notícia (da chacina no México), já ficamos apreensivos, com medo que ele pudesse estar no meio", afirmou. Segundo Rosângela, Juliard trabalhava como pedreiro na própria cidade, mas tinha o sonho de ir para o exterior para poder dar uma vida melhor à família.
"Estão todos chocados, porque ele era um rapaz novo, que nunca arrumou problema. Falamos para o Juliard não ir, mas ele queria ajudar o pai. Foi tentar a vida fora e, no fim, perdeu a vida", lamentou.
Rosângela revelou que tentou, com o marido, Vando, dissuadir Juliard da viagem, porque cerca de três anos atrás o casal também tentou entrar clandestinamente nos EUA e foi deportado após passar um tempo em uma prisão americana.
Rosângela é prima distante do eletricista Jean Charles de Menezes, que era de Gonzaga, cidade próxima a Santa Efigênia de Minas. Ele foi assassinado em 2005 pela polícia no metrô de Londres ao ser confundido com um terrorista. "Não aconselho ninguém a ir (ilegalmente para o exterior). Só quem passou por aquilo sabe o quanto é sofrido."
Em nota, o governo mineiro lamentou as mortes dos jovens na fronteira mexicana e afirmou que a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) dará assistência às famílias das vítimas. O governo também se comprometeu a fazer o traslado dos corpos até as cidades de origem, a partir de sua chegada ao Brasil, e a dar auxílio para os funerais, que ainda não têm data prevista. / COM "ESTADO DE MINAS"

PARA LEMBRAR

O brasileiro Jean Charles de Menezes, de 27 anos, foi morto a tiros em 22 de julho de 2005 por agentes da brigada antiterrorista da polícia metropolitana de Londres, a Scotland Yard, na estação do metrô de Stockwell. Os policiais confundiram o eletricista brasileiro com um dos terroristas que tentaram cometer um ataque no dia anterior. Como os dois brasileiros mortos no México, Jean Charles tinha viajado para o exterior para trabalhar e tentar dar mais conforto para a família. Ele era da cidade mineira de Gonzaga, próxima de Santa Efigênia de Minas, onde nasceu Juliard Aires Fernandes, de 20 anos, uma das vítimas do massacre em Tamaulipas. 

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