sábado, 9 de outubro de 2010

A dificuldade de se entender o voto religioso

A religião e a política

Por Eduardo Gross


Concordo plenamente, a quase totalidade dos analistas na verdade não entende de religião e isso torna a discussão do tema uma miscelânea de rótulos pouco explicativos, simplista e inclusive preconceituosa em muitos casos. Algumas questões que precisam ser levadas melhor em conta:
a) Há diversidade no meio religioso, há tensões e há disputas internas (tanto disputas sobre ideias religiosas quanto disputas por poder religioso institucional).
b) Há uma continuidade de estilos entre o tradicional catolicismo, que moldou a identidade brasileira, e uma parte deste novo ambiente evangélico - o de que lideranças clericais definam votos de seus "rebanhos"; sem esse fundo, não seria compreensível como pessoas se submetam a indicações de voto com argumento religioso.
c) Há uma mudança histórica quanto ao modo como a religião influencia a política. Não se trata mais tanto de uma instituição sozinha, como foi o caso da Igraja Católica até a primeira metade do século XX, pressionar diretamente lideranças políticas. Hoje há uma gama variada de pressões, em parte instituições que pressionam pela cúpula, em parte ideias disseminadas que pressionam pelas bases. Em todo caso, há um progresso aqui em relação ao passado, no mínimo em função da diversidade de interesses que afloram.
d) Há um comportamento de instituições religiosas paralelo ao de partidos políticos. O caso mais visível é o tipo de relação que se estabeleceu, por exemplo, com o Bispo Macedo. Trata-se de um expediente bastante ambíguo, já que é patrocinado pelo poder político.
e) Importantes lideranças políticas tem um fundo religioso em suas motivações. Plínio, Heloísa Helena e Marina são exemplos disso - para ficar no âmbito mais à esquerda. A presença de Leonardo Boff no lançamento da campanha de Marina é exemplar, assim como depois suas manifestações contra o preconceito em relação a Lula na imprensa.
Entendo que alguns desafios estão colocados para as análises:
a) É necessário superar o estereótipo de que religião é igual a atraso. Há atraso e há avanço, analises lineares são enganosas, pressupõem uma marcha histórica predefinida, tais como foram preconizadas tanto pela noção de "providência divina" quanto pelos ideais históricos do iluminismo e do marxismo, por exemplo.
b) É preciso reconhecer que as idéias religiosas são uma das formas pelas quais amplos setores (em geral marginalizados) da sociedade se fazem ouvir. Rotular tais setores de atrasados, sem atentar para as mensagens que querem transmitir, não ajuda a integrar essas massas no processo político.
c) Não vi ainda nenhuma análise sobre o impacto dos deslizes éticos de figuras do governo nesta questão do "voto religioso". Por mais que tenha havido manipulação e moralismo nos meios de comunicação, também é questionável que se deixe de perceber que a defesa de valores tem impacto num ambiente em que as pessoas sentem necessidade de estruturas justas e promotoras de vida digna para todos.
d) A abordagem meramente mercadológica do fator religioso é enganosa. A capacidade de Marina de convencer é que ela realmente não precisa falar de religião a partir de um script. A transmissão de idéias religiosas faz os olhos brilharem de modo próprio, de modo que tanto Dilma quanto Serra não passam a mesma sensação. Trazer mais lideranças religiosas para a campanha, algo que talvez inevitavelmente aconteça, não é garantia de muita coisa e, a longo prazo, de certo significa um fator despolitizador. Aqui é que há uma opção cruel: Entre hipocrisia instrumentalizadora e sinceridade auto-sacrificante. Isso vale não só para Dilma, mas também (talvez até muito mais) para Serra. No caso da Dilma é óbvio, mas no do Serra representa o minar por baixo do caráter liberal moderno que pretensamente o alicerça. Em todo caso, independentemente dos desdobramentos futuros, as vozes religiosas conservadoras já são as maiores ganhadoras desta eleição. Quem foi para o segundo turno já está necessariamente comprometido com suas bandeiras, seja este compromisso voluntário ou, como provavelmente seja nos dois casos, meramente instrumental. Piores do que o compromisso com as vozes conservadoras, entretanto, ainda são os compromissos institucionais que podem vir a ser selados.
e) A defesa de ideias religiosas é parte do espaço democrático. A sociedade brasileira ainda precisa aprender a conviver com o conflito inerente à propagação da diversidade dessas ideias. Mas isso deve ter caráter público, não deve ser algo de bastidores. Que ideais religiosos tenham influência nos rumos políticos, nesse sentido, é totalmente natural - desde que se assegure, também aqui, os direitos de minoria. 

Um comentário:

  1. Se todos os Políticos fossem religiosos, ou seja, Cristãos sinceros, a começar pelo Presidente à maioria dos Senadores e Deputados federais, o Brasil teria outro conceito, outra cara, pois Deus estaria nesse negócio, assim como no passado esteve com os Reis tementes a Deus.

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