segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Saúde Federal

Proximidade de equipes melhora atendimento no Saúde da Família, avalia especialista

Principal programa da área do governo federal teve incremento de 85% no número de equipes. Envolvimento com os pacientes e a comunidade permite trabalho diferenciado com a saúde da população
Publicado em 12/08/2010, 17:03
Última atualização às 17:07
Daniel Ferreira, médico do Saúde da Família, atende dona Benedicta de Oliveira, de 89 anos (Foto: Danilo Ramos)
São Paulo – Os exames são lidos um a um até formarem o diagnóstico completo. Deu negativo para sífilis, Aids e hepatite: alívio. Diabetes, sob controle. Hérnia de disco, de leve, sem necessidade de cirurgia. As radiografias, por sua vez, revelam bico de papagaio e uma espécie de inchaço da aorta, mas nada que não possa ser controlado. O paciente João prefere pensar que o copo está meio cheio, e não meio vazio, e comemora o balanço da consulta, feita no Programa de Saúde da Família (PSF).
Até há poucos meses, ele era completamente descuidado com a saúde e não ter uma doença grave – ou mesmo qualquer enfermidade transmissível sexualmente – parece um cenário bom o bastante. Aos 57 anos, o “plaqueiro” ganha a vida no centro de São Paulo com anúncios pendurados pelo corpo. Faz apenas seis que deixou de beber e há pouquíssimo tempo tornou-se frequentador do PSF. A extensa consulta é um caso comum no trabalho desenvolvido na Unidade Básica de Saúde República, no centro da capital paulista, e em milhares de outros postos espalhados pelo Brasil.



O médico Alcionei Aparecido Pereira faz uma extensa lista de perguntas a cada consulta. A velocidade do atendimento, decisiva em outros lugares, é absolutamente secundária. O mais importante é traçar um quadro completo de cada paciente. Hábitos de vida, de alimentação e de saúde são alguns dos requisitos fundamentais em uma consulta de Saúde da Família.
Mais de 5.200 municípios brasileiros aderiram ao programa, que chega a 98 milhões de brasileiros, pouco mais de 50% da população – a meta é chegar a 70% de cobertura já em 2011.
Maria Alice Pessanha de Carvalho, pesquisadora-adjunta da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), lembra que há um caráter social da enfermidade: adoece-se individualmente, mas as causas podem estar ligadas a um estilo de vida inadequado. “É uma perspectiva de reorientação de um modelo. A saúde pública e principalmente a saúde individual estavam pautadas em tratar a doença, em olhar a pessoa já doente e encontrar alternativas para essa doença”, afirma.

Generalista

Criado em 1994 pelo Ministério da Saúde a partir de iniciativas realizadas no Nordeste, o programa teve um projeto de expansão claro a partir de 2003. O número de equipes passou de 16,7 mil em 2002 para os atuais 30,9 mil, aumento de 85%. Mudou também a constituição das equipes, que hoje incluem médicos, agentes comunitários de saúde, enfermeiros e assistentes de enfermagem. Em muitos casos, profissionais de saúde bucal integram o atendimento. Cada equipe deve atender, no máximo, a quatro mil famílias, sendo recomendado o número de três mil.
O número de equipes passou de 16,7 mil em 2002 para os atuais 30,9 mil, aumento de 85%. Mudou também a constituição das equipes, que hoje incluem médicos, agentes comunitários de saúde, enfermeiros e assistentes de enfermagem. Em muitos casos, profissionais de saúde bucal integram o atendimento.
“Antes, para cada problema desses eu teria que ir num médico”, relata João. “Urologista, cardiologista, ortopedista. Imagina só. Para fazer esse monte de exames ia levar no mínimo um ano”, calcula. Esgotar possibilidades é uma das estratégias dos médicos do programa. A ideia é retomar a tradição generalista, deixando de olhar para as partes isoladamente e voltando a enxergar o paciente como um todo.
Daniel Ferreira, médico comunitário, encontra uma alta incidência de doenças ocasionadas por fatores como estresse e ansiedade. “Quando me deparo com essa situação, pergunto se está feliz no trabalho, se está feliz no casamento, se tem boas relações sexuais. E os pacientes rebatem com um 'o que você tem a ver com isso?'. As pessoas estão mal-acostumadas com profissionais que fazem de qualquer jeito”, afirma. Depois de passar a manhã em atendimentos na Unidade Básica de Saúde, Daniel presta visitas a domicílio.

Universalização

Dona Benedicta de Oliveira recebe atenção especial. Seu pequeno corpo de 89 anos está bem aquecido sob uma sequência de cobertores e blusas que satisfazem o médico. Ela recebe o cuidado de alguns parentes que visitam o apartamento do centro paulistano, mas passa boa parte do dia sozinha. A chegada da equipe de Saúde da Família é um alento e uma alegria para esta senhora que, semanalmente, recebe um agente comunitário de saúde, além da consulta médica em domicílio, enfermeiros visitam os pacientes.
Para Maria Alice, a pesquisadora da Fiocruz, a mudança é primordial para cumprir o requisito de atender não apenas às regiões mais carentes, tornando secundário o sistema privado de saúde. “É uma reorientação do modelo estratégico para o cumprimento dos princípios de integralidade, de universalidade. Não se vê a população apenas como intervenção programática, que tem final marcado”, destaca.
Mais de 5.200 municípios brasileiros aderiram ao programa, que chega a 98 milhões de brasileiros, pouco mais de 50% da população – a meta é chegar a 70% de cobertura já em 2011. Uma portaria de 2006 do Ministério da Saúde transformou o programa em Estratégia de Saúde da Família, o que significa que é este o pilar fundamental para chegar à universalização do acesso prevista na Constituição.

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