terça-feira, 31 de agosto de 2010

EUA - vítima do próprio remédio (neoliberalismo)

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EUA somem na escuridão

Tudo o que sabemos sobre o crescimento econômico diz que uma população culta e uma infraestrutura de alta qualidade são cruciais para o crescimento. As nações emergentes estão realizando enormes esforços para melhorar suas estradas, portos e colégios. Contudo, nos EUA estamos recuando. É a consequência lógica de três décadas de retórica antigovernamental, uma retórica que convenceu numerosos eleitores de que um dólar arrecadado por impostos é sempre um dólar mal gasto, que o setor público é incapaz de fazer algo bem feito.

Por Paul Krugman*
[26 de agosto de 2010 - 17h40]
As luzes se apagam em todo Estados Unidos. A cidade de Colorado Springs estampou nas manchetes dos jornais locais sua intenção desesperada de economizar dinheiro apagando um terço de seus semáforos, mas estão acontecendo coisas parecidas em todo o país, desde a Filadélfia até Fresno.

Contudo, um país que assombrou o mundo com seus visionários investimentos nos transportes, desde o canal de Erie até o sistema de autopistas interestatais, agora se encontra em um processo de despavimentação: em vários estados, os governos locais estão destruindo estradas que não já não podem mais manter e reduzindo-as a cascalho.

E uma nação que outrora valorizava a educação, que foi uma das primeiras a oferecer escolarização básica a todas as suas crianças, agora está fazendo cortes. Os professores estão sendo despedidos e os programas cancelados. No Havaí, até o curso escolar está acabando de maneira drástica. E tudo indica que no futuro mais ajustes serão feitos.

Dizem-nos que não temos eleição, que as funções governamentais básicas – serviços essenciais proporcionados durante gerações – já não são viáveis. E é certo que os governos estaduais e locais, duramente açoitados pela recessão, estão sem recursos. Mas não estariam assim se seus políticos estivessem dispostos a considerar ao menos alguns aumentos de impostos.

E no governo federal, que pode vender bônus a longo prazo protegidos contra a inflação, com uma taxa de juros básica de 1,04%, não gasta o dinheiro. Poderia e deveria oferecer ajuda aos governos locais e proteger o futuro de nossas infraestruturas e de nossos filhos.

Mas Washington está prestando ajuda aos poucos, e até isso o faz a contragosto. Devemos dar prioridade à redução do déficit, dizem os republicanos e os democratas centristas. E logo, quase em seguida, afirmam que devemos manter as subvenções fiscais para os ricos, o que terá um custo previsto de 7 bilhões de dólares durante a próxima década.

Na prática, boa parte de nossa classe política está demonstrando quais são suas prioridades: quando podem escolher entre pedir que 2% dos estadounidenses mais abastados voltem a pagar os mesmos impostos que durante a expansão da Era Clinton ou permitir que derrubem a estrutura da nação – de maneira literal no caso das estradas e figurada no caso da educação -, prefem este último.

É uma decisão desastrosa tanto a curto como a longo prazo. A curto prazo, esses cortes estatais e locais implicam um pesado empecilho para a economia e perpetuam o desemprego, que é devastadoramente elevado.

É crucial que os governos estaduais e locais tenham em mente as duras críticas da população a respeito do elevado o gasto público durante o governo Obama. Sim, o governo federal estadounidense gasta, ainda que não tanto como pensam. Mas os governos estatais e locais estão fazendo cortes. E, se somamos, o resultado é que os únicos incrementos relevantes no gasto público foram com programas de proteção social, como o seguro-desemprego, cujos custos dispararam por culpa da gravidade da crise econômica.

Isso quer dizer que, apesar do que dizem sobre o fracasso do estímulo, se observamos o gasto governamental em seu conjunto, não vemos estímulo algum. E agora que o gasto federal está reduzido, ao passo que os grandes recortes de gastos estatais e locais continuam, vamos para trás.

Mas não é também uma forma de estímulo manter os impostos baixos para os ricos? Não se percebe isso. Quando salvamos o posto de trabalho de um professor, isso ajuda o nível de emprego sem dúvida; quando, ao contrário, damos mais dinheiro aos multimilionários, é muito possível que a maior parte desse dinheiro fique imobilizada.

E sobre o futuro da economia? Tudo o que sabemos sobre o crescimento econômico diz que uma população culta e uma infraestrutura de alta qualidade são cruciais para o crescimento. As nações emergentes estão realizando enormes esforços para melhorar suas estradas, portos e colégios. Contudo, nos EUA estamos recuando.

Como chegamos a esse ponto? É a consequência lógica de três décadas de retórica antigovernamental, uma retórica que convenceu numerosos eleitores de que um dólar arrecadado por impostos é sempre um dólar mal gasto, que o setor público é incapaz de fazer algo bem feito.

A campanha contra o governo sempre planteou como uma oposição à fraude, aos cheques enviados a rainhas da segurança social que conduzem luxuosos cadillacs e a grandes exércitos de burocratas que, de um lado a outro, movem documentos inutilmente. Mas isso são mitos; nunca houve tanta fraude como assegurava a direita. E agora que a campanha começa a dar frutos, vemos o que realmente havia na linha do fogo: serviços que todos, exceto os muito ricos, necessitam, serviços que devem ser proporcionados pelo governo, como reformas nas ruas, estradas transitáveis e escolarização decente para todos os cidadãos.

Portanto, o resultado final da prolongada campanha contra o governo é que demos um passo desastrosamente equivocado. Agora, os EUA transitam por uma estrada escura, sem luz, e sem asfalto, que não leva a lugar nenhum.

Tradução: André Rossi. Artigo traduzido de 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=111874. Fonte : http://www.attac.es/ee-uu-se-sume-en-la-oscuridad/.

*Prêmio Nobel de Economia e um dos intelectuais mais influente dos Estados Unidos

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