SEXTA-FEIRA, 16 DE DEZEMBRO DE 2011
Editora de política do Valor Econômico chama imprensa de partidária
Artigo da jornalista Maria Cristina Fernandes do jornal Valor Econômico coloca o dedo na ferida com relação ao silêncio que a mídia faz sobre o livro “Privataria Tucana”, cuja primeira tiragem esgotou-se em 48 horas.
Nota que a discrepância entre a movimentação na internet causada pela obra e os registros do caso na imprensa denota partidarização dos meios de comunicação.
Ela chama a atenção dos leitores para o fato de que o assunto explorado pelo livro é menos partidário do que o uso que se vem fazendo dele. Se Amaury foi indiciado pela polícia federal por envolvimento em bisbilhotagem nas eleições passadas, isso não desmerece seu depoimento mais que o de outros denunciantes que em escândalos pregressos tiveram suas denúncias amplamente repercutidas na imprensa desde que o acusado fosse o partido no governo.
O que não se justifica é que os documentos oficiais trazidos pelo livro, e que envolvem as duas principais siglas que se antagonizam na política brasileira, permaneçam ignorados por conveniências partidárias de momento. Isso mais uma vez, porque desde que apareceram em 2003 no curso da CPI do Banestado deveriam já ter servido para que as autoridades monetárias disciplinassem o fluxo de divisas ilegais que saem e chegam ao país por meio de mecanismos de lavagem de dinheiro.
Diz ainda a jornalista que essas providências só não foram tomadas à época devido a um acordo tácito entre aqueles 2 partidos para que tudo permanecesse quieto, devido a uma conjuntura política em que o governo Lula ainda se firmava em meio a desconfiança dos agentes econômicos.
O posicionamento da editora, registrado no principal veículo de negócios do País, bate como bigorna aos ouvidos daqueles que, pensando contornar fatos jornalísticos pela omissão, acabam por colocar sob risco a credibilidade da imprensa brasileira como um todo. Conclui que os documentos trazidos pelo livro devam sim ser investigados, porque isso dará ao País a oportunidade de instituir mecanismos anticorrupção pelos quais a sociedade espera .
Segue a matéria publicado na edição do jornal Valor Econômico de 16/12/2011
O dinheiro sem carimbo e os partidosPor Maria Cristina Fernandes
Deputado cassado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson é réu no inquérito do mensalão. Responde pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Policial Militar no Distrito Federal, João Dias está preso. Agrediu um sargento que tentava contê-lo no Palácio do Buriti onde entrou com um pacote de R$ 159 mil em espécie.
Jornalista e ex-assessor da campanha petista em 2010, Amaury Ribeiro Jr. foi indiciado pela Polícia Federal por quatro crimes: violação de sigilo fiscal, corrupção ativa, uso de documentos falsos e oferta de vantagem a testemunha.
Com a denúncia de que o governo Luiz Inácio Lula da Silva pagava mesada a sua base parlamentar, Jefferson provocou um dos escândalos políticos de maior repercussão da história da República. Com a acusação, da qual voltaria atrás na defesa apresentada por seus advogados no Supremo, Jefferson pôs em risco o mandato de Lula e levou 40 réus a serem arrolados no Supremo Tribunal Federal.
Pela denúncia de que recursos públicos destinados a um programa de formação de núcleos esportivos em escolas públicas estavam sendo desviados para Ongs ligadas ao PCdoB, Dias precipitou a queda do titular do Ministério dos Esportes, Orlando Silva, um ex-presidente da UNE que estava no cargo havia cinco anos.
Tanto PSDB quanto PT mantiveram lavanderias em ação
Jefferson e Dias denunciaram esquemas ilícitos dos quais foram participantes. A valoração, pela Justiça, de depoimentos de suspeitos e até criminosos condenados, deu curso ao instituto da delação premiada.
A suspeição que recaía sobre ambos não impediu que os depoimentos de Jefferson e Dias, com ampla divulgação nos meios de comunicação, tivessem desdobramentos políticos e jurídicos significativos.
É com base nesses precedentes que cresce, na internet, a indignação com os escassos desdobramentos nos jornais e nos meios políticos das denúncias publicadas pelo jornalista Amaury Ribeiro no livro "A Privataria Tucana" (Geração Editorial, 344 páginas).
Contratado como elo da assessoria de comunicação da campanha petista e o universo da arapongagem, o jornalista foi indiciado no inquérito que apura a violação do sigilo fiscal de dirigentes tucanos e familiares do ex-candidato à Presidência, José Serra.
O livro é uma compilação de documentos que sugerem lavagem de dinheiro da privatização. O autor revela vínculos entre muitos dos personagens que estiveram ligados à venda das estatais, às campanhas do PSDB e à família de Serra, mas, apesar da farta documentação, não encontra carimbo no dinheiro lavado. Talvez pela simples razão de que o jornalismo não é dotado de meios policiais e jurídicos para identificar o carimbo.
Muitos personagens dos governos do PSDB e do PT que enriqueceram às custas de tráfico de influência e informação privilegiada passaram incólumes pela imprensa porque embolsaram dinheiro lavado. Uma única operação da Polícia Federal apurou que entre 1996 e 2002, no auge das privatizações, evadiram-se U$ 30 milhões pelas chamadas contas CC5, criadas pelo Real para liberalizar o fluxo de capitais.
Muito mais fácil do que identificar o carimbo nesse dinheiro é descobrir e, com toda razão publicar, a história de um ministro que um dia teve duplo emprego.
A indignação de internautas questiona por que os jornais que já execraram a família de Lula não se ocupam em seguir as pistas dos familiares de Serra que o livro revela.
Num tempo em que se derrubam ministros como quem preenche uma cartela de bingo talvez esteja fora de moda lembrar que o jornalista pode achar que apura como um promotor e julga como um magistrado, mas o jornal não tem como abrigar plenamente o direito de defesa e, por isso, não substitui a Justiça.
Isso não desmerece a reportagem. Muito pelo contrário. O valor do jornalismo investigativo está em identificar os interesses em disputa e revelá-los ao público. Propagar unicamente a munição que vem de um dos lados é partidarismo.
O livro é menos partidário do que o uso que se faz - e não se faz - dele. Depois de ter chegado às livrarias na última sexta-feira, teve sua primeira edição esgotada em 48 horas. O espaço que lhe dedicam os blogs é inversamente proporcional à centimetragem impressa. No fosso entre uma e outra abordagem está a constatação de que face às chances de se identificar o dinheiro carimbado, tanto tucanos quanto petistas preferiram deixar as lavanderias funcionando.
Boa parte da documentação de que se vale o livro é originária da CPI do Banestado, instalada no primeiro ano do governo Lula. Se houvesse real interesse em pôr freio à lavagem, ali teria sido o momento.
O volume de informações fiscais, bancárias e telefônicas levantado por aquela comissão foi mais do que suficiente para se fechar o ralo. Mas o relator (José Mentor), petista, ocupou-se em tentar incriminar o ex-diretor do BC, Gustavo Franco, pela liberação da remessa de recursos para o exterior sem a identificação do remetente. Deparou-se com o presidente da comissão (Antero Paes de Barros), tucano, disposto a sugerir o indiciamento do então presidente do BC, Henrique Meirelles, por ter se utilizado de uma conta de doleiros para transferir U$ 50 mil para o exterior. O resultado é que dois relatórios foram apresentados e nenhum foi aprovado.
Nos documentos da CPI já se viam as digitais do Rural, o que não impediu que o banco fosse o escolhido para a lavanderia do mensalão. Visadas, as agências de publicidade pouco a pouco foram cedendo espaço aos escritórios de advocacia na intermediação do dinheiro que a política busca esquentar.
No projeto de lei sobre lavagem de dinheiro que tramita no Congresso, a OAB faz pressão contra o artigo que obriga os advogados a revelar a origem dos recursos com que seus clientes pagam os honorários advocatícios. E encontra defensores de PT a PSDB.
Mesa de ontem no Casserole, centro de São Paulo, reunia o ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, um dos principais personagens do livro, o ex-ministro da Casa Civil do governo Fernando Henrique Cardoso, Clóvis Carvalho, e o advogado José Carlos Dias.
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