terça-feira, 3 de maio de 2011

Fisk, que entrevistou Osama: "tinham de matar o Zé-Ninguém"

Via Tijolaço - Brizola Neto

O jornalista inglês Robert Fisk, que entrevistou Osama Bin Laden por três vezes, escreveu um artigo impressionante sobre o que considera ser a irrelevância política da morte do líder (?) da Al-Qaeda. “Se os Estados Unidos tivessem matado Bin Laden um ano ou dois depois de 11 de Setembro, um pouco da emoção que estão vivendo seria importante. Todos estes punhos no ar, celebrando vitória, são boas imagens, mas não têm muito sentido”, disse Fisk, em uma entrevista.

Como todos os que não mergulham no mundo do espetáculo midiático, Fisk explica porque a prisão de Laden com vida seria um problema e ironiza o “sumiço” de seus restos mortais.

O artigo, na íntegra, está no jornal La Jornada, em espanhol.


“Um zé-ninguém de meia-idade, um político fracassado, ultrapassado pela história, pelos milhões de árabes que exigem liberdade e da democracia no Oriente Médio, morreu no Paquistão, no domingo. E o mundo enlouqueceu. Logo depois de apresentar uma cópia de sua certidão de nascimento, o presidente dos EUA, apareceu no meio da noite para oferecer ao vivo um atestado óbito de Osama Bin Laden, que foi morto em uma cidade chamada em honra de um major do exército velho Império Britânico (Abbotabad, por causa do inglês James Abbott, que a fundou, em 1853). Um único tiro na cabeça, dizem. Mas o segredo sobre o vôo do corpo para o Afeganistão, e o sepultamento igualmente secreto no mar?

A estranha forma em que eles se livraram do corpo-”sem santuários”, por favor , foi quase tão bizarra quanto o homem e sua organização do mal.

Os americanos estavam embriagados de alegria. David Cameron chamou a morte de “um enorme passo adiante”. A Índia a descreveu como “uma vitória histórica”. “Uma vitória retumbante”, cantou primeiro-ministro israelense Netanyahu. Mas depois de 3 000 americanos mortos no 11/9, muitos outros no Oriente Médio, até meio milhão de mortes no Iraque e Afeganistão e 10 anos envolvidos na caçada a Osama bin Laden, rezemos por não haver mais destes “triunfos retumbantes”.

(…)Três vezes eu encontrei este o homem e só me fazer uma pergunta me ocorre fazer agora: como você se sentiu ao olhar como essas revoluções estavam desenvolvendo este ano, sob as bandeiras das nações, ao invés do islã, com cristãos e muçulmanos juntos, com pessoas como a que seus homens recrutariam para a Al Qaeda?

Ele foi o fundador (da Al-Qaeda), mas nunca um guerreiro em batalha. Não houve um computador em sua caverna, nem chamadas para detonar as bombas. Embora os ditadores árabes governassem sem oposição e com o nosso apoio, evitando sempre que lhes foi possível a condenar a política de Washington, só Bin Laden o faziam. Os árabes nunca quiseram espatifar aviões em prédios altos, mas admiravam o homem que disse que eles queriam dizer. Mas agora, cada vez mais, eles podem dizer. Não há necessidade de Bin Laden. Tornou-se um zé-ninguém.

Falando das cavernas, o desaparecimento de Bin Laden lança uma sombra sobre o Paquistão. Durante meses, o presidente Ali Zardari tinha-nos dito que Osama estava vivendo em uma caverna no Afeganistão. Agora vê-se que vivia numa mansão no Paquistão. “Traído? Claro que sim. Por que os serviços militares e de inteligência do Paquistão? É muito provável que os dois.O Paquistão sabia onde ele estava.

Naturalmente, há uma pergunta óbvia sem resposta: não se poderia ter capturado Bin Laden? Será que a CIA ou os Navy Seals ou as forças especiais ou qualquer outro grupo dos EUA que o matou não podia jogar uma rede sobre o tigre? “Justiça!”, proclamou Barack Obama, sobre sua morte. Nos velhos tempos “justiça” significava devido processo legal, uma audiência judicial, um advogado, um julgamento. Como os filhos de Saddam Hussein, Bin Laden foi morto a tiros. Claro, ele nunca quis ser pego vivo … e havia sangue a rodo no quarto onde ele morreu.

Mas um julgamento teria incomodado muitas pessoas mais além de Bin Laden. Ele poderia falar sobre seus contatos com a CIA durante a ocupação soviética do Afeganistão ou nas suas acolhedoras reuniões em Islamabad com o príncipe Turki, chefe dos serviços secretos sauditas. Assim como Saddam Hussein, que foi julgado pelo assassinato de só 153 pessoas, e não pelos milhares de curdos mortos por gás, foi enforcado antes que ele tivesse chance de dizer-nos sobre os componentes dos gases provenientes dos Estados Unidos, sobre sua amizade com Donald Rumsfeld ou assistência militar que recebeu de Washington quando ele invadiu o Irã em 1980.(…)

Ao meio-dia de segunda-feira eu já tinha recebido três telefonemas de árabes, todos certos de que os americanos mataram um dublê de Bin Laden, como muitos iraquianos acreditam que os filhos de Saddam não morreram em 2003 e o próprio Saddam também não foi enforcado. Com o tempo, a Al-Qaeda nos dirá. Claro, se estamos todos errados e foi um dublê, nós vamos ver mais vídeo do verdadeiro Bin Laden… e o presidente Barack Obama vai perder a próxima eleição.

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