Uma das cepas mais ilustres na luta dos sem vozes e dos direitos humanos é sem dúvida Dom Paulo Evaristo Arns que vive seu “autoexílio” na casa das irmãs Franciscanas em Taboão da Serra, São Paulo.
Ao completar nos últimos dias 90 anos, é importante relembrar a trajetória e os ensinamentos desse Arcebispo do povo, em especial do povo marginalizado e carente.
Natural de Forquilhinha, interior Catarinense, e o quinto de 13 irmãos - dentre eles destaca-se a médica pediatra e sanitarista Dona Zilda Arns vítima fatal do terremoto que devastou o Haiti.
Dom Paulo tem sua vida marcada pela intransigência ética e pela luta dos marginalizados. Foi figura singular na defesa dos direitos humanos.
Foi ordenado Presbítero em 1945 em Petrópolis RJ, em 1966 foi ordenado Bispo Titular e já em 70 foi nomeado Arcebispo Metropolitano de São Paulo, pelo Papa João Paulo VI . Em 73, convocado pelo Papa Paulo VI , na Basílica de São Pedro, Dom Paulo foi criado cardeal-presbítero, do título de Santo Antônio de Pádua na Via Tuscolana.
Como cardeal eleitor, participou dos dois conclaves, de agosto e de outubro de 78. Participou ainda, como cardeal não votante, do conclave de 2005.
Sua atuação pastoral se destaca com a formação das comunidades eclesiásticas de base nas regiões mais pobres. Essas comunidades receberam a denominação da sigla CEBS que consistia em grupos formados por leigos que se multiplicavam por todo país.
Em 2000, de acordo com pesquisa do Instituto de Estudos da Religião (ISER), do Rio de Janeiro, existem cerca de 70 mil núcleos de Comunidades Eclesiásticas de Base no Brasil.
Outra importante ação de Dom Paulo foi a criação da Pastoral da Criança vinculada à CNBB. Ideia essa que surgiu num encontro entre Dom Paulo e diretor executivo da UNICEF James Grunt, numa reunião na Suíça em 1982. Desta iniciativa milhares de crianças brasileiras foram salvas da desnutrição.
Dom Paulo também se destacou na luta pelos direitos humanos, pois foi voz forte contra o regime ditatorial do Brasil, liderando a resistência contra as atrocidades cometidas. Dom Paulo fez lobby internacional, coletou fundos de forma sigilosa e manteve encontros com líderes no exterior para alertar sobre as violações aos direitos humanos no Brasil.
Em 197, reage às prisões que ocorreram e monta um esquema muito eficiente de informações e reações. As CEBS elegem a defesa dos direitos humanos como em primeiro lugar para o trabalho da CNBB, padres e todos os cristãos brasileiros. Com a morte do operário Santo Dias da Silva montou a Comissão Arquidiocesana de Direitos Humanos.
De 1970 a 1986 dispõe de um centro de informações da mais alta credibilidade neste país. Colabora decisivamente para a publicação do livro “Brasil: Tortura Nunca Mais”, que vai servir de referência para a identificação de presos e torturadores, tendo inclusive projeção na América Latina, para a qual também desenvolve todo um sistema de apoio aos refugiados.
Assim, a Pastoral dos Direitos Humanos amplia seus trabalhos e as reações da sociedade aos desmandos da ditadura tornam-se cada vez mais fortes. Muitas foram as ocorrências emblemáticas deste período e Dom Paulo enfrentou-as todas: a morte do estudante Alexandre Vanucchi Leme; a cassação da Rádio 9 de Julho (1973); a morte do jornalista Wladimir Herzog, torturado no DOPS de S.P.; a invasão da PUC/SP (1977) e, tempos depois (1984) os dois incêndios de seu teatro, TUCA. Inúmeros foram os interrogatórios de presos políticos que Dom Paulo pôs-se presente, adentrou em inúmeras cadeias, buscou informações sobre desaparecidos, etc… Teve a colaboração decisiva de muitos, especialmente as grandes personalidades brasileiras reunidas na Comissão de Justiça e Paz da arquidiocese, como Dalmo Dallari, José Carlos Dias, Fábio Comparato, José Gregori, o advogado Greenhald, Carvalho de Jesus e Nadir Kfouhri, além do pastor James Wright; a dedicação de Waldemar Rossi, operário da Frente Nacional do Trabalho; e de Plínio de Arruda Sampaio.
Dom Paulo não se ateve apenas aos presos políticos, mas também a todos que tinham seus direitos vilipendiados, jamais tendo perguntado sobre a religião dos que defendeu. Leva provas de tortura pessoalmente às altas esferas, como os generais Médici e Geisel, ou por meio de carta, como a que enviou ao general comandante do 2º Exército, Ednardo Mello. Por diversas vezes interagiu com o general Golbery ou com os comandantes do Exército em São Paulo, sempre na tentativa de superar os problemas observados nas prisões.
Com a mesma naturalidade com que convivia com as populações carentes, convivia com as autoridades do país, substituindo a docilidade com os primeiros pela firmeza com os segundos. Isto certamente contribuiu muito para as mudanças observadas no Brasil dos anos 80.
Foi ameaçado, escapou de "acidente" premeditado por militares da ditadura, sofreu injustas discriminações e ofensas, mas nada abalou a determinação com que exercia sua missão de pastor do rebanho de Deus.
Por estas defesas que assumiu, sempre teve autoridades governamentais contra si. Até mesmo a Cúria Romana passa a colocar-se contra ele. O quanto, não se sabe, mas todas as suas tentativas de esclarecimento foram respondidas com o silêncio. Talvez, sua identificação com a Teologia da Libertação é o motivo desta reação romana.
Finalmente, em 2001, em seu livro autobiográfico, divulga o documento enviado a Roma em 1984, elaborado pelos teólogos de São Paulo sobre a posição em relação aos princípios fundamentais daquela teologia, mas até hoje está sem resposta…
Transformou-se em ícone nacional e popular, virou o Cardeal do Povo e do Brasil.
Porém hoje se mantém em silêncio em seu auto exilio.
Contudo, vale ressaltar a importância deste arcebispo para o povo Brasileiro.
Valeu Dom Paulo !
Henrique Matthiesen
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